Dominic
Greta estava morta.
O seu corpo foi retirado do rio do lobo esta manhã. Um morador a encontrou. Ele estava levando os seus filhos para a escola e sempre passava perto do rio. Notou algo estranho por entre as águas e se aproximou. Era Greta. Morta. Seu corpo nu boiando nas águas geladas. Sua pele negra arroxeada. Sinais de violência. Marcas em sua pele denunciavam luta corporal. Greta foi estuprada. Sua vagina estava mutilada devido a brutalidade de sua morte. Seus olhos estavam abertos. Escancarados e cheios de medo. Era como se Greta tivesse visto o próprio diabo antes de sua luz se apagar para sempre.
Todos os jornais falavam sobre Greta. A televisão. As mídias sociais. Greta Albuquerque, militante assídua no movimento negro foi brutalmente assassinada em Piropó. Quem matou, Greta? Uma caça se instalou. Uma lista imensa de suspeitos foi feita. Todos opinavam. Mas todos sabiam. Todos diziam que queriam o assassino de Greta na cadeia, mas todos sabiam que isso nunca ia acontecer. Greta foi morta pelo governo. Foi morta pelo sistema. Foi morta pela nova ditadura que se alastrava suavemente pelo país. De maneira tão leve que pouquíssimas pessoas percebiam.
O preço da comida aumentava. A gasolina era absurda. Crise política. Trocas e mais trocas de cargos públicos. Direitos sendo tirados. Censura voltava a assombrar os principais meios de comunicação. Tensões políticas entre outros países e nós no meio. Uma guerra prestes a estourar. E o que estávamos fazendo? Memes. Fazíamos memes na internet. Ríamos do país. Fazíamos piadas sobre isso. Mas não fazíamos manifestações. Não íamos para a rua lutar pelos nossos direitos. E as poucas pessoas que estavam fazendo isso, como Greta, apareciam mortas ou sumiam sem deixar vestígios. Em pleno, 2020 estávamos voltando ao passado. Um retrocesso enorme.
Eu também não me importava com esses fatos. Eu ria dos memes. Ignorava as manchetes sobre políticas e lutas sociais do meu país. Greta sempre me dizia que eu era desligado e que eu devia me importar mais. Que eu devia me envolver mais. Reclamava da minha pouca participação e brigava comigo. Ela sempre falava que eu era privilegiado e que, portanto, nunca me preocupara com os direitos básicos de um ser humano, porque eu sempre tivera tudo.
— Dominic — ela disse para mim um ano antes de morrer. — Não posso mais ficar com você. Somos tão diferentes. Queremos coisas diferentes. Você... você é impossível, Dominc.
— Impossível? — Arqueei as sobrancelhas. — Eu fiz tudo por você. Te pedi em casamento e você disse que não estava pronta. Tudo bem. Eu aceitei. Mas sempre deixei claro que queria constituir uma família com você.
Eu nunca entendi Greta. Ela era um mistério. Eu a conhecia desde criança, e eu nunca consegui decifrá-la. Nunca sabia o que se passava em sua cabeça. O que ela pensava. O que ela queria. Se ela me amava.
— Não quero me casar com você, Dominic — ela falou com o rosto sério. — Não posso constituir família. Não em uma situação como essa. Além disso, você não compartilha dos mesmos ideais que eu.
— Compartilho sim — eu retruquei. — Eu sempre te apoiei nas suas manifestações. Nas suas causas. Eu sempre estive do seu lado.
— Não de coração. Você sempre esteve lá, mas nunca porque você queria estar lá.
Aquilo doeu. Eu não sabia se ela tinha razão. Fiquei furioso e me convenci de que ela se arrependeria. De que na manhã seguinte me procuraria e que nós faríamos as pazes e transaríamos na minha cama do dormitório da faculdade como sempre fazíamos. Mas isso não aconteceu. Greta continuou sendo Greta. Sempre muito educada comigo. E nada mais. Eu percebi que ela tinha razão quando infelizmente ela não estava mais do meu lado. Estava morta.
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Estrelas de Papel (Disponível na amazon)
Fantasy1970. Ditadura militar. Sofia é mandada para um colégio interno no interior de São Paulo. Triste por ter sido separada da família, a jovem de 17 anos se vê desamparada em um colégio extremamente autoritário. Entretanto, o que mais intriga Sofi...