Preguiça

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                Abraham Bloemaert, Parábola do Trigo e da Tarra, 1624. O diabo semeia ervas daninhas no campo enquanto os preguiçosos camponeses dormem.

-Ok, isso só pode ser brincadeira! – Disse rindo sem humor enquanto eu lia "Preguiça" no nome da porta que estava na minha frente.

-O que foi? – Yves perguntou e eu dei uma olhada pra ela, logo atrás de mim, digo muito atrás de mim, muito perto, os lábios cheios e vermelhos bem próximos do meu ombro. Pega de surpresa pela proximidade, me virei pra frente rapidamente e tentei me concentrar no meu argumento.

-Eu literalmente morri de exaustão, como eu posso ter problemas com Preguiça?

-Bom, a fama é que universitários são definidos pela procrastinação. – Ela respondeu e eu arregalei meus olhos, me lembrando de todos os trabalhos que eu deixei pra última hora porque eu estava lendo romance adulto por diversão. Sim, você já devia ter imaginado que até mesmo minha diversão envolveria leitura. Mas eu juro, meus romances água-com-açúcar não eram nada feministas, bastante clichês e hetero, ou seja, pra mim é equivalente a jogar online, assistir vídeos no youtube e ficar em redes sociais. – Eu tô brincando. – Ela riu de mim e eu a olhei de soslaio mais uma vez. – Bom, existem outros modos de enxergar a preguiça. É importante ser prestativo para as pessoas, cuidar de si mesma também, sair de casa, essas coisas também se relacionam com a preguiça. – Parei pra pensar sobre isso, ok, agora eu definitivamente podia pensar em alguns cenários da minha vida. – E obviamente, a dica dessa vez é a atividade, não deixe pra depois, não tenha preguiça de viver, ok?

Acenei e engoli em seco antes de abrir a porta. Eu andava me questionando quando minhas ex-namoradas iam aparecer, e esse parecia o momento.

...

Quando abri a porta eu estava em um ginásio escola, certamente era onde fiz meu ensino médio. Não estava pronta pra isso, principalmente para as duas garotas que se aproximaram. Claro, sabendo tudo que eu sabia agora, era ainda mais complicado olhar para Kim Yerim e Lee Joowon. Mexi a cabeça para tentar jogar os pensamentos de lado e me concentrar no que tinha que fazer para passar por esse quarto. Yerim havia sido meu primeiro crush, meu primeiro beijo e teria sido minha primeira namorada se eu não fosse uma tonta na época. Não é como se eu não soubesse se ela sentia o mesmo, eu podia ver o jeito que ela me olhava, a forma como me tratava diferente, aquele sorriso que ela estava me dando naquele momento. Mas eu era meio imbecil, nunca pensei que estava na época certa pra ter um relacionamento, afinal tinha muita coisa em risco. Na época eu não tinha saído do armário pra minha mãe, eu morava com ela e dependia dela, então eu deixei pra depois. Tão depois que foi tarde demais, Yerim encontrou outra pessoa quando entrou pra faculdade e eu esperava que ela estivesse a fazendo feliz agora.

Parecia fácil resolver o problema da preguiça, certo? Tome uma decisão sobre a garota que você tem crush, não deixe pra mais tarde, tenha atitude. Bom, errado. Porque ao lado dela estava Joowon, minha amiga de infância que eu descobri muitos anos depois fora sempre apaixonada por mim. Ok, aos sentimentos de Joo eu era um pouco cega, ou me fazia, eu nunca pensei muito sobre isso. Mas talvez eu estivesse sempre deixando pra depois quando o assunto era a Lee pois sabia que estava me esperando. Não é como se eu não quisesse que ela arrumasse alguém, ou ficasse a iludindo, mas a gente sempre esteve perto uma da outra e nunca tivemos outros relacionamentos duradouros. Na verdade, nos meus 26 anos ela era a segunda pessoa que mais viveu comigo, depois da minha mãe. Também foi a única namorada com quem eu terminei minha vida em bons termos.

Seria então para tomar uma atitude com relação a ela? Nos poupar de todos os relacionamentos ruins no meio e pular para o único saudável de término em bons termos que eu tive na minha vida? Mas aí que está, levou muito tempo para ter meu namoro com Joo, até meus 24 anos, mas eu senti que foi na época certa, se nós nos envolvêssemos antes não acabaríamos bem – foi mutuo, quando eu comecei a escrever meu ultimo livro e passava mais tempo dentro da biblioteca da universidade do que em qualquer outro lugar, e depois nós decidimos voltar a ser amigas. Joowon era uma das poucas pessoas que eu sentia que tinha deixado pra trás.

Fallen (Chuuves)Onde histórias criam vida. Descubra agora