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Iara

Eu chorava sem saber o que fazer, o sofrimento parece gostar muito de mim e não pensa em me largar tão cedo. Não conseguia entender, como, como Ícaro sabe sobre o Binho, eu não acredito nessa história de que eu falei o nome enquanto dormia. Eles só podem ser parceiros.

Na verdade eu fui burra em pensar que ele esqueceu e desistiu de se vingar, esse não é o Binho, eu tinha que saber que ele voltaria para me pegar. Por isso aquele showzinho do Ícaro quando eu queria ir embora, ele tinha que me segurar aqui.

Me joguei na minha cama e não conseguia pensar em mais nada senão nessa história. E agora, mais calma, será mesmo que Ícaro sabe de algo?! Ou eu estou muito louca para raciocinar direito, se ele está com o Binho porquê ele me perguntaria quem ele é, e, eu não vejo no Ícaro o mal que eu via no Binho.

Não sei se vou embora ou fico, não sei se estou segura aqui, ou estaria mais segura longe desse morro, mas o que eu sei é que, por mais que eu tenha mesmo falado o nome do Binho enquanto dormia e por isso Ícaro me perguntou quem era, por mais que isso seja verdade, uma hora ou outra ele vai voltar para me cobrar. E eu já estou cansada de viver com esse medo e incerteza.

[...]

Acabei dormindo, e quando acordei já estava de tarde, lavei o rosto e fui ver se as meninas estão em casa e só a Vivi está aqui.

— E a Luana? — perguntei sentando na mesa da cozinha, Vivi está preparando o jantar e nesse momento minha única certeza é que essa loiça toda é minha.

— Saiu ontem e não voltou ainda — estranhei, ele estava toda triste e não quis ir pro baile, onde será que ela foi.

— Deve estar lá no namoradinho secreto dela — Ouvi Vivi resmungar e sorri fraco, talvez seja mesmo isso.

Não ajudei a Vivi por que ela já estava terminando e porque ela não vai me ajudar com a louça, quando ela terminou comemos enquanto falávamos sobre assuntos aleatórios. A gente está se dando bem, diferente de quando eu ainda morava na Penha, ela vivia enchendo o meu saco, mas acho que eram ciúmes da Luana, ela é legal.

Quando terminamos ela disse que ia sair, com certeza ia ver o Barão, não falei nada e lavei a louça em silêncio, consegui me distrair com a Vivi mas agora, sozinha, toda a história do Binho estava voltando na minha mente.

Terminei e limpei minhas mãos, quando estava subindo ouvi alguém batendo na porta, estranhei, não recebemos muitas visitas e as meninas nem estão. Meu Deus, e se for o Binho? Meu corpo tremeu todo só pela possibilidade de ser ele. Me encostei na parede e não conseguia mais fazer nada, não conseguia mexer um dedo sequer.

— OH IARA, TÁ EM CASA? — reconheci a voz do Ícaro e senti um alívio estranho, no fundo eu sabia que ele não tem nada a ver com aquele monstro.

Mais tranquila, fui até a porta e vi Ícaro que estava encostado vendo algo no celular, assim que me viu colocou ele no bolso.

— E aí? — disse e eu dei espaço para que ele entrasse.

— O que tu quer? — minha voz saiu fria mesmo sem ser essa a minha intenção.

— Tu não tava bem, eu só vim ver se tá tudo bem? — ele estava preocupado comigo?! aquilo me surpreendia.

— Tou legal — falei baixo e me sentei no sofá, ele fez o mesmo.

— Alguém te fez muito mal nem?! — ouvi sua voz mais calma do que nunca e fechei os olhos.

— Tu não imagina o quanto — falei baixo mas o suficiente para que ele escutasse

— Eu não vou te fazer mal, não estou te pedindo em namoro, mas eu tenho um sentimento legal por tu, então se precisar de ajuda conta comigo, não vou deixar ninguém te machucar não — suas palavras me pareciam verdadeiras, mas eu não confiava mais no meu instinto, durante muito tempo confiei em alguém que se revelou meu pior pesadelo.

— Obrigada Ícaro — ele me olhou por um tempo e depois voltou a olhar para a tv desligada.

— De onde tu é? — lembrei que ele não sabia nada de mim, e bem eu dele.

— Sou da Penha, morava com minha mãe, ela morreu há uns anos e fiquei sozinha, Luana é minha melhor amiga então há uns meses me chamou para morar aqui — fui breve

— O Coronel é nosso inimigo — ele comentou desconfiado — Tu tá com ele? — perguntou me olhando.

— Tu acha que eu me importo com traficante? Vocês que se resolvam, não to com ninguém, sou só uma moradora, nunca vi o Coronel por mais de 5 vezes — falei brava, mas percebi que o que eu disse talvez não tenha soado bem, "tu acha que eu me importo com traficantes?"... Isso não foi legal

— Me desculpa, eu não quis falar que traficante não é legal, que dizer — respirei fundo — só me desculpe, eu sou da favela e nunca tive nenhuma vergonha ou preconceito, só me expressei mal — ele assentiu

— To indo embora, qualquer coisa me liga, eu vou te ajudar, e se decidir dividir esses negócios que estão te deixando assim eu estou aqui — disse se levantando e eu também levantei parando na sua frente

O peguei de surpresa com um abraço, mas ele retribuiu. Eu precisava ouvir exatamente o que ele disse, talvez eu não conte, mas já basta saber que ele está do meu lado.

— Obrigada — falei ainda no abraço.

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Eu, Você e o MorroOnde histórias criam vida. Descubra agora