Capítulo 2 - Percepção

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"A fé desempenha em nossa vida um papel mais importante do que supomos, e é o que nos permite fazer mais do que pretendemos. Creio que aí está o elemento precursor de nossas ideias. Sem a fé não se teriam elaborado jamais hipóteses e teorias, nem se teriam inventado as ciências ou as matemática. Estou convencido de que a fé é um prolongamento do espírito: negar a fé é condenar-se, e condenar o espírito que engendra todas as forças criadoras de que dispomos." Charlie Chaplin.

Essa foi a frase que pensei quando vi os Biazin entrando em minha sala, seus semblantes eram cansados, numa exaustão completamente visível, porém, a fé permanecia bem no fundo e seria eu quem faria essa família dar a volta por cima.

-Bom dia, Dra. Dayane._ eles saudaram.

-Me chame de Dra. Day, por favor._ Interrompi imediatamente. Vi quando eles relaxaram com a opção de me chamaram por um apelido; gosto sempre dessa vibe leve no meu consultório.

-Ok, Dra Day. Estamos desesperados com a situação de nossa garotinha, ela não consegue se divertir nem relacionar com as pessoas, fica trancada o dia inteiro dentro de casa, quando sai é a noite e pra aprontar. Já fomos várias vezes chamados na faculdade onde estuda.

Essas foram as palavras do Sr. Biazin. Caroline é estudante de Educação física, ainda não a conheci, seus pais resolveram vir sozinhos para evitar desgaste logo na primeira consulta.

-Eu prometo a vocês que sua filha irá melhorar, tenho muita competência para isso e vou mostrar.

Eles me olharam com um certo alívio, essas palavras confortaram-lhes, mas ainda tinha o grande desafio: conhecer a garota. Pelo prontuário pré-preenchido, reparei que ela é três anos mais nova que eu, e que faz uso de remédio controlado, no caso, venlafaxina, normalmente usado para tratamentos de ansiedade.

-Preciso que me relatem o que acontece ao certo. _ peguei meu caderno de anotações para descrever o que iriam me dizer.

-Bem, Dra. Day _ a sra. Biazin falou numa voz baixa _ minha filha era tão comportada, estudiosa, mas a partir dos 20 anos começou a se portar de maneira estranha, uma hora está bem, outra hora quer sumir, e isso me deixa aflita. Estou sofrendo junto, doutora._ agora já havia lágrimas em seu rosto.

-Senhores, quero analisar o caso dela para depois chamá-los para uma conversa mais produtiva, ok? _ não tenho como falar algo que os conforte tanto, até porque só ouvi um lado da história, nem sei como sua filha se sente, mas eles estavam confiantes comigo e eu fico muito feliz quando vejo meus clientes assim.

-Em breve voltaremos a nos falar, até lá quero que tragam ela em todas as sessões marcadas.

Os dois saíram mais tranquilos após nossa conversa. Como profissional, devo cativá-los para se sentirem acolhidos e, juntos, resolvermos o assunto pendente.

Como será que é essa garota, hein!? Já atendi muitas pessoas, mas confesso que as mulheres são muito diferentes, elas têm seus períodos, suas manias, mas sempre mais acolhedoras. Hoje será um dia e tanto. Combinei com os pais dela de nos encontrarmos no período da tarde.

Também combinei de almoçar com um vizinho do meu prédio e aproveitei para chamar Foquinha para ir conosco. É sempre bom relaxar um pouco, ainda mais porque eu estava prestes a conhecer minha nova paciente. Combinamos de ir no restaurante Totopos Gastronomia Mexicana, nunca experimentei comida mexicana e essa seria mais uma experiência.

Ouvi uma voz me chamar, era Foquinha. Ele chegou o horário do almoço e eu ainda estava distraída pensando no novo caso. Pedimos um Uber e fomos encontrar com meu vizinho, Victor Carvalho, mas que prefere ser chamado de Vitão.

Um cara legal, gosto de seu cabelo comprido numa cor meio castanho de cachos, suas muitas tatuagens são bem visíveis.

Avistamos Vitão de longe, ele estava conversando com a recepcionista que logo o levou para uma mesa, seguimos imediatamente para nos juntarmos a ele.

-Boa tarde, senhoritas! _ foi assim que fomos recebidas. Quanta formalidade, estava em horário de almoço, queria relaxar com direito a informalidade e tudo. Mas ao longo do almoço percebemos que esse não era o estilo dele, estava apenas sendo educado.

Nosso descanso foi muito divertido, esses dois eram as pessoas mais próximas que tinha em Curitiba, não havia muito tempo para criar amizades, por isso tinha só os dois mais próximos de mim. Vitão nos levou de volta à clínica, dentro de poucas horas conheceria ela, minha nova paciente, e não parava de pensar; tinha uma certa ansiedade, não via a hora de terminar esse caso e ver essa família satisfeita com meu trabalho. É sempre prazeroso para qualquer um ver ser trabalho fazendo a diferença para alguém.

-Dra. Day, a senhorita Caroline Biazin está a sua espera.

-Mande-a entrar, por favor!

Dei um último suspiro e a porta se abriu.

De início pude reparar que algo a incomodava, certeza que o motivo era ter que ir a uma clínica novamente. Caroline é uma bela mulher, cabelos ruivos em cachos um pouco abaixo dos ombros, quase da minha altura.

-Boa tarde, Dra. Dayane! _ Foram suas primeiras palavras. Eu não tinha muita expectativa em relação à garota que iria entrar pela minha porta, mas, definitivamente, não esperava ver a figura entrou. Uma baixinha de cabelos cacheados ruivos. Engraçado ela ser ruiva, já que seus pais não eram. Aqueles olhos negros marcantes se encontraram com o meu e respirei fundo pra lembrar que agora era a minha vez de falar. Espere! Ela me chamou de Dayane? Só quem me chama assim é minha mãe, e quando estava brava. Mas fiquei natural.

-Boa tarde, Caroline Biazin! Sente-se e pode me chamar de Dra. Day!

-Ok, Dra. Day, pode me chamar de Carol. Você já deve saber que sou portadora de TAB (Transtorno Afetivo Bipolar). De início sofri muito; nem minha família, nem meus amigos acreditavam que pudesse ser verdade. A reação deles eram sempre as mesmas: "mas você é tão bonita, inteligente, como pode ter isso?" - Carol fez uma imitação mal feita expressando a frase que tantos usaram para lhe julgar, - Como se para ser portador de algo tinha que ter certas características. - A menina revirou os olhos pra dizer isso e eu achei graça, mesmo não expressando isso. - Bom, nunca entendi ao certo o porquê deles pensarem isso, talvez seja por que esse transtorno ter se aflorado só na adolescência e eles estarem acostumados a conviver comigo antes disso - Ela foi falando e se acomodando, parece que não será difícil conversar. Carol parecia ser uma garota bem acessível. - Já teve vezes de pessoas falarem pra mim "então desse jeito, eu também sou doida". As pessoas nunca entendem, sem contar o desespero de minha mãe e o sentimento de incapacidade de meu pai.

Nossa conversa foi muito legal, estava prevendo que esse caso seria muito mais tranquilo do que imaginava, seria um desafio, sem dúvidas, como ela disse: foi diagnosticada com TAB. Confesso ser minha primeira paciente com esse transtorno, e será uma longa jornada de estudos para entender. Ao chegar em casa, fiquei relaxando; conversei um pouco com minha mãe e fui dormir. 

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