Capítulo 1

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"Vais à festa do Josh logo?" Ouço a voz da Ashley atrás de mim enquanto corremos à volta da pista de atletismo da escola. Abrando o ritmo de maneira a ficar lado a lado com ela. 

"Ainda não sei. Tenho treino depois das aulas e ainda não estudei nada" a Ashley para de correr obrigando-me a seguir as ações dela, enquanto tenta recuperar o seu folego a minha passada alarga de modo a voltar à corrida mas ela agarra-me a mão.

"Vá lá Areum, os teus golpes de taekwondo estão ótimo, conseguias fácilmente derrubar o professor se quisesses" ambas olhámos para o professor que apitava constantemnte o apito que tinha na boca de maneira a fazer os alunos correr mais e mais. "O último teste é no próximo tempo, não tens de estudar mais. Férias da páscoa aqui vamos nós, começando por hoje"

Os meus ouvidos zumbiram com o apito do treinador ao meu lado "Jones, Green! Mais duas voltas ao campo. O bate-papo fazem lá fora" 

Os olhos da Ashley automaticamente rolaram antes de fazer um pirete nas costas do treinador, o que me fez rir e puxá-la de maniera a não termos de correr ainda mais.

"Já pensaste na minha proposta?"

"Quando sair do treino mando-te mensagem e digo-te"

"És a melhor!!" A Ashley dá-me um sorriso e começa a correr corredor fora ainda com a mochila aberta. "Às 21.00h estou em tua casa!!!" 

"Eu não disse que sim!"

"Definitivamente vamos àquela festa!"

Peguei no equipamento guardado dentro do meu cacifo antes de passar pela biblioteca. Percorro os livros com a ponta dos meus dedos enquanto tento escolher um que me chame a atenção, acabo por optar por Abaixo de Zero de Bret Easton Ellis, onde o autor descreve a sociedade norte-americana rica e a sua decadência moral, mergulhada em drogas, álcool e perversões sexuais. 

Percorro os corredores até ao ginásio folheando o livro por alto. Passo por adolescentes com as hormonas aos saltos a cada passo que dou e o unico é objetivo é não ser reparada por nenhum. Claro que a equipa de futebol não facilita as coisas, acredito profundamente que não há uma única rapariga que escapem àqueles olhos. Passo por eles imersa no livro e evitando todo e qualquer contacto visual. 

"Hey, Areum. Que tal aplicares-me um Tora Furyo Tchagui??"

Simplesmete finjo que não oiço, porém o simples facto de saberem dizer um termo corretamente deixa-me menos reticente em relação a eles. O balneário feminino está vazio, o que me deixa aliviada, gosto de ter o meu espaço e a minha privacidade. Troco de roupa e começo por um aquecimento, seguido de um treino de flexibilidade. 

Duas horas passam e eu não dou conta, o Taekwondo é o meu refugio sem dúvida. Toda a intensidade, explosão e alivio que este desporto me permite sentir é ótimo e não poderia estar mais agradecida ao meu padastro por me ter introduzido a esta arte marcial. 

"Hey" dou um beijo na bochecha da minha mãe assim que entro no carro. Havia qualquer coisa diferente nela, parecia feliz e nervosa ao mesmo tempo. 

"Então? Como correu o teu dia?"

"O mesmo do costume. E o teu?" 

"Foi um dia dificil, muito trabalho" a minha mãe evita o contacto visual comigo e não sei como reagir a isto. Encosto a minha cabeça ao vidro e adormeço na viagem até casa.

"O Sang já chegou?"

"Não, ele ficou no escritório a tratar de um negócio. Não deve demorar"

A minha mãe entra em casa carregada de sacos com comida e vai diretamente para a cozinha. Descalço-me enquanto me sento no sofá e começo a ler o livro. Devoro páginas e páginas até que o cheiro da comida a ser confecionada chama por mim. A minha mãe tem literalmente um banquete preparado o que me deixa cada vez mais confusa. 

"Precisas de ajuda?" 

"Podes meter a mesa por favor, decora-a bem como tu sabes" a minha mãe deita-me a lingua de fora e continua a mexer o conteudo dentro da panela. O cheiro do kimichi (acelga, repolho, rabanete ou nabo numa conserva apimentada) e do Deung Galbi (costeletas mergulahadas em queijo derretido) dão conta das minhas narinas e fazem a minha barriga roncar. Enquanto meto a mesa vou picando alguma comida sem a minha mãe notar

"Eu vi isso minha menina" salto com a voz do Sang atrás de mim. Está vestido de fato e gravata o que me faz estranhar, não é comum ver o Sang tão be, vestido tendo em conta que ele e a minha mãe gerem um restaurante. 

"Olá. Sang queria-te pedir uma coisa... logo podes me ir buscar à festa do Josh?"

"Grande receção", ele riu de modo a meter-se comigo "posso ir, claro. Vou só dar um beijo à tua mãe e tomar um duche para jantarmos". O Sang dá-me um beijo na testa e desaparece para a cozinha. O meu padrasto e a minha mãe conheceram-se quando eu tinha à volta de dois anos, quando ele emigrou da Coreia do Sul. Os pais dele assim como o seu filho, continuam na coreia e o Sang é um ótimo pai apesar da distancia, sempre que pode viaja lá para estar com eles e faz tud para que nada lhe falte. Desde que me lembro, que sempre o tomei como o homem carinho, honesto e exemplar que ele é, para mim sempre foi e sempre irá ser o meu pai do coração, apesar de ser chatinho às vezes e de involuntáriamente me ter obrigado a falar coreano eu adoro-o. 

O jantar é animado como sempre, não há tristezas nesta casa, assim como não há tempos mortos. A minha mãe continua a parecer nervosa, mas o orgulho da refeição que preparou transborda por ela fora. O Sang dá-lhe a mão e ela sorri-he antes de ambos olharem para mim.

"O que é que eu fiz?" Eu disse com a boca cheia de arroz enquanto dois pares de olhos me fixavam seriamente. A minha mãe parecia que ia desmaiar a qualquer momento, o Sang tinha um sorriso na cara que quase é possivel ver-se da lua, e eu estou a dar em doida com estes dois.

"Areum, hoje passei o dia em reuniões e fui promovido. Tive uma oferta de trabalho irrecusavél"

Levantei-me imediatamente e abracei o meu padrasto, "PARABÉNS! Oh meu deus, isso é fantástico!!" ele sorriu-me assim como a minha mãe, que apesar de feliz continuava com cara de poucos amigos. Sentei-me e voltei a encher a minha boca com comida.

"Sim, é ótimo. Mas para puder ocupar o cargo vamos ter de ir viver para a Coreia"

A minha mãe agarrou a mão do Sang com tanta força que podia ver os seus nós dos dedos a ficarem brancos. A cara do Sang não tinha expressão alguma e a minha reação imediata foi largar os hashi e desatar a rir, mas a sua expressão não se alterava.

"Vocês esstão a brincar certo?" Eu disse ainda com um sorriso na cara. Quando tanto um como outro abanaram a cabeça, o mundo caiu-me aos pés. Mudar-me para o outro lado do mundo? Está tudo louco. Nem em sonhos eles pensem que algum vez eu vou concordar.

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