Circe Invidiosa, John William Waterhouse, 1892
-Você tem certeza que não quer fazer uma pausa? – Foi o que Yves tinha me perguntado assim que eu pedi para entrar na próxima porta vermelha. "Inveja" estava escrito nela e quando a mais alta havia me dado a dica, eu pensei comigo mesmo "eu aguento". A verdade é que ter passado pela experiencia de ver minha mãe e de a perdoar, superando meu orgulho, era uma experiencia empoderadora. Eu sentia que nada mais que eu tivesse que enfrentar a partir de agora seria tão difícil. "Existem muitos tipos de inveja, geralmente é sobre querer o que outra pessoa tem, gerando um sentimento de angústia ou até mesmo raiva.", fora o que a ela me disse sobre minha futura fase. Sim, eu estava encarando minha passagem pelo purgatório como um jogo de videogame.
De qualquer forma, esse quarto deveria ser mais fácil, não era um segredo pra ninguém que cobiça era um pecado. Seja lá o que me esperava do outro lado da porta a resposta me pareceu obvia: Eu não deveria desejar o que era de outra pessoa, fim de história. Então olhei para Yves impaciente e disse:
-Pode mandar, eu aguento. – Ela levantou a sobrancelha pra mim, parecendo se duvidar, ainda manteve a porta fechada. – É sério Yves, eu não preciso de pausa. Não gosto de deixar as coisas pela metade, começamos a fazer essa jornada, e agora eu só paro quando terminarmos. – Continuou me olhando, parecendo me estudar. Aparentemente seres divinos não me compreendem mesmo. Soltou a respiração um tanto exasperada quando viu que eu não ia mudar de ideia.
-Humanos não aprendem com os erros, é incrível. – Seu tom era mal-humorado, mas ela abriu a porta. Eu até perguntaria o que ela queria dizer com aquilo, mas minha prioridade era entrar na sala e descobrir meu próximo obstáculo.
E assim que entrei eu fui transportada para outro local. Não era só uma diferença espacial, era também temporal. Era frio, cinza, mas ainda bonito. Logo reconheci onde estava, não porque já tivesse vindo aqui, mas porque havia lido muito sobre (já estabelecemos que isso resume minha vida, certo?). Respirei fundo, tentando absorver o ambiente, e então tossi por causa do vapor escuro que saía das grandes chaminés das fabricas. Nada como Londres a todo vapor, literalmente, em plena revolução industrial. Olhei para os lados, observando as pessoas na rua, indo e vindo com vestes longas e grossas. Olhei para as minhas próprias roupas e eu parecia de acordo com a época. Eu estava de espartilho? Não podia acreditar, era uma experiencia pós-morte, mas ainda parecia tão real. Corri até uma banca de jornal para conferir se minhas suspeitas estavam corretas. Peguei um London Gazette, dei um pulo e um gritinho ao ler a primeira página. Alguns britânicos que passavam por mim me olharam esquisito, e eu não podia me importava menos.
Eu estava na Inglaterra, e não era qualquer Inglaterra, era aquela que eu só via nos meus sonhos, ou melhor, nos livros e documentos que eu cuidadosamente trabalhei durante toda minha vida. 1815. Dois anos depois de Jane Austen publicar Orgulho e Preconceito e um ano antes de Mary Shelly escrever Frankenstein.
-Não esqueça porque você está aqui. – Escutei a voz de Yves e dei um pulo. Isso, eu estava aqui para me livrar da inveja, não para ficar dando uma de fangirl... mas você consegue imaginar o que é estudar toda a sua vida as obras dessas mulheres e ter a possibilidade de conhecer elas pessoalmente? Será que elas estão aqui? Levantando meu rosto eu procurei e foi assim que eu vi os cachos escuros, olhos castanhos, pele clara...
-Ai meu Deus é Jane Austen! – Eu gritei colocando a mão no meu coração que batia muito rápido.
-Jiwoo, se concentra! – Escutei mais uma vez minha guia do purgatório. – Eu sabia que você não tava preparada. – Nós havíamos conversado brevemente sobre como ela não podia ficar intervendo durante minhas passagens nos quartos, pois a alma só se purifica a partir de experiências próprias, não podia ter alguém me dizendo o que fazer para me livrar dos meus pecados, então ela ter falado duas vezes comigo em um curto período de tempo, eu devia estar bem longe de descobrir como sair daqui.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Fallen (Chuuves)
Fanfiction- Finalizada! - Kim Jiwoo é uma jovem que tem sua morte muito cedo, mas esse seria apenas o começo de sua história. Logo ela descobre que sim, há vida pós morte. Não é bem como ela imaginou, mas existem três lugares possiveis. E ela não foi parar no...