3º: OLHANDO DEMAIS PARA O ABISMO.

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Sem saber como reagiria a um segundo encontro com Teseu, me lancei a pista. Tentando compreender suas atitudes enquanto corro. Por mais que odeie pensar, o garoto me fascina mais e mais depois de todo encontro. Fascínio que corrói os mais sensatos dos meus pensamentos e os põe abaixo com facilidade.

Após vários metros percorridos, a noite já começa cair e eu não espero mais por sua companhia. No mais, é outro de seus truques para me fazer ficar pensando nas razões de fazer isso.

Ou estou ficando apenas neurótica pela força que exerce sobre mim. Poder que me atrai, mas queria que repulsasse para longe, em uma tentativa desesperada de manter a integridade que tanto preso, junto a minha fidelidade.

Cheguei suada e cansada me deparando com um celular com algumas ligações perdidas e uma mensagem.

Meu marido avisando que ficaria fora toda a noite — provavelmente — e que não o esperasse para jantar. Não é a primeira, certamente não será a última vez que passa a noite fora de casa, é sempre na mesma data de cada mês. A empresa onde trabalha, toda sexta-feira do mês faz essa "pequena" reunião entre os funcionários no seu andar.

Ocorre em todos os andaras, lhe calhou então de ficar com a sexta à noite.

Queria ter acreditado plenamente todas as vezes que me avisou. Certa noite, lá pelo quarto ou quinto encontro, o segui para confirmar com meus próprios olhos. Admito ter me sentindo um tanto tola quando o vi se reunir com os amigos de trabalho, que volta e meia apareciam em casa para jogos de poker ou qualquer coisa do tipo.

Troquei de canal entre um filme e outro durante algumas horas após um longo e revigorante banho, antes de ir a cama. Me servi de mais uma taça de vinho e escrevi um pouco ao som de Elliot Smith, Between the Bars, letra que me amedronta em sua primeira estrofe: "Beba, querida, fique acordada a noite toda. Com as coisas que você poderia fazer, não vai, mas poderia. O potencial que será e nunca verá. As promessas que você apenas fará...". As frases pertinentes à frente não me aquietam, pelo contrário, aterrorizam-me ainda mais.

Termina a música e todas as outras com ela em minha playlist parecem me cuspir uma verdade não pensada na face.

Antes de adormecer ouvi um pequeno toque na janela e ignorei pensando ser algum inseto, mas então de novo e de novo.

De cortinas abertas logo vi a figura acima, bem além do baixo muro. No segundo andar — alinhado com o meu — na janela do outro lado. Teseu com algumas pedras pequeninas, provavelmente tiradas de algum dos vários jardins espalhados pelo condomínio. Abri o vido e o cumprimentei.

— Você tem uma coluna na Folha? — indagou.

— Uma quinzenal. Como descobriu?

— Pesquisando seu nome na internet. Me perdoe não poder ir a nossa corrida pela tarde.

— Tudo bem, eram só alguns passos, afinal. — Sorri disfarçando um pouco da frustração.

— Você realmente ficou aborrecida — disse me surpreendo. Continuou. — Eu sorrio igual quando alguém me irrita e não quero demonstrar. Prometo que vou compensá-la, Eva.

— Não precisa, mas fico feliz que esteja bem. Pensei que poderia ter acontecido algo.

— O coração não espera pelo momento certo, apenas age de acordo a necessidade do momento. O meu... rugiu ansioso quando foi requisitado.

— De onde veio isso? — indaguei com um sorriso para o belo verso.

— De mim, ora — reclamou divertidamente. — Minha namorada me chamou. E quando vocês mulheres desejam atenção de um homem, coitado do infeliz que recusar.

Eva O Fruto do Pecado (Finalizada)Onde histórias criam vida. Descubra agora