TRÊS

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- Eu quero atualização do seu romance! - Luan falou durante o intervalo, quando tentávamos fazer malabarismo na fila da cantina para sairmos dela sem derramar nada. - O que aconteceu entre você e a garota misteriosa?

- Passei meu email para ela e meu número de telefone. - Respondi, depois de engolir um pedaço do meu sanduíche natural. - Na verdade, entreguei pelo portão.

- E aí? - Luan perguntou. Nós nos sentamos em um dos bancos do pátio.

- Ela me agradeceu. - Respondi. - Disse que não tem celular, mas que iria me responder por email.

- Não tem celular? Por quê?

- Não cheguei a perguntar... Mas não é como se todo mundo tivesse. - Dei ombros.

- É, pode ser. - Luan assentiu. - O que mais?

- Nada. - Respondi.

Luan franziu as sobrancelhas.

- Nada?

- Bem, ela tem que me escrever, não é? Se ela não quiser, o que eu posso fazer?

- Mas vocês conversaram sobre mais alguma coisa? - Ele perguntou.

- Não é como se eu pudesse ficar entrando na casa dela e ficar lá por horas! - Levantei as mãos cheias de lanche. - Você sabe como vizinhos podem ser fofoqueiros...

- Ah, relaxa! - Luan respondeu. - Daqui a pouco vocês se entendem. Quem sabe até vão estar namorando?

Respirei fundo e não disse nada, pois fiquei pensando mais naquele encontro do que imaginava. Tentei ficar mais tranquilo enquanto terminava de comer. Mas o meu momento de graça, como diz o Padre Carlos, foi interditado por um ruído do mundo exterior.

- Não acredito! - Escutei alguém dizer atrás de mim. Não precisava me virar para saber quem era: Cássia. Fiz uma careta. Falando em gente intrometida...

A Cássia me odeia desde sempre. Na verdade, ela parece não gostar de ninguém. O pai dela é delegado, o que faz com que ela ache que possa sair por aí dando ordens para todo mundo como se fosse uma policial adolescente. Parecia que ela tinha me escolhido para tirar sarro.

- O coroinha zé mané arrumou uma namoradinha? - Ela riu puxando Stephanie, a sombra ruiva dela que a seguia por todos os cantos. As duas rodaram o banco, ficando de frente para mim, Cássia me olhando com expressão implicante. - Deixe-me adivinhar: Vocês não podem ficar juntos porque ela está estudando para ser freira?

- O que? Não! - Respondi. - Não que seja da sua conta... Aliás, porque você quer saber, está checando a concorrência para tentar se candidatar?

Ela abriu a boca, indignada.

- Ah, por favor... Não me prestaria a esse papel!

Dei uma risada debochada.

- Bem, para quem diz que não gosta de mim, parece que anda perdendo muito tempo vindo aqui falar comigo...

- Não seja grosseiro. - Ela cruzou os braços. - Tenho meu próprio namorado para me preocupar!

- Não diria que o Valério é o seu namorado... - Comentei, me lembrando do menino magrinho de óculos gigantes que deu azar de desenvolver uma queda pela Cássia. Ela não gostava dele de verdade, mas o cara era um gênio do cálculo! Então ela o mantinha por perto para ter de quem copiar as lições de casa e fazer os trabalhos em dupla.

- O que você quer dizer? - Cássia fez uma expressão presunçosa. - Ele gosta da minha presença!

- Então porque não vai atrás dele? - Perguntei impaciente. Luan mastigava o salgado olhando tudo como se fosse uma partida de tênis. - Não sabia que tinha me inscrito em um curso de ofidioglota para a gente ficar batendo papo!

Cássia me olhou, confusa.

- Não entendi porcaria nenhuma do que você falou... Seu esquisito! - Disse e saiu andando com pressa, deixando Stephanie para trás. Ela olhou Cássia se distanciar pisando duro e voltou a nos encarar.

- Eu gosto da sua companhia. - Stephanie falou para mim, esperançosa.

Deu um sorriso sem graça para ela, enquanto transformava o meu guardanapo em uma bolinha na minha mão.

- Obrigado, Stephanie... Mas não vai rolar.

- Tudo bem. - Respondeu. - Mas se não der certo com essa garota...

Ela deu de ombros e foi embora atrás da amiga.

- Isso não é justo. - Luan disse. - Como é que você faz isso? Todas elas caem aos seus pés!

- Não diria que a Cássia morre de amores por mim. Credo! - Estremeci. - E não é como se eu quisesse sair com todo mundo.

- Se fosse a Marisol você sairia... - Luan zombou.

- Não começa. - Respondi. - Não falei nada quando você tentou chamar a Amanda para sair!

- E ela disse não... - Luan colocou a mão no meu ombro, suspirando dramaticamente. - Minha história com a Amanda parece estar destinada a um final triste. Mas você ainda tem sua chance! Um de nós merece sair dessa vida e se tornar um homem comprometido!

- Confio na sua palavra. - Falei. Luan me olhou com uma expressão de quem parecia muito certo do que estava dizendo.

- Ofidioglota... a Cássia devia mudar o nome dela para Cassiacavél, então! - Ele comentou, fazendo com que eu quase cuspisse o meu suco.

-Você é péssimo! - Respondi bem a tempo de o sinal tocar, indicando o final do intervalo.

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