CAPÍTULO TREZE :Calabouço

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Irmã Matilde tinha em seus lábios um sorriso cheio de escárnio. Uma fileira de dentes amarelos se mostrou para mim conforme ela sorria ao ver em meu rosto o meu tormento. Seu rosto era cruel, seus olhos cor de âmbar pareciam chamas crepitando. As maçãs do seu rosto eram angulosas e ossudas. Seus lábios curvados em um sorriso cruel que rasgava a sua face de bruxa. A enorme cruz batendo em seu peito frio e duro pendurada em seu pescoço fino cercado de veias finas que se apertavam para aparecer na pele quase translúcida da freira.

Seus longos dedos ossudos se atrelaram no meu braço. Suas unhas cumpridas e pontiagudas afundaram na minha pele nua não coberta pela camisola branca de seda. Gemi de dor quando senti suas unhas perfurarem lentamente o meu antebraço. Eu lutei. Eu juro. Lutei para manter os meus pés no chão enquanto ela me arrastava pelo cimento frio e áspero. Lutei tentando me desvencilhar de seus braços fortes cravados no meu corpo me puxando para o inferno. Mas foi em vão. Meus gritos suplicando socorro foram abafados pelas paredes de concreto. Um vento cortante beijou o meu corpo me avisando o que me esperava quando a irmã Matilde me arrastou por um corredor escuro. Descemos as escadas e logo a frente uma enorme porta dupla de ferro se estendia. As masmorras.

— Por favor — Eu implorei mais uma vez. — Não me deixe ficar aqui.

— Devia ter pensado nisso antes de aprontar.

Ela deixou a lamparina no chão mantendo a outra mão presa em mim. O lugar era pouco iluminado e cheirava enxofre. Com muita dificuldade ela abriu o cadeado que selava as masmorras. Eu chorava e tremia e tremi mais ainda quando as portas se abriram e rugiram para mim. Eu entraria na cova do leão.

— Não! — Eu gritei tentando me soltar daquela mulher, mas ela me puxou para a boca do inferno onde descemos mais alguns degraus e me jogou a minha própria sorte. Tentei segui-la, mas a irmã Matilde fechou a porta atrás de si e me trancou naquele lugar. Eu gritei e bati na porta durante vários minutos, e então desisti. Eu ficaria ali, ninguém me resgataria.

*

"É melhor eu ficar aqui. Não tem luz lá embaixo". Pensei enquanto me encolhia no pequeno degrau da escada de cimento. Os pelos do meu braço se enriçaram por causa do frio. Meus lábios tremiam e os meus dentes batiam um no outro. Abracei o meu corpo e inclinei as pernas tentando me manter aquecida, eu morreria de hipotermia se continuasse tremendo daquele jeito. A camisola de seda com detalhes de renda no buço era incapaz de aquecer o meu corpo, era como se eu estivesse nua com um pouco de tecido cobrindo-me.

Tentei enxergar algo abaixo das escadas, mas eu não conseguia. Á única luz que eu via era a que estava sobre mim, uma pequena lâmpada acima das escadas logo depois da porta. Irmã Matilde havia sido cruel comigo, me trancara naquele lugar escuro que cheirava esgoto e era terrivelmente frio. Aos poucos a minha pele foi ficando fria, meus lábios rangendo. Fechei os olhos tentando pensar em alguma coisa boa. Puxei em minhas lembranças uma memória agradável do meu pai. Nela ele sorria amavelmente, com as covinhas aparecendo de forma delicada no canto do seu rosto. Ele segurava a minha mão e caminhava comigo pelas areias da praia de Santos apontando para as imensas ondas do mar. O sol sobre nós acariciando gentilmente a minha pele. Tentei absorver aquele calor para o meu corpo e assim me esquentar. As mãos do meu pai apertaram as minhas enquanto ele me girava, rodopiava na beira do mar. Cerrei os olhos tentando manter cada detalhe daquela lembrança viva em mim. Aquecendo-me e me mantendo forte naquele momento sinistro.

Ouvi passos em minha direção. Encolhi-me ainda mais e mantive os meus olhos fechados com medo da possível visão. Com medo de abri-los e dar de cara com Monstro. Senti uma mão enluvada se fechar no meu ombro.

— Olhe para mim — a voz imponente de Monstro ordenou.

Mantive os olhos fechados. Quem sabe ele não desistiria de mim?

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