Dose 3: Sangria.

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— Acho que estou te devendo um drink — disse Tekila, me empurrando pelo ombro.

Tínhamos saído do festival e caminhávamos pela Avenida Collins. Ela estava com as mãos atrás do corpo, sempre inquieta. Eu apenas tentava entender aquela noite. Tinha saído de casa por não conseguir parar de pensar em alguém, que agora estava ao meu lado. Não achei que as coisas seriam tão fáceis.

Nada nunca é fácil, sempre me disse Richard.

— Um drink?! — perguntei a olhando.

— Você me deixou roubar sua comida. Não é qualquer pessoa que faz isso.

Também não deve ser qualquer pessoa que consegue te dizer não, pensei. Era impossível questionar ela ou lhe negar algo quando ela sorria e seus olhos azuis brilhavam.

— Um drink no Mynt? — sugeriu, dando alguns pulos e ficando na minha frente, começando a andar de costas.

— É segunda feira — argumentei, enfiando as mãos no bolso do moletom — e está fechado.

— Mas eu tenho as chaves! — Ela puxou um chaveiro colorido do bolso e o balançou em minha frente, sorrindo e se virando para atravessar a rua.

A balada Mynt estava a nossa frente, e Tekila abriu as portas principais como se estivesse na própria casa.

— Não acho que deveríamos fazer isso. Não é tipo, invasão?

— Não é invasão quando se tem as chaves.

— Seu chefe não vai gostar disso — falei ao entrar. Ela fechou as portas atrás de nós e as trancou, e a escuridão nos rodeou. Conhecendo bem o lugar, Tekila foi na frente, enquanto eu tentava segui-la, sempre batendo em uma parede. — Ai — resmunguei após dar de cara em uma coluna e chutar um lixo.

— Vem. — Ela pegou minha mão e me puxou. — Cuidado com os degraus! — anunciou pulando, enquanto eu corria atrás dela.

Seguimos as cegas por mais alguns metros, subindo outro lance de escadas curtas, até ela soltar minha mão e pedir para eu esperar. Segundos depois as luzes ao nosso redor se iluminaram. Estávamos no bar da Mynt.

Era a mesma área do bar em que eu havia passado a madrugada toda de domingo, o mesmo balcão que Tekila trabalhava.

Ela estava atrás dele, já passando um avental branco pelo corpo.

— Algum pedido especial?

— Me surpreenda.

— Eu sempre surpreendo — respondeu me dando uma piscadela.

Andei até um dos bancos alto e me sentei nele, tirando o celular do bolso e colocando no balcão a minha frente, apoiando os braços na pedra escura.

— Vai beber comigo hoje? — perguntei, levando em conta que na noite passada eu bebida todas sozinho e um pouco mais.

— Sem dúvidas. — Ela foi até a geladeira, examinando as frutas que tinha sobrado. — Vejamos...

Tekila levou em torno de meia hora para preparar quatro drinks. Ela separou laranjas e as cortou pacientemente, tirando a casca de uma forma que ao final todas estavam inteiras e formavam espirais perfeitas. Cortou todas as fatias do mesmo tamanho, as reservando em água. Em pouco tempo fatias de limão se juntaram a laranja, e ela lavou meia dúzia de cerejas e deixou de descanso na água.

Eu pensei em diversas coisas para dizer enquanto ela preparava as bebidas, querendo impedir que o silencio se tornasse desconfortável. Mas quando comecei a observar ela atrás do balcão, concentrada em cada tarefa que fazia, eu não consegui dizer nada. Permaneci todos os minutos seguintes em silencio, a observando.

TekilaOnde histórias criam vida. Descubra agora