DOZE

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Marisol

Estamos na estrada agora. Me sentei no banco ao lado da janela do ônibus e tive que fazer um coque para que o vento não jogasse o meu cabelo no rosto do Eugênio, pois estava sentada sobre os joelhos e inclinada para ver o caminho. Ele estava concentrado em um livro que tinha trago na mochila. 

Tinha tantas árvores! E serras cobertas com grama verde, lagoas e rios, pastos e um céu cheio de nuvens fofas como algodão doce!

- É tudo tão lindo! – Eu disse, tentando controlar o volume da minha voz. – Nunca tinha visto tanto verde! E olha, são vacas!

Eugênio fechou o livro e começou a rir.

- Você nunca tinha visto uma?

- Algumas vezes na rua, mas não tantas juntas! E você?

- Sim! - Respondeu, se divertindo com meu entusiasmo. - Acompanho o padre Carlos em viagens às vezes. Ele costuma celebrar missas em áreas rurais e não é como se a cidade onde a gente mora fosse tão grande. Sei que também não é pequena, mas é praticamente uma área rodeada por fazendas!

Eugênio colocou uma mão em minha cintura para me segurar quando ônibus passou por um quebra molas.

- Sempre ajuda ele bastante? – Perguntei me sentando.

- Sim. É como se eu fosse uma espécie de coroinha em tempo integral, sabe? E também porque sei que ele fica menos preocupado quando estou por perto.

Assenti.

- Posso te fazer uma pergunta pessoal?

Eugênio me observou pelo canto do olho.

- O que é?

- Você sabe quem são seus pais de verdade?

- Ah... – Ele respondeu, com uma expressão sombria. – Essa viagem deveria ser animada. Não é uma história alegre.

Segurei a mão dele.

- Não tem problema. – Falei. – Não precisa me dizer nada se não se sentir à vontade.

- Não, tudo bem. – Ele deu de ombros. - Não conheci os meus pais. O padre Carlos me contou que eles eram muito pobres e tinham acabado de se mudar, procurando uma vida melhor. Eles moravam em um barraco pequeno e a minha mãe estava desnutrida e fraca... viveu pouco tempo após o parto, deixando meu pai sozinho comigo. Era um homem simples, que havia conseguido um emprego que ganhava muito pouco e não teria como cuidar de mim ao mesmo tempo. Uma noite, ele foi até a porta da paróquia chorando de desespero, disse que estava voltando para a terra dele e não queria que o filho passasse fome. O padre Carlos me contou que eu era um bebê magrinho. Ele tinha acabado o seminário na época.

"Quando era pequeno, perguntava do meu pai, mas ele nunca voltou para me procurar. Ficava chateado, mas o padre me explicava que tudo o que ele queria era que o filho tivesse uma oportunidade melhor. Então segui em frente."

Ele tinha razão. Era mesmo triste.

- Se serve de consolo, fico feliz que tenha ficado na cidade com o padre Carlos. – Falei, olhando para nossos dedos entrelaçados. - Não teria te conhecido se tivesse ido embora.

Eugênio olhou nos meus olhos e nos encaramos em um longo silêncio, até me dar conta de que eu estava mordendo os lábios em expectativa. Então ele se afastou de repente e olhou para baixo, guardando o livro na mochila.

– Acho que vou tirar um cochilo. – Ele falou, olhando para as próprias mãos. - Tudo bem para você?

Assenti, um pouco decepcionada. Eugênio colocou fones de ouvido e dormiu poucos tempo depois. Fiquei tentada a fazer um desenho dele assim, com os cílios escuros encostados no rosto, a franja castanha caída dos lados da testa e as feições tranquilas. Mas antes que pudesse me mexer, o ônibus começou a diminuir de velocidade até estacionar.

- Parada de quinze minutos! – Anunciou o motorista.

Suspirei aliviada, pois precisava muito mesmo ir ao banheiro! Não queria acordar o Eugênio, então deixei minha mochila em cima do banco e pulei as pernas dele.

☀ ☀ ☀

Rodoviárias e lanchonetes de estrada são estranhas. Em alguns cantos, podia sentir um cheiro desagradável. O banheiro não era muito melhor e tive que fazer um malabarismo para usar. Já tinha me arrependido de descer e a situação piorou quando saí. Tinham vários ônibus estacionados na calçada. TODOS. IDÊNTICOS. AO. MEU.

Ai meu deus, qual deles era o meu ônibus?

Perambulando um pouco, tentei me lembrar de onde havia saído ou se conseguia ver alguma das pessoas que estavam dentro do mesmo ônibus passando por ali, me desviando de malas e famílias esperando, senhoras conversando entre si. Já estava ficando escuro e os minutos estavam passando. O motorista iria embora e eu ia ficar para trás naquele lugar esquisito!

- Sol? - Me virei de repente quando ouvi o meu nome. Quase desmaiei de alívio quando vi o Eugênio na porta de um dos ônibus. Ele desceu, vindo ao meu encontro e corri para abraçá-lo. - Obrigada! – Eu disse no ouvido dele.

- Acordei e não te achei! Deveria ter me pedido para descer com você.

- Não queria te acordar... – Respondi, culpada.

- Não tinha problema! Como eu iria fazer se o ônibus partisse e te deixasse para trás?

- Desculpe... – Respondi, sentindo meus olhos se enchendo d'água.

Eugênio se assustou com a minha reação.

- Ei, calma! – Ele falou manso, colocando uma mecha de cabelo atrás da minha orelha. – É normal se confundir na primeira vez que você vai a algum lugar. Só fiquei preocupado! Não faz mais isso, está bem?

☀ ☀ ☀

Depois que o pânico passou, percebi que haviam se passado apenas alguns minutos da parada e deu tempo de entrarmos na lanchonete e comermos algo antes de voltarmos para os assentos. Já que não iríamos fazer nada, pesquei meu sketch book de dentro da mochila e o abri, começando a rabiscar o cenário que estava enxergando da janela. Eugênio espiou por cima dos meus ombros.

– Uau, você é boa! Posso ver?

Gelei. Se ele folheasse, veria os rabiscos que tinha feito do rosto dele e me acharia uma maluca perseguidora... Segurei o caderno com força.

- É que... tenho vergonha. – Menti, com o rosto queimando. Acho que isso acabou deixando tudo mais convincente.

- Tudo bem. - Ele disse, se afastando. - Mas acho que não deveria esconder seu talento. 

Eugênio sorriu para mim de novo e meu coração deu solavancos como se estivéssemos passando por uma estrada esburacada.

Droga!

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N/A: Tá, isso foi baseado na minha própria falta de senso de direção! 😂  Vocês também ficam perdidas com facilidade? 

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