Prólogo

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O livro começaria a ser publicado a partir de 18/04, mas achei a data distante demais pro meu gosto e antecipei os dois primeiros capítulos para hoje, terça-feira (que provavelmente será o dia de publicações).

Como esse livro se passa no futuro,  e eu não sei o que vai acontecer daqui a 20 anos, o futuro aqui é semelhante ao presente, apenas com uma ou duas adições que vocês entenderão aos pouquinhos.

Espero que gostem, se divirtam, odeiem, amem, shippem ou fiquem curiosos com o destino de alguns personagens aqui.

Beijo e boa leitura!

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Foi num carnaval que Rosa conheceu sua mãe e sua irmã.

A festinha no Orfanato São Vicente, com o melhor do axé dos anos 90, era promovida por Irmã Celina, que considerava as canções daquela época mais "adequadas" para as crianças, mas era impossível para as mais velhas pedir à freira um "pagodão".

- Tem La Fúria não, irmã? – Anderson, um dos meninos mais velhos, adorava provocar irmã Celina, mas a religiosa apenas ria e dizia ao menino:

- La Fúria vai ser a sua nota em Ciências se não estudar direito este ano, viu menino?

As festas eram restritas aos órfãos, mas não raro alguns benfeitores do orfanato apareciam para ver como estavam as crianças, que brincavam com os confetes e serpentinas na quadra de esportes do orfanato, sob o sol inclemente de fevereiro no subúrbio ferroviário de Salvador. Uma vez, Rosa lembrou-se bem, uma jovem linda de cabelos curtos, segurando uma criança no colo, chegou acompanhada de um homem alto, bem bonito e dois meninos gêmeos com olhos tão azuis que cegavam. Eles brincaram com todas as crianças e Rosa foi perguntada pela moça bonita, que se chamava Mariana, o que ela mais gostava de fazer na escola, e a criança respondeu "música".

- Meu filho sempre gostou de cantar. – o sorriso dela era tão bonito que parecia um anjo a ter descido do céu para iluminar a vida solitária da menina.

Rosa não dava trabalho, não chorava e nem aprontava com brincadeiras de bater. Era tímida, calada, e preferia se refugiar no jardim ou aproveitar as aulas de música com a freira nova, Rita, que todos amavam. O coralzinho das crianças do São Vicente era a melhor hora para a menininha, que mesmo com apenas quatro anos, tinha uma voz bastante singular – não cantava como as outras crianças: sua dicção era impecável, mesmo que infantil. No coral, não era mais a menina quieta que passava o dia inteiro olhando para o céu, impressionada com o formato das nuvens, os cabelos cacheados em tranças porque ninguém sabia bem como cuidar deles, tão cheios que outros órfãos a chamavam jocosamente de "Leãozinho". Rosa dava de ombros: "Leãozinho" foi a primeira música que ela aprendeu a cantar junto com irmã Rita, e quando um moço apareceu para ensinar a tocar violão, a irmã pediu que ele tocasse justamente essa música para alegrar Rosa, a única que era pequena demais para o violão.

As irmãs gostavam dela por sua quietude e uma sabedoria que parecia diferente para alguém tão novinho. Sempre muito tranquila, às vezes silenciosa, tinha um riso angelical de bebê. Era mimada pelas religiosas porque elas percebiam o desinteresse de muitas pessoas interessadas em adotá-la. Gostavam das crianças engraçadas, extrovertidas; muitos tinham foco certo: bebês, meninas brancas bem alvas e com os cabelos ralinhos, que julgavam serem loiros. Ela era negra, com a pele escura como a noite de verão em Salvador, com o rosto cheio de sardas e pintas pouco acima dos lábios, na bochecha e em cima da sobrancelha esquerda (que Irmã Escolástica, a mais idosa do convento, chamava de "estrelinhas") e nem mesmo a insistência de irmã Celina ajudava Rosa a conquistar a chance de ser adotada.

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