A consulta

124 34 315
                                    

Terapeuta na poltrona cruzou as pernas:

- Você disse que havia sonhado com eles essa noite? Conte-me.

A moça deitada no sofá se fixou na luz da lâmpada circular no teto.

- Sonhei que eles estavam do lado de fora da minha janela. Sonhei que eles me chamavam por um nome que não é meu, mas eu respondia e levantava da minha cama. Eu deixava minha camisola escorregar do corpo e andava até o beiral, nua como no dia de meu nascimento e eles estavam lá. Flutuando do lado de fora da sacada e de repente não tinha sacada e eu estava à beira de um abismo infernal e negro. E foi nesse momento que vi que eles não eram como fantasmas das outras vezes e sim tinham corpos gigantescos e monstruosos e suas mentes eram como mil estrelas em explosão! Eles invadiram minha consciência e eu entendi que criaram o mundo para ser uma catástrofe! Para que todos se matem e quando sobrar o último, ele ganhar o privilégio de ascender sobre as estrelas!

Ela engoliu em seco.

- E eu senti medo, doutor! Medo! pois são feitos da mais maligna nebulosa do espaço! Universos inteiros e diferentes habitam cada grama de seu corpo e seu coração é a porta de um lugar sem esperança, onde eu receio que queiram me levar! Eu tenho medo, doutor! Medo de dormir e quando acordar eles estarem lá de novo!

O doutor pigarreou.

- Margareth, você sabe que isso é um trauma ao aconteceu. Já discutimos isso. Você não precisa se culpar pelo que aconteceu com Barbara. A culpa não foi de ninguém.

A mulher sentou-se no sofá.

- Mas eu deixei a porta da varanda aberta, doutor...

O homem balançou a cabeça.

- Não é sua culpa, Margareth. Agora, eu vou te indicar uns remédios para dormir melhor, ok? Pode esperar na sala ao lado.

Margareth assentiu e se levantou. Ela caminhou em direção à porta e o homem se levantou junto, abrindo a janela de cortinas escuras do consultório.

Por um momento o sol passou pelas cortinas e iluminou o quarto de vermelho. Margareth sentiu um calafrio e se virou automaticamente, observando o doutor que a olhava com um sorriso no rosto.

- Algum problema, querida?

Ela viu então. Atrás dele, não uma forma definida mas uma silhueta escura que o segurava como se ele fosse uma marionete. E o rosto da silhueta brilhou e Margareth gritou para o vazio quando as janelas se romperam e sua consciência voou pelo tempo e pelo espaço, vagando inadvertidamente ao encontro do lugar mais negro e sombrio que a mente humana conseguia conceber.

Por Jean Carlos

Contos para se inspirar: Porque a vida não é o bastanteOnde histórias criam vida. Descubra agora