Baixo Purgatório (Amor pervertido)

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Eva, Anna Lea Merritt (1885)

Aqui era o primeiro andar do purgatório, como Kim Lip havia me explicado no final do meu julgamento. Olivia e Choerry desceram pro inferno – sem nem se despedirem, o que eu acharia falta de educação, mas considerando que se tratava de Diabo e um Demônio, não sei se da pra esperar outra coisa. Yves, por sua vez, subiu a escadaria vermelha e eu fiquei sozinha com a loira. Ela me explicava tudo de forma bem didática enquanto na minha cabeça tudo que eu pensava era em como poderia apelar a decisão do meu pós-morte. Sim eu sei termos jurídicos, sou formada em 21 temporadas de Law & Order... Não, espera, eu não tinha terminado a vigésima primeira temporada, isso quer dizer que eu nunca mais vou ver Olivia Benson novamente? Droga! Eu espero mesmo que no céu eu possa voltar a fazer a maratona ou talvez eu possa criar uma história diferente pro seriado. Mas, voltando ao assunto, mesmo entendendo apenas da advocacia ficcional, ainda acho muito injusto meu julgamento ter sido feito pelas pecadoras originais. Porém, eu estou começando a ficar sem opções.

- Aqui embaixo é meio pesado ainda, tipo tem gente que tem que lidar com problemas de raiva e sempre tem umas brigas bem feias, é geralmente onde ficam os homens heteros de masculinidade frágil, eu gosto de assistir as vezes, tem algo em ver homens apanhando que me faz sentir bem...

-Bacana, bacana – Eu disse a cortando, sem realmente prestar atenção no que ela dizia. Ela me olhou sorrindo, como se eu tivesse concordado com ela. Eu olhei em volta, tudo ali era vermelho, de diferentes tons. Parecia como o interior de um prédio mesmo, com corredores e salas. Em algumas delas estava escrito alguns nomes de pecados, como "Inveja", "orgulho" "ira". E tinha uma quantidade muito grande de homens entrando e saindo delas, alguns tinham cabelo e barba extremamente alinhados, parecendo aqueles caras que gostam de cerveja artesanal. Ok, aqui definitivamente é purgatório. Resolvo voltar a prestar atenção no meu problema. – Kim Lip, pode me dizer uma coisa?

-Claro, eu estou aqui pra te guiar, vou estar disponível durante toda sua jornada. – Ela parece forçar uma hospitalidade. É porque ela é um demônio promovido ou eu já estou a incomodando?

-Você fica sempre disponível?

-Sim, para todos no purgatório.

-E se outra pessoa precisar de ajuda?

-Geralmente os humanos só precisam de ajuda nos primeiros dias, depois eles preferem trabalhar seus arrependimentos e pecados sozinhos. – Apenas concordo com a cabeça. – Essa era sua dúvida, podemos continuar?

-Ah, não, não era não. – Kim me olha com a sobrancelha erguida, algo me diz que a paciência dela comigo está sendo esgotada. – Onde a Yves fica? Você pode chama-la? – Ela ergue as duas sobrancelhas.

-O que você quer com a chefe novamente? Tenho certeza que eu posso resolver qualquer problema... – A loira começa, mas eu a interrompo.

-Esse não. – Ela parece irritada por ter sido interrompida. – Ela é a única que pode me ajudar a sair daqui.

-Como é?

-Olha, eu to feliz de não estar sendo torturada no inferno... – Enquanto eu faço uma pausa, ela respira fundo e sussurra soltando o ar "To começando a achar que eu estou sendo torturada". – Mas ainda é injusto eu não estar no céu.

-Éden. – Ela me corrige.

-Que seja. – Digo sacudindo minha mão. – A questão é que eu preciso conversar com Yves, fazer ela entender meu ponto de vista e não só me julgar pelos dados da minha vida e dizer que eu preciso trabalhar meus pecados. Deus cometeu um erro e não é justo eu pagar por ele.

-Disse qualquer humano. – Ela revirou os olhos. – Mas pela primeira esse argumento está correto, geralmente humanos erram e culpam divindades, mas o único dever do cara lá de cima ultimamente é julgar os humanos no pós-morte e se ele não consegue nem fazer isso...

-E também, se você chama a Yves e ela me ajuda, você se livra de mim. – Dei meu melhor sorriso pra ela, ela acenou mais rápido do que eu esperava e concordou entusiasmada. Ok, essa magoou.

-Certo, eu vou chamar a Yves novamente. Ela fica no alto purgatório. – Ela foi até um telefone grudado na parede e antes de colocar o aparelho no ouvido ela disse: - Vamos torcer pra ela estar de bom humor e não reclamar por eu chamar ela duas vezes num período de tempo tão curto.

...

Yves não estava de bom humor. Quando ela desceu a escada e me viu mais uma vez eu podia jurar que vi seus olhos pegando fogo. E não tipo de tesão, era literalmente fogo, como se ela estivesse muito irritada e explodindo. Aparentemente eu causo muita irritação em seres divinos, tanto quanto humanos. E ainda assim ela havia aceitado uma reunião comigo. Uma daquelas salas onde não tinha um nome de pecado funcionava com o escritório da Kim Lip e agora estávamos nós três no pequeno retângulo que parecia um escritório normal. Até as cores normais, mesa, arquivo, folhas, ali dentro nada era vermelho. O que me fazia questionar como era dentro das outras salas.

Yves se sentou na cadeira grande, eu estava sentada na outra, de frente pra ela, com uma mesa entre nós e a loira estava na porta.

-Você pode ir Kim Lip, me deixe a sós com a humana. – Aquela voz que era tão bonita parecia irritada. Era bom que ela estivesse irritada comigo, assim eu não me distraia pelo crush enorme que eu tinha pela pecadora original. Ok, talvez ver ela irritada me dava aquela sensação estranha de "gosto de apanhar de mulher bonita", mas eu estava tentando colocar o pensamento de lado, ainda mais porque o motivo de sua irritação era eu.

-Agora eu sou expulsa do meu próprio escritório. – Kim resmungou antes de sair.

-Então, Kim Jiwoo, porque você me chamou, de novo? – Ela entrelaçou os dedos da mão, os colocando em cima da mesa, tentando manter um tom calmo.

-Eu... – minha garganta estava seca, então a cocei. – Eu não acho justo eu ter que pagar por um erro de Deus, ninguém tem certeza que esse é o lugar onde eu deveria estar.

Ela respirou fundo, sentou-se para trás na cadeira, se esticando.

-Olha Jiwoo, o que aconteceu com você, não é comum, mas não é a primeira vez. – Parece se acalmar. – Você é lésbica, certo?

De repente meu mundo desmorona. Eu não era lésbica, mas bissexual e mesmo assim, em nenhum momento tinha passado pelo minha cabeça que minha sexualidade podia ser o que estava me segurando no purgatório, eu me negava a aceitar que homofobicos estivessem certos sobre isso. Yves parece notar meu choque e desespero.

-Nossa, não é isso que você tá pensando, sua sexualidade não é um pecado, isso não define em nada o quão boa ou má você é, nem serve pra medir suas ações. – Respiro aliviada. – É que... você já deve ter ouvido milhares de vezes que eu fui criada para ser a mulher de adão, certo? – Aceno. – Então, só que isso nunca deu certo porque eu me apaixonei pela ex-mulher do cara.

-Lilith. – Eu completo, assustada em como eu nunca tinha ouvido aquela versão da história, mas ainda parecia fazer sentido. Vejo tristeza no olhar dela ao ouvir o nome da outra. A pesquisadora em mim quer fazer mais perguntas, mas não poderia forçar mais dor a ela.

-É, ela mesma. Mas enfim, a questão é que eu não sou como ela, sabe, interesse em homens e mulheres, eu sou lésbica. – Ela olha pra cima. – E meu "pai" sabe disso. E as vezes, por razões que eu desconheço, ele escolhe uma humana e a deixa na porta do purgatório, assim eu sou obrigada a descer e a conhecer ela.

-Quer dizer que Deus está tentando arrumar uma namorada nova pra você? Pra você superar a ex? – Tudo que sai da minha boca parece tão doido quanto eu estava pensando que era.

-Precisamente, sim. – Ela respira fundo. – Eu sinto muito que você esteja envolvida nisso, Deus não é o melhor nessa coisa paternal, ele faz muita coisa errada.

Tudo que ela dizia não fazia mais sentido pra mim, enquanto eu olhava para os lábios dela se mexendo, eu não escutava mais nenhuma palavra. Quer dizer que eu estava no purgatório para ser a nova namorada de Yves?

Fallen (Chuuves)Onde histórias criam vida. Descubra agora