— Carlos, você não tem escolha. Eles estão atrás de você, ontem na igreja tinha um homem de olho em nós, acho que ele é um agente do dops.
— Eu não posso Clara. Vou viajar assim eles vão deixar você em paz.
— Carlos, você tem que sair do país. Eles vão te matar se você continuar aqui. Eles já descobriram o seu nome verdadeiro, já sabem quem você é, não é só você quem corre perigo.
Naquela noite — antes da noite do ano novo — fiquei confusa ao ouvir essa conversa dos meus pais. Ouvi gritos no quarto deles e me dirigi até lá na pont— Você tem que ir! — A voz da minha mãe estava alterada, o som agudo e a preocupação eram evidentes em cada sílaba pronunciada.
— Não posso, Clara — meu pai falou tranquilamente. — Eu tenho que ficar. Marighella está morto, e agora mais do que nunca nós devemos lutar contra a ditadura. Eu devia ter ido embora quando entrei na luta armada, mas não consigo ficar longe de você, longe da Sofia.
— Mais um motivo pra você ficar. Se você ainda sente alguma coisa por mim e pela sua filha faça o que eu estou te pedindo. — Ela continuava gritando. — Já conversei com o meu pai, ele disse que se você sair do país nada acontecerá com você. Podemos ir para Paris. Sofia vai amar. Ela sempre quis estudar música e a Europa é o lugar perfeito para isso.
— Não posso largar os meus amigos, a minha causa, as coisas que eu acredito e ir passar férias em Paris.
a dos pés. A porta estava entreaberta e eu vi quando o meu pai colocava algumas roupas dentro de uma mala.
— Carlos, por favor — minha mãe implorou, mas ele continuou resistente.
— Não posso Clara. Não posso deixar o meu país. Você não pensa no que o Brasil pode se tornar? Nas coisas grandiosas que poderíamos fazer. Nas mudanças que poderiam acontecer. Você sabia que os filhos da Maria pararam de estudar pra ir trabalhar? Você acha justo irmos embora para Paris enquanto pessoas passam fome e vivem em completa miséria?
— Carlos, nós não podemos fazer nada sobre isso. Você não é um super-herói. E os militares não vão te deixar vivo se você continuar aqui. Você quer que a nossa filha cresça sem pai?
— A Sofia já é uma moça.
— A Sofia precisa de um pai! — ela gritou exacerbada. — E eu preciso do meu marido!
A voz da minha mãe se calou e eu pude espionar seu rosto pelo pequeno espaço aberto, ela caiu em lágrimas de joelho no chão.
— Clara... Eu fiz tudo o que eu podia, até usei um nome falso. Menti, não contei pra ninguém do grupo sobre vocês, corri riscos vindo visita-la. Eu fiz tudo o que pude para protegê-la. Eu amo a Sofia, um dia ela vai entender o porquê disso tudo.
— Carlos... Por favor! Por que você se envolveu com isso? Por quê? Quem vai proteger você agora? Cadê os seus amiguinhos? Cadê eles?
Minha mãe ainda chorava e sua voz era aguda e fraca.
— Eu vou para o sul, vou ficar escondido no interior, ninguém vai me achar — meu pai falou tentando tranquiliza-la.
Eu vi quando a minha mãe se levantou um pouco zonza vestida na sua camisola de seda preta, ela estava desolada com o rosto transfigurado, aos prantos. Ela olhou para ele com um olhar frio e cerrou o punho e lhe deu uma bofetada que pelo som parecia ter sido bem dolorida. O rosto do meu pai girou e ele cambaleou e sacudiu seu corpo para trás. Imediatamente ele colocou a mão no rosto que agora estava em chamas e que mesmo com o vazio da noite era possível enxergar o vermelhão provocado pelo tapa da minha mãe.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Estrelas de Papel (Disponível na amazon)
Fantasy1970. Ditadura militar. Sofia é mandada para um colégio interno no interior de São Paulo. Triste por ter sido separada da família, a jovem de 17 anos se vê desamparada em um colégio extremamente autoritário. Entretanto, o que mais intriga Sofi...