DEZENOVE

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Eugênio

Quando abri os olhos, percebi que estava em meu quarto, na paróquia. O Padre Carlos me observava sentado em uma cadeira ao lado da cama, com uma expressão ansiosa e zangada no rosto.

- Meu filho, graças ao bom Deus! – Ele fez o sinal da cruz.

Tentei me levantar rápido, mas meu corpo estava todo dolorido e minha cabeça parecia que tinha sido martelada. Senti um gosto ruim na boca.

Padre Carlos colocou a mão no meu braço.

- Eugênio, te encontrei desmaiado e ferido na porta da paróquia! O que aconteceu? Onde está a sua amiga?

Tentei me lembrar.

No meio da noite, o interfone tocou. Como estava dormindo no sofá, acordei com o barulho e fui até o portão, supondo que o Rafa e a tia da Cíntia tinham voltado de viagem mais cedo. Desci até a portaria e encontrei dois carros do outro lado da rua.

Encostados em um deles estavam os gêmeos Gustavo e o Guilherme. Àquela altura, eu tinha até me esquecido da existência daqueles dois. Além deles, havia uma mulher de cabelos escuros e encaracolados, que eu não conhecia.

- Eugênio? – Ela perguntou, se aproximando.

- Sou eu... – Respondi, desconfiado.

- A minha filha está lá em cima, não está?

A realização bateu de repente. Eu não disse nada, mas a minha expressão assustada me entregou e quando ela se aproximou até estar bem perto do meu rosto, percebi porque Marisol era uma garota tão amedrontada.

- Preste muita atenção ao que vou dizer agora. – Disse me olhando nos olhos. – Você vai desaparecer. Não quero que veja a minha filha. Se eu descobrir que os dois voltaram a se encontrar, a se comunicar de alguma forma, não vai ser você quem vai sofrer. Entendeu?

Senti meus olhos pinicarem ao me dar conta do que ela queria dizer e que o que eu mais temia estava ocorrendo naquele momento. Me senti tão idiota! Ignorando todos aqueles alertas... Sabia que isso poderia acontecer e mesmo assim ainda sonhei com a possibilidade de que talvez as coisas pudessem dar certo...

- Por favor, não faça nada com ela! – Pedi. - Desconte tudo em mim, mas não faça nada com ela!

- Não vou fazer. – Ela respondeu, fria. – Desde que você colabore.

Esticou o braço para mim e coloquei as chaves na mão dela, em silêncio. Ela verificou o número do apartamento no chaveiro, embora já soubesse onde estávamos e olhou para os dois meninos.

- Deem um susto no garoto e o levem daqui. Vou buscar a minha filha.

Os gêmeos me encararam e senti que a surra da qual fugi no começo, iria vir com tudo naquele instante.

O padre esperava com apreensão, enquanto todas as lembranças voltavam. Comecei a tremer e quando percebi estava soluçando. Ele me abraçou e enterrei a cabeça nos ombros dele. 

– Chame a polícia, por favor... – Supliquei. – Por favor, padre, eu preciso ajudar ela...

Não me lembrava de quanto tinha sido a última vez em que havia chorado no colo de alguém. Depois de um tempo, enquanto tentava me tranquilizar, Padre Carlos perguntou, novamente:

- Pode me explicar o quem fez isso com você e o porquê? Seus amigos ligaram para a paróquia te procurando hoje cedo e disseram que era urgente... Retorne para eles, coma algo. Vamos cuidar desses machucados e depois iremos tomar as providências necessárias. Não quero que me esconda nada, está ouvindo?

Assenti e enxuguei o rosto, olhando ao redor. Minha mochila não estava lá, provavelmente tinha ficado para trás, escondida em algum canto do apartamento. Não entendi porque tinha ficado desmaiado durante todo o tempo, mas não me surpreenderia se tivessem me dado algo para dormir. Coloquei a mão no bolso, procurando pelo celular, que deve ter estado fora de área durante o trajeto e ainda estava no silencioso. Franzi a testa.

QUINZE CHAMADAS PERDIDAS? Ligações da Cíntia, Luan e até do Rafa.

Retornei para a Cíntia e ela atendeu imediatamente.

- MEU DEUS, EUGÊNIO, O QUE ACONTECEU COM VOCÊ? – Ela falou alto. – Todo mundo está maluco te procurando, ligamos na paróquia e disseram que você estava machucado! Está tudo bem?

Suspirei fundo.

- Você não sabe o que aconteceu...

- Você não sabe o que aconteceu! – Ela respondeu. – É melhor se preparar para ouvir o que tenho para te contar...

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