Capítulo 14

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Alina acordou de repente, levantando-se de maneira brusca. O seu coração estava disparado. Mais uma vez, ela havia tido um pesadelo — isso já fazia parte de sua normalidade desde que saíra do hospital. Para conseguir dormir, Alina precisava ainda de tomar certos medicamentos. No entanto, assim que adormecia, os sonhos perturbavam o seu sono.

Os seus pesadelos, geralmente, eram repetitivos e insistentes. Às vezes, ela sonhava que estava correndo em meio a uma escuridão densa e infinita, com o sentimento sufocante de que era perseguida por algo ou alguém. Em outras ocasiões, ela estava em queda livre, despencando em direção ao parque onde foi encontrada. Mas havia também o pesadelo que era considerado o pior: alguém lhe vigiava, ao lado de sua cama, enquanto estava presa em um sono profundo. Esse sonho sempre lhe era aterrorizante. Quando acordava, ela tinha ainda a sensação de que havia realmente alguém em seu quarto. Certamente, esses sonhos poderiam ter uma relação com o seu trauma, apesar de que ela não conseguia encontrar ainda um real sentido para eles.

Entretanto, naquela noite, o seu sonho havia sido inédito: ela estava em um quarto escuro e mãos fortes apalpavam todo o seu corpo, sujando a sua pele com tintas de variadas cores. As mãos deslizavam pelas curvas de seu corpo esguio em um ritmo delicado e sensual. Alina estava de pé, no meio daquele quarto desconhecido, e quando tentou levantar a cabeça, na esperança de descobrir o estranho que lhe tocava, ela não conseguiu: Alina estava petrificada, sem forças, ao mesmo tempo em que se sentia hipnotizada ou dopada. Ela estava totalmente à mercê daquele sujeito. Mas ao invés de sentir medo ou pânico, Alina sentia prazer por estar ali, tendo cada pedaço da sua pele aquecido ao ser preenchido pela tinta fria. Aquelas fortes mãos tinham uma fome ávida de seu corpo, enquanto a tinta passava pela sua pele e escorria até o chão. Alina não conseguia ver nada ou alguém, e apenas se podia ouvir o som de sua respiração ofegante.

— Que sonho esquisito! — Disse consigo mesma, sentando-se na beirada da cama.

Ainda assustada e confusa, ela pegou uma garrafa de água, que estava em um pequeno móvel ao lado de sua cama. As suas mãos ainda tremiam. Assim que começou a beber, a água fresca aliviava o seu corpo e o seu espírito de imediato. Após se acalmar, Alina refletia: ela se perguntava se teria que se conformar a ter pesadelos todas as noites, pelo resto da sua vida. Pelo visto, seria necessário mais uma consulta com o seu psicanalista. Porém, não era só esse fato que ocupava a sua mente.

Ao olhar para a escrivaninha, Alina avistou o seu diário e, consequentemente, lembrou-se de sua maior descoberta recente: Alina tinha um relacionamento com o Marcos, o seu professor na universidade. No entanto, aquilo não lhe foi um choque — afinal, durante a leitura dos relatos anteriores, ela pressentia que isso poderia ser anunciado em algum momento. Em outras palavras, uma relação entre eles era previsível na sua narrativa. Porém, isso não deixava de lhe incomodar.

Alina não se reconhecia naqueles escritos, tendo a impressão de que era uma pessoa diferente antes de seu incidente. Se fosse agora, ela jamais teria tomado a iniciativa para um relacionamento arriscado e delicado. De repente, em meio aos seus julgamentos, algo veio à sua mente: ela e o Marcos estariam ainda juntos? Caso sim, por que ele não foi lhe ver no hospital ou ainda não lhe procurou? Além disso, mesmo se eles já tivessem rompido, o Marcos deveria estar informado sobre o ocorrido, já que a sua história tinha chegado aos ouvidos de toda a universidade.

Esse questionamento lhe provocou um frio na espinha. Para tirar a dúvida, a solução mais óbvia seria continuar a leitura do diário. No entanto, Alina já estava tomada pela ansiedade, fazendo-lhe tomar uma decisão imediata: ir à universidade e conversar diretamente com o professor. Afinal, independente de eles estarem juntos ou não, o Marcos poderia ter mais informações sobre o seu passado esquecido. Aliás, ela tinha plena consciência de que o que estava registrado no diário era a sua visão particular dos fatos, e talvez ela não tivesse escrito exatamente todos os ocorridos.

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