DEZESSETE

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Marisol

Apesar de cansada, eu havia sonhado com lembranças daquela noite. 

Luzes piscavam em um estádio enorme. Meu pescoço estava inclinado para cima vendo os confetes voando e grudando nos meus cabelos e eu estava sorrindo, pois aquele tinha sido o momento mais feliz da minha vida até agora. Eugênio me segurava para não me perder no meio das pessoas. Meu coração pulsava junto ao ritmo do som ensurdecedor assim que me dei conta de que ele estava olhando para mim.  

Sonhei com ele me abraçando no banco de trás do carro do Fredy na volta para casa, quando o frio tomou conta depois da adrenalina passar. Lembro de quase dormir ali mesmo, sentindo os dedos dele nos meus cabelos, enquanto uma música suave tocava no som do automóvel. Fredy estendeu a mão para a Cíntia enquanto dirigia. Belinha atualizava posts no celular e às vezes levantava os olhos e sorria para nós como se soubesse que agora também guardava um segredo. 

Eugênio não soltou minha mão nem para trancar a porta e eu me aproveitei disso para puxá-lo pela blusa e repetir o que tinha acontecido entre nós no estádio. 

Existe uma palavra chamada sinestesia, que na literatura significa a junção de cores e coisas para explicar sensações. Um exemplo é a letra de daylight, que diz que o amor é dourado. Era assim que eu me sentia se tivesse que traduzir em palavras. Quando abri meus olhos depois de nos beijarmos pela primeira vez durante o show, estava tudo tão colorido, que eu queria fazer uma aquarela com tonalidades que trouxessem todos os sentimentos que havia presenciado.

Acordei na cama da tia da Cíntia com alguém me chamando.

- Mãe...? – Pisquei assustada, me dando conta de quem era. Mamãe me encarava no quarto escuro. Olhei pela janela e vi que ainda era noite. 

O que ela estava fazendo ali?

- Se vista. – Ela disse, irritada. - Estamos indo para casa agora!

Levantei zonza, sonolenta e confusa e comecei a me vestir.

- O que a senhora está fazendo aqui? – Perguntei.

- O que eu estou fazendo aqui? – Ela disse, colocando minhas coisas na mochila. – Descobri que a minha própria filha estava mentindo para mim. Saindo escondida, se envolvendo com um garoto, tudo pelas minhas costas! É claro que eu não acreditei, tive que ir até em casa para checar se você realmente tinha tido a coragem e realmente não te encontrei. Perguntei à vizinha e ela disse que tinha te visto saindo de mochila e não tinha voltado! Mas burra do jeito que é, convenientemente deixou seu diário em cima da mesa de cabeceira. Foi onde eu achei tudo: O que estava fazendo, quem era esse garoto, onde ele morava, o que planejavam... liguei para a tal paróquia onde ele mora e tive que inventar uma história de que iria dar carona para vocês na volta para me passarem esse endereço. Francamente, Marisol! O que estava pensando?

Comecei a entrar em pânico.

- Como...? – Perguntei. - Onde está o Eugênio?

Minha mãe riu com maldade.

- Não interessa como eu descobri. E o seu "namorado" foi embora! Te largou e nem se deu ao trabalho de avisar. Quando cheguei, a casa estava aberta!

- Isso não é verdade! – Respondi, incrédula. - Ele nunca faria isso comigo!

Passei por ela e comecei a andar pela casa, olhando em todos os cômodos. Estavam vazios.

- Desista! Ele não está aqui. – Mamãe disse, ainda colocando minhas coisas apressadamente na minha mochila. - Só queria se aproveitar de você. Vivo te alertando para esse tipo de situação, mas você é sonhadora demais para me obedecer! Aposto que dormiram juntos, não foi?

- NÃO! – Disse, me dando conta do volume da minha voz e abaixando o tom para não acordar os vizinhos. – Nós não fizemos coisa alguma!

E era verdade. Eu tinha ficado no quarto da tia da Cíntia durante todo o tempo e o Eugênio estava dormindo no sofá da sala e mesmo assim, não fizemos nada com que ela pudesse se preocupar. Só não conseguia entender o que tinha acontecido com ele.

Tinha algo errado.

Minha mãe me deu um puxão pelo cabelo que fez meus olhos arderem e saiu me arrastando pelos fios até a porta.

- Espere, me deixe pelo menos trancar tudo! – Supliquei à ela. O Rafa e a Helena tinha confiado em nós, não podia sair da casa deles assim.

- Não demore! - Ela falou descendo as escadas, ainda com minha mochila nas mãos.

Corri para escrever um bilhete, me desculpando e agradecendo por tudo e deixei pregado na geladeira. Tranquei a porta e entreguei a chave ao porteiro do prédio, me perguntando como mamãe tinha entrado, de que maneira havia me achado... Ela estava sozinha com o carro da Hebe, com quem tinha pegado carona para a viagem. Abriu a porta de trás e me empurrou com força para dentro.

☀ ☀ ☀ 

A viagem toda foi um borrão e eu estava chorando tanto que uma hora acabei pegando no sono. Quando chegamos em casa, peguei um pacote de biscoitos na cozinha, pois não tinha comido nada desde a noite anterior e subi para o meu quarto. Foi quando notei algo diferente.

- Onde está o meu computador? – Falei, olhando para a mesa de estudos vazia.

- Está confiscado até o final das suas férias.  – Minha mãe disse atrás de mim.

Não!

- Mãe, ele é a única coisa que me faz companhia! – Implorei, enquanto ela me encarava, seca. - A senhora não pode fazer isso, por favor...

- Pensasse nisso antes de fazer besteira, pois sei muito bem que estava o usando para conversar com aquele moleque! – Ela respondeu, antes de ir para o próprio quarto e bater a porta, me deixando sozinha no corredor.

Eu tinha esperanças de escrever para o Eugênio assim que chegasse para perguntar o que tinha acontecido...

Não queria que minha mãe estivesse certa. Sei que posso ter uma cabeça criativa, mas não podia ter imaginado tudo o que havia acontecido nas últimas semanas! Entrei em meu quarto e olhei pela janela, enquanto abraçava uma almofada, tentando pensar em como tudo seria dali em diante, mas naquele momento, não conseguia. 

Só sabia que não queria ficar sozinha outra vez.

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