Prólogo

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Em meio à escuridão de um local impreciso, o barulho de passos apressados rasgava o silêncio da noite. Uma respiração pesada e desesperada fornecia também uma sonoridade àquele ambiente. No entanto, para garantir a sua sobrevivência, nenhum barulho deveria ser feito. Era preciso se mesclar ao silêncio e à escuridão. Mas o seu medo, que naquele momento era tão forte quanto a sua vontade de viver, lhe entregava.

Aparentemente, não havia escapatória. Mas em meio às sombras, um discreto e ligeiro feixe de luz, que passava pela claraboia, revelou a imagem de uma jovem mulher assustada e machucada. Obviamente, o seu olhar expressava puramente pânico.

A sua tentativa de fuga parecia ser em vão. Ainda no escuro, ela conseguiu avistar algumas grandes caixas de madeiras empilhadas pelo local. Sem perder tempo, ela correu para se esconder atrás de algumas delas. No entanto, ela ainda não se sentia segura.

"Onde foi que eu me meti desta vez?!" , perguntava a si mesma mentalmente. A única coisa de que tinha certeza é que não poderia ficar ali por mais tempo. Mas como escapar? Ela nem mesmo sabia onde estava. O local estava aparentemente abandonado. Havia muita poeira por todos os lados. Poderia ser simplesmente um grande depósito ou uma construção parada pela metade — ou as duas coisas. Não tinha como saber.

Em meio à sua ânsia, ela também não tinha noção do tempo. Era noite, essa era a sua única certeza — e isso, de certa forma, dificultava ainda mais a sua fuga. Enquanto estava ali, agachada e escondida por entre as caixas, ela tentava enxergar alguma solução em meio à escuridão. No entanto, a sua alma congelou quando ouviu o barulho de passos se aproximando.

Em um impulso, ela tapou a sua boca com a mão. Nenhum ruído deveria ser feito, nem mesmo da sua própria respiração ofegante. As lágrimas já começavam a escorrer pelo seu rosto e o seu corpo tremia cada vez mais à medida que os passos se aproximavam. O desespero aumentava só de imaginar aquelas mãos sobre a sua pele novamente. Escapar dali não era uma opção.

Os passos eram estranhamente lentos e calmos. Pelo barulho, era possível identificar certa elegância no ato de caminhar. Nem parecia que aquela pessoa, que se aproximava, estaria à procura de um fugitivo. No entanto, a jovem não se atreveu em olhar: o seu corpo estava petrificado pelo medo, mas ainda tremia devido à tensão. A cada passo que escutava, o seu coração se acelerava mais.

A pessoa caminhava cuidadosamente pela escuridão até que, sem perceber, acabou passando pela pilha de caixas onde, do outro lado, estava a sua presa. Enquanto isso, um calafrio passou pela espinha da jovem ao sentir aquela presença tão perto de si. Mas, em seguida, sentiu também certo alívio ao ver que aquele indivíduo estava se afastando. Porém, nada ainda tinha acabado.

Naquele momento, ela pensava que não poderia continuar escondida, pois imaginava que, uma hora ou outra, seria descoberta. Afinal, ela não sabia quantas pessoas estavam à sua procura. Permanecer ali era arriscado. Porém, para onde ela deveria ir?

O silêncio começou a ficar insuportável. A pessoa que passara por ali, minutos atrás, não retornou. Talvez seria o melhor momento para continuar procurando uma saída daquele lugar ou, então, um esconderijo mais seguro, para que ela pudesse esperar pela chegada da luz do dia. No entanto, ela não tinha muito tempo para refletir, já que alguém poderia reaparecer ali a qualquer momento. Se ela realmente quisesse sair, a hora seria agora.

Após engolir em seco e respirar fundo, ela decidiu agir, deixando o seu esconderijo. Parecia que estava caminhando em ovos enquanto tentava aproveitar a luz fraca, que passava pela claraboia, para enxergar o que estava à sua frente. Controlar a sua respiração era uma tarefa difícil. A tensão se tornava cada vez mais palpável. Porém, por mais que os seus cuidados fossem precisos, a sorte talvez não estaria ao seu lado naquela noite.

De repente, por um ligeiro descuido, ela acabou tropeçando em alguma coisa, fazendo-a cair. Devido ao susto, ela deixou escapar um grito que, junto com o barulho da queda, ressoou por todo o local. No mesmo instante, ela voltou a ouvir passos vindo à sua direção — mas, desta vez, eles estavam firmes e apressados.

Sem perder tempo, e apesar da dor, ela se levantou e começou a correr em meio à escuridão — sem saber ainda para onde ir. Os passos apressados atrás dela aumentavam o ritmo. Em meio ao desespero, as suas lágrimas voltaram a escorrer, sendo jogadas ao vento enquanto corria. Desta vez, ela não se preocupava mais em controlar a sua respiração, agora ainda mais ofegante. Ela corria e mancava ao mesmo tempo. O ferimento em seus joelhos começava a lhe incomodar. Mas mesmo sabendo que os seus esforços poderiam ser inúteis, entregar-se estava fora de cogitação.

Ela se adentrou ainda mais na escuridão e, mais uma vez, ela desabou. A dor se intensificou. Naquele instante, ela enxergava apenas a sua derrota, o seu fim. Tudo o que podia fazer agora era chorar. Mas, estranhamente, ela não ouvia mais nada. Ao olhar para trás, ainda caída, viu que o seu perseguidor havia parado, mantendo certa distância entre eles. O seu rosto estava escondido pela escuridão, mas era possível ver o seu corpo: a julgar pelo seu físico e pela sua roupa, tratava-se de um homem.

Eles permaneceram assim, distantes e estáticos, encarando um ao outro — como um predador e uma presa que estão cara a cara, à espera do próximo movimento. Entretanto, não demorou muito e o homem voltou a caminhar, indo em direção à jovem caída no chão. Ele caminhava agora calmamente e com cautela.

No mesmo instante, ela tratou de se levantar, novamente, o mais depressa possível. Ela ainda mancava, esforçando-se para correr. Mas devido a essa reação, o seu perseguidor aumentou também o seu ritmo. Em meio à sua fuga, ela olhou rapidamente para trás, mas não houve tempo para ver nada.

Algo duro e pesado se chocou violentamente contra a sua cabeça. Tudo aconteceu muito rápido. Antes mesmo que pudesse sentir a dor, ela foi tomada inteiramente pela escuridão.

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