Dominic
A leitura fez eu esquecer um pouco a tristeza que se deitava em meu peito. Fiquei interessado. Ansiava descobrir mais sobre o autor daquelas cartas, porém o pouco material limitava a minha pesquisa. Só sabia que elas eram antigas e que eram endereçadas a uma mulher chamada Clara. Foram cartas escritas durante o período da ditadura. E aquilo chamou a minha atenção. Greta teria amado. Carlos era exatamente o tipo de homem com quem Greta faria amizade. Eu fechava os olhos e conseguia vislumbrar os dois sentados em uma mesa de bar dividindo uma cerveja e discutindo política com cigarros pendurados em seus lábios. Mas Greta estava morta e eu não sabia se o desconhecido Carlos continuava ou não vivo.
Aprumei-me tentando afastar as memórias de Carlos de mim. E parti para mais um dia normal na graduação. Mas não consegui prestar atenção nas aulas da manhã. Físico Química experimental era a desgraça da minha vida e Cálculo II era como estar no inferno. Fiquei a manhã inteira disperso olhando para a janela observando a chuva graúda cair pelo campus. Um pequeno detalhe na carteira chamou minha atenção. Uma letra forçada sobre a madeira. Coisa comum entre alunos entediados.
Sofia esteve aqui.
Observei aquela letra e aquelas palavras que se uniam de uma maneira disforme. Senti-me estranho. Um aperto no coração que de repente começou a bater rápido demais. Sofia. Aquele não era o nome da filha que Carlos mencionou em uma de suas cartas? Levantei apressado ignorando os olhares cheios de pena dos colegas e professores. Desde de a morte de Greta as pessoas me olhavam de uma maneira diferente. Sempre me olharam diferente, por causa do incidente, mas agora estavam piores. Sai da sala e então escutei algo por cima dos ombros:
— Onde você vai? — Jonathan perguntou. Eu ainda não tinha o visto naquela manhã. — Você está bem? Geral tá preocupado com você.
— Tô sim — menti pra ele. — Preciso de um tempo sozinho, ok?
Ele assentiu.
— Pensa na minha proposta, cara. — Ele inclinou a cabeça para o lado e franziu a testa. — Dá uma passada na sala da psicóloga do campus. Vai ser bom pra você.
— Vou pensar — eu disse a ele retomando o meu caminho.
Jonathan hesitou entre ir atrás de mim ou voltar para a sala, mas acabou escolhendo a segunda opção. Ele era meu amigo e o único até agora que de fato se preocupava comigo. Minha mãe também, mas eu ignorei todas as ligações dela. Não podia lidar com ela naquele momento.
Caminhei entre os corredores vazios e escuros da faculdade. Era horário de aula e por isso o campus estava solitário. Olhei para os vitrais acima da minha cabeça, para os anjos assombrados e senti um pesar, um calafrio na espinha. Aquele lugar era mórbido demais. Greta adorava dizer que a faculdade era mal-assombrada. Passava as noites indo em festas no cemitério e na montanha do Homem Mariposa ansiando ver um fantasma, mas o mais próximo que conseguiu foi um resfriado e um sermão de sua mãe quando foi presa por invadir o mausoléu de um dos defuntos.
Segui o conselho de Jonathan e dirige-me a sala da psicóloga do campus. A sala ficava aonde eles chamavam de a antiga casa paroquial quando a faculdade era um internato feminino. Enquanto esperava Andreia me atender abri o Facebook e fiquei bisbilhotando as mensagens que Greta ainda recebia em seu perfil. Milhares de pessoas se lamentavam com a morte dela e postavam fotos ao lado de uma Greta sorridente. Youtubers famosos se revoltaram com o assassinato de Greta e pediam justiça. Várias notícias de portais grandiosos anunciavam detalhes da investigação, mas tudo ainda era muito embrionário, e não se sabia quase nada e também não se tinha uma lista de suspeitos, o que era uma piada, porque para mim era óbvio quem tinha matado Greta. Andreia me chamou despertando-me do mundo caótico que eram as redes sociais. Levantei-me e entrei com ela em seu gabinete. Andreia acenou para que eu me sentasse. Ela era uma mulher muito bonita com cabelos crespos como os de Greta e sua postura de mulher importante. Em cima de sua mesa várias fotos de sua filha pequena e de seu marido.
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Estrelas de Papel (Disponível na amazon)
Fantasy1970. Ditadura militar. Sofia é mandada para um colégio interno no interior de São Paulo. Triste por ter sido separada da família, a jovem de 17 anos se vê desamparada em um colégio extremamente autoritário. Entretanto, o que mais intriga Sofi...