Dose 23: Compras.

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Achei que fosse acordar e encontrar a cama vazia, como sempre acontecia quando Tekila dormia comigo. Mas dessa vez ela ainda estava lá, com o rosto apoiado na mão, me encarando com seus olhos azuis.

— Bom dia — falou quando viu que acordei.

— Bom dia. — Apoiei os cotovelos na cama e me arrastei para cima.

Eu sempre achei que quando fosse morar sozinho teria um quarto grande, com uma enorme cama de casal. Mas não tinha, nenhum dos dois. Minha cama é de solteiro, e mesmo sendo um pouco maior que o normal, ainda era pequena perto de uma para duas pessoas.

Tekila e eu nos espremíamos no colchão, e a essa altura já sabíamos como nos encaixar nele, fazendo o parecer maior do que era. Ela era tão pequena que mal ocupava espaço.

— Está com medo de voltar dirigindo para casa? — perguntei a olhando. Sua careta mostrou que não entendeu. — Normalmente você não fica aqui tanto tempo.

— Tá me expulsando?

— To é curioso, isso sim.

Ele suspirou e se virou, deitando de costas e olhou o teto.

— Fiquei preocupada com você. Não queria te deixar sozinha.

— Eu estou vendo um indicio de sentimentos em você, Tekila?

Ela pulou da cama.

— Jamais. — Prendeu o cabelo preto e me olhou, afastando a conversa com um gesto de mão. — O que quer de café da manhã?

— O que você conseguir fazer com o que tem na geladeira. — Me sentei, espreguiçando o corpo. — Preciso fazer compras.

Mesmo o diploma de Gastronomia da Tekila não foi o suficiente para preparar algo com minhas sobras. Eu precisava ir no supermercado.

Aparentemente Tekila não queria ir para casa, ou estava com medo de eu morrer e a consciência pesar por ter me deixado sozinho. Fomos juntos ao supermercado, mas dessa vez no meu carro, comigo dirigindo.

— Uh, me leva dentro do carrinho? — ela pediu, saltando pelo estacionamento.

— Eu acho que não pode andar dentro do carinho. — Peguei um da enorme fila, o arrastando para trás.

— Está escrito em algum lugar isso? Não. — Sem aguardar respostas, ela segurou na beirada de metal e entrou na caixa, se sentando dentro dela. — Ao infinito, e além!

Ri da referência, empurrando o carrinho em direção a entrada do supermercado.

Tekila foi pegando as coisas sem nem sair de dentro do carrinho, e quando um segurança a olhou bravo, ela apenas sorriu e fez biquinho, falando que era mais magra que um pacote de arroz, e que iria ficar quietinha ali.

Eu não sei como, mas o charme dela funcionou.

— Volta, volta, volta — falou, apontando para algo. — Precisamos disso?

Olho para onde ela apontava, fazendo uma careta.

— Camisinha, é?

— Camisinha. — Ela impulsionou o corpo para frente, fazendo o carrinho andar até as embalagens. — Que tal camisinha com sabor?

— Aham... — Ignorei o que ela falava, pegando uma caixinha da que eu sempre usava.

— To falando sério. Escolhe um sabor.

Apoiei as mãos no carinho e olhei Tekila, que me devolveu o olhar. Quando eu achava que estava brincando, ela falava sério... De novo.

— Bom, eu amo morango. — Se apoiando na grade e inclinando o corpo para frente, ela pegou a camisinha com o sabor de morango. — Vai, escolha um sabor.

Eu não conseguia acreditar nisso. Ela realmente iria me fazer comprar isso?

Seria muito clichê se pegasse um de menta? Bom, foi o que fiz.

— Uh, ótima escolha — comentou Tekila, lendo a embalagem.

Revirei os olhos e voltei a empurrar ela pelos corredores do supermercado.

Tekila não desceu do carrinho nem mesmo quando eu fui passar a compra no caixa. Ela apenas pegou algumas balas e pirulitos, os jogando na esteira.

Ela só saiu do carrinho depois que eu coloquei tudo o que compramos no porta malas. Se dependesse dela iria embora dentro dele mesmo, dispensando o carro.

Após enchermos minha geladeira e dispensa, Tekila tirou os sapatos e se jogou no meu sofá.

— Me empresta seu notebook? — pediu, apoiando os pés na mesa de centro.

Pelo o que deveria ser a vigésima vez, eu a olhava em minha casa, completamente a vontade. Simplesmente continuei não falando nada sobre isso e fui buscar o computador.

— Bom, eu preciso ir trabalhar — falei, me abaixando e dando um selinho nela. — Mas... Fica à vontade.

— Eu já estou à vontade — respondeu, se acomodando nas almofadas.

Ri, pegando minhas chaves e celular. Precisava estar na gravadora em quarenta minutos.

*

Cheguei em casa depois das oito da noite. As luzes estavam apagadas, e apenas um abajur perto da mesa de jantar estava acesso.

Tekila estava sentada com um prato de pizza ao lado do computador, focada em algo na tela. Havia uma caixa de pizza e vinho aberto na mesa de vidro.

— Ei... — falei, anunciando minha chega.

— Olá — respondeu, tombando a cabeça para trás.

Coloquei minha chave na mesinha ao lado da porta, seguindo até a mesa de jantar. Me inclinei sobre Tekila, lhe dando um selinho.

Encostei na mesa e peguei sua taça, dando um gole e olhando o que ela fazia.

— Não querendo ser chato... — comecei, procurando as palavras.

— Não vou te deixar sozinho — respondeu, voltando sua atenção para o notebook.

— Tekila, eu to bem. — Repousei a taça na mesa, olhando a garota na minha frente. — É sério.

Ela respirou fundo e se virou, me examinando do pé a cabeça.

— O médico disse para ficar de olho em vocês por alguns dias. É o que estou fazendo. — Deu de ombros, se ajustando na cadeira e voltando a digitar.

Respirei fundo, soltando um longo suspiro.

— Ok — foi a única coisa que falei, sabendo que não iria conseguir argumentar com ela. — Vou tomar um banho.

Ainda não era final de semana, e Tekila estava longe do seu dia de trabalho. Aparentemente seu único serviço era na Mynt. Da para se manter em Miami trabalhando apenas três dias por semana? Bom, eu não iria perguntar isso.

Fui para a sala depois do banho, pegando uma pizza e me jogando no sofá.

— O que está fazendo aí?

— Poster para o evento semana que vem na Mynt — respondeu, virando o notebook para mim.

— Você também cuida da divulgação?

— Não, isso é um evento privado. — Fechou o aparelho e saiu da mesa, pegando sua taça de vinho e vindo até mim. Se sentou ao meu lado, encolhendo o corpo junto ao meu, as pernas recolhidas no sofá. — E você vai.

— Vou, é? — Abaixei os olhos para ela, com um braço ao redor de sua cintura. Ela cheirava a mim e a vinho.

— Vai — respondeu sorrindo, mostrando os dentes brancos alinhados. Até isso nela era lindo. — Só mais uma noite — falou, levantando um dedo e pousando a taça nos lábios. — Só vou ficar aqui mais uma noite. Se você morrer depois disso, sozinho aqui, eu mesma te trago de volta e te mato. Estamos entendidos?

— É só asma, Tekila. — Ri, beijando seu cabelo. — Vou ficar bem.

— Eu irei me garantir disso.

TekilaOnde histórias criam vida. Descubra agora