Capítulo 39 - Derrube suas paredes, essa é uma cidade de pontes.

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-Oi – Júlia cumprimentou a colega que acabara de chegar de uma corrida e se jogara no sofá.

- Oi – Valéria respondeu sem tirar os olhos da tela do celular.

- Tudo bem com você? – Júlia perguntou acanhadamente. – Como foi a corrida?

Valéria bloqueou o celular e encarou a menina com desconfiança.

- Aconteceu alguma coisa e eu não estou sabendo? – Perguntou com urgência. – Alguém da minha família morreu e pediram para você me contar?

- Não, ninguém morreu. Eu só queria conversar um pouco – Júlia apressou-se em se explicar sem jeito. – Por que pediriam para eu te contar se alguém da sua família tivesse morrido?

- Porque você é a minha colega de apartamento e a única pessoa do meu país – Valéria disse como se fosse óbvio. - Provavelmente escolheriam você para me dar a notícia.

- Faz sentido – Júlia refletiu mordiscando o canto direito do lábio inferior. – Você é sempre tão fúnebre ou está esperando uma notícia ruim?

- Eu não sou fúnebre – Valéria rebateu revirando os olhos. - Essa é a primeira vez fora da quadra que você me fala alguma coisa além de "oi", o que queria que eu pensasse?

- Tem razão – Júlia admitiu envergonhada. – O meu nível de interação social está um pouco abaixo do normal, mas não quis te assustar. Desculpe-me, sou uma idiota.

- Tudo bem – Valéria levantou-se e balançou os ombros despreocupada enquanto abria a porta da geladeira e procurava alguma coisa. – Achei que fosse extremamente tímida ou que não ia muito com a minha cara. Acontece bastante.

- Não é nada pessoal, é só que eu ainda não consegui me adaptar aqui e sinto saudades de casa o tempo inteiro – Júlia confessou jogando-se no sofá que Valéria acabara de desocupar. – Ergui essas paredes ao meu redor na esperança de não ter que lidar com tudo o que está acontecendo. Criei um lugar seguro onde eu pudesse esperar o tempo passar e finalmente voltar para casa, mas agora essas paredes estão me sufocando e a saudade vai me enlouquecer. Sou muito idiota.

- Não passou pela sua cabeça que eu sou o mais perto de casa que você tem aqui? – Valéria deu um longo gole em uma garrafa de suco que encontrara escondida atrás de alguns suplementos de Júlia.

- Eu já mencionei que sou idiota?

- Você não é idiota, é jovem. Em alguns casos são sinônimos, mas o seu não parece ser. É sua primeira temporada fora?

- Sim, foi um longo caminho até aqui e agora tudo parece tão intenso, acho que acabei perdendo a cabeça. Eu preciso me adaptar antes que esse estresse afete meu jogo. Sonhei tanto com esse momento, mas ele não está sendo como eu esperava.

- Não se cobre tanto, o primeiro mês é sempre mais difícil. O time está criando uma interação maior e você vai ganhar confiança que precisa para se sentir bem. E ocupar sua mente fora da quadra é o melhor jeito de lidar com a saudade. Mas não se desespere, vai ficando mais fácil com o tempo.

- Eu espero que sim. Há quanto tempo você joga fora? – Júlia perguntou puxando assunto.

- Essa é o meu quinto ano. Joguei uma temporada na Itália e as três últimas aqui mesmo em Istambul, pelo Vakifbank .

- Uau! – Júlia impressionou-se - Vakifbank é um clube espetacular, por que saiu de lá?

Valéria virou o resto do suco e pensou um pouco antes de responder.

-Eu não quero me gabar, mas eu sou uma ótima oposta. E poderia continuar no Vakifbank e buscar pelo meu quarto título seguido no clube – Valéria falava enquanto Júlia tentava entender o que havia de errado nisso. – Só que essa previsibilidade não me motiva mais. Estou cansada de ser apenas uma ótima oposta em um clube com jogadoras ótimas. Quero estar em um time que me motive a ser parte do crescimento dele. E tudo bem se eu não for ótima, contanto que meu time seja.

O céu em seus olhos - Romance Lésbico (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora