Fallen (Chuuves)

Gula

The glutton 1859 Ludwig Knaus

-Às vezes eu me pergunto se todos demônios são assim metidos na minha vida, ou se são só os anjos caídos porque a gente conviveu junto no Éden e... – Yves começou a falar em uma mistura de divertimento e irritação enquanto entrava no seu escritório, mas logo a expressão mudou, quando ela me viu sentada de frente para sua mesa, com suas anotações em mãos. Ela fechou os olhos, soltou a respiração e parecia desapontada, mas não surpresa. Espera, isso é um meme, não é? – Eu devia saber que não podia te deixar sozinha aqui.

-Você não queria que eu lesse suas anotações?

-Não, não queria. – Negou com a cabeça. – E agora eu ter feito você não escutar a conversa que eu tive com as duas pareceu perda de tempo.

-Então vocês estavam conversando sobre isso, Reencarnação? – Ela apenas acenou e eu ainda podia ver aquela expressão, parecia realmente desapontamento. – Você ta chateada comigo?

-Não, é mais comigo mesma. – Riu sem humor. – Eu conheço tudo sobre a sua vida, lembra? Eu li seu arquivo, sei tudo que tem pra saber sobre a vida de Kim Jiwoo e ainda deixei ela numa sala com anotações que eu não queria que ela lesse.

-Acho que depois do pecado original, esse foi seu maior erro. – Disse tentando trazer humor e pareceu funcionar, logo que ela deu uma risadinha e concordou com a cabeça.

-Provavelmente você ta certa. – Começou a andar em minha direção, se escorando na mesa, ao meu lado. Seu corpo estava tão perto e minha cabeça estava na altura de sua barriga. Não que eu fantasiasse sobre sexo em escritórios, mas parecia muito fácil colocar ela sentada sobre a mesa, as coxas de cada lado das minhas orelhas...

-Então, por que suas pesquisas sobre reencarnação deviam ser um grande segredo? – Questiono tentando manter minha mente longe daquele tipo de pensamento.

-Bom... – Ela pega um dos arquivos da mesa, e eu observo o quanto o tecido de seda Borgonha marca seu corpo muito bem, nos lugares certos. – O purgatório é um lugar de passagem, ninguém fica aqui para sempre. – Tento prestar atenção no que ela está falando. – Se você não consegue se libertar dos seus pecados, você pode acabar indo pro Inferno, mas é muito raro. Geralmente quem vem pra cá, passa um tempo e consegue ir pro céu. Humanos aqui sempre conseguem se tornar pessoas melhores. Morrer sempre da uma perspectiva diferente de tudo. E nem são muitas pessoas que vem pra cá, se você quer saber, é tipo uns 39% da humanidade. – Me encarou, seu tom era debochado, mas quando eu não parecia divertida, ela coçou a garganta e voltou a ler. Desculpa se eu não acho graça o fato de que a mulher que eu tenho uma queda gigantesca despreza minha espécie. – 5% da humanidade vai direto pro Éden, principalmente depois que o capitalismo dificulta a ideia de ser uma pessoa. Mas a questão é que... nem todos chamam o purgatório de purgatório e nem todos acreditam em três lugares no pós-morte, certo?

-Sim, se quer saber, quando eu morri eu achei tudo isso aqui muito ocidental. – Digo não conseguindo me conter.

-E é, mas ao mesmo tempo não. – Ela sorriu. – Você sabe, os monoteístas são maioria no mundo, se juntar os cristãos, islã e uma pequena parcela judaica, mas todas essas religiões tem origem no oriente médio. Eles acreditam em conceitos parecidos de céu e inferno, então é fácil entender como funciona. É como se no final das contas cada religião descobriu uma parte da vida após a morte, entende? O que temos aqui é uma mistura de todas religiões. A Coreia, o seu país, tem excepcionalmente, pra um país do leste asiático, um grande número de cristãos.

-Quer dizer que não existe uma religião certa, mas sim todas estão um pouco certas? E um pouco erradas também? – Ela acena. – Caralho... não deixa os crentes ouvir isso em. – Levantei as sobrancelhas e ela riu. E sim, minha família foi criada no catolicismo. Mesmo que eu fosse agnóstica.