Dose 19: Estágios de um relacionamento.

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A chuva caia forte em Miami, os ventos percorrendo a cidade e fazendo as janelas baterem. Corro para dentro do apartamento, puxando meu moletom molhado para cima e o tirando, correndo para fechar as janelas abertas.

Ter decidido vim andando do estúdio para casa não foi uma boa ideia. A chuva me pegou no meio do caminho, e sem celular ou carteira eu não podia nem mesmo chamar um Uber.

Tirei toda minha roupa na lavanderia, voltando para dentro para limpar onde molhei.

Dessa vez eu não precisava diminuir a temperatura do ar condicionado. Sai do banho e vesti moletom, andando de meia pela casa.

A última semana tinha sido uma correria. Tivemos apenas dois dias para descansar e logo voltamos a rotina. Manhãs em reuniões, tardes ensaiando, noites em estúdios. O ciclo se repetiu por infinitos dez dias. Não vi Tekila depois da noite da massagem, tendo acordado e encontrado a casa vazia.

Ela tinha sumido até mesmo do Instagram, não postando os vários stories que costumava postar. Vi algumas publicações da Mynt, divulgando alguns novos eventos na balada. Provavelmente isso estava mantendo Tekila ocupada. Eu mal tinha tempo para pegar meu celular e checar as mensagens.

Já se passava da meia noite quando minha campainha tocou, e eu não precisei olhar pelo olho magico para saber quem era. Tekila estava do outro lado, escondida dentro de um moletom encharcado. O cabelo estava molhado, grudando nos olhos inchados e vermelhos.

— Tekila, o que... — Não consegui concluir a pergunta. Ela se jogou em meus braços, escondendo o rosto em meu peito. A olhei assustado, a abraçando. Ela tremia contra mim, o corpo gelado.

Dei alguns passos para trás, entrando e fechando a porta. Levei Tekila até o sofá, a sentando e afastando seu rosto para poder olha-la.

— O que aconteceu? — perguntei, passando a mão por seus cabelos molhados, os tirando de seus olhos.

Ela negou com a cabeça, fungando.

Não iria falar.

Respirei fundo, soltando um suspiro ao vê-la naquele estado.

— Você precisa de um banho — foi a única coisa que consegui falar. Ela iria rebater, mas soltou um espirro e se arrepiou de frio. — Vem.

A levei para o quarto, lhe entregando um roupão e toalha limpa. Ela se trancou no banheiro, ficando longos minutos lá.

Quando saiu estava enrolada no roupão com uma toalha escondendo os cabelos escuros. Ela parecia ainda menor do que já era, mais jovem. Não pude evitar me questionar quantos anos ela tinha. A única coisa que eu sabia é que tinha mais de vinte um, já que trabalha em uma casa noturna.

As menores roupas que eu tinha só estavam em meu guarda roupa porque eu as encolhi na maquina de lavar, sendo um dos erros mais comuns quando uma pessoa vai morar sozinha. Eram peças de linho e algodão.

Levantei uma calça moletom e uma cueca preta pequena.

— Calça sem calcinha, ou uma cueca com calça? — perguntei, a fazendo rir.

Ela fungou, me olhando e sorrindo, vindo até mim. Pegou a boxer da minha mão, a olhando com uma careta.

— Posso dizer com grande sabedoria que isso não cabe em você.

Confirmei com a cabeça, rindo.

— Maquina de secar encolhe algodão, sabia?

Ela me olhou com um sorriso, abrindo o roupão e vestindo a cueca preta. Serviu direitinho nela, nos fazendo rir.

— Uau — falou chocada, examinando a peça. — Se eu colocar uma meia aqui vou me sentir como um homem?

Foi a minha vez de fazer uma careta.

— Não acho que seja uma boa ideia...

— Talvez outro dia — disse, dando de ombros.

Ela voltou para o banheiro, pendurando o roupão e a toalha. Veio até o quarto e vestiu a calça moletom que eu tinha separado e uma regata cinza. Apesar de tudo, as roupas ficaram grandes nela.

— Acho que você vai precisar de um moletom — falei ao ver ela se arrepiar de frio. Apontei para o meu guarda roupas. — Pode escolher um.

Fui até o banheiro enquanto ela procurava algo para vestir. Peguei suas roupas e levei para a lavanderia, colocando na máquina. Tekila me encontrou na cozinha.

Soltei uma risada ao ver que ela vestia o moletom rosa dos The Beatles, que já tinha rodado pelo guarda roupa de cada membro do CNCO.

Mas não falei nada sobre isso e apenas a encarei.

— Você não vai me contar o que aconteceu, não é? — perguntei, me encostando no batente da porta e cruzando os braços, a olhando.

— Não quero falar sobre.

— Ok.

Balancei a cabeça, ainda a olhando. Eu já estava acostumado com Tekila nunca falando nada de sua vida, além de breves comentários. O quer que tenha acontecido hoje era algo que ainda não estávamos no estágio de compartilhar.

— O que quer fazer?

— Não sei... Ver um filme? — sugeriu, mexendo nas mangas do moletom. Era incrível como ele era grande para ela.

Confirmei e fui para a sala, ligando a televisão. Tekila apareceu minutos depois, com um pote de sorvete nos braços e bolachas com chocolate caindo pelo chão. A olhei, chocado.

— De onde veio isso?

— Da sua dispensa.

Fiz uma careta. Eu por acaso tinha feito compras? Tinha me lembrado de esvaziar a geladeira e dispensa quando fui viajar, para não perder nada, e ainda não tinha ido ao supermercado após voltar para casa. Eu tinha o básico do básico.

— Eu comprei no dia que você chegou — explicou, colocando as coisas na minha mesa de centro.

Eu não sabia em que estágio Tekila e eu estamos, mas ela já estava fazendo compras para mim no supermercado?

Outra vez eu achei melhor nada e apenas entreguei o controle para ela escolher um filme. Fui até o quarto buscar cobertas e travesseiros.

Parecia que Tekila não tinha chorado o bastante para uma noite, porque acabou escolhendo Como Eu Era Antes de Você para assistirmos. Abri meu sofá e nós deitamos nele, com diversos chocolates espalhados pela coberta que dividíamos.

Um dia de chuva, sorvete e filme romântico. É, se eu estivesse sozinho estaria reclamando bastante sobre minha carência. Mas não dava para me sentir só quando tinha Tekila ao meu lado, com o corpo encolhido contra o meu, a cabeça deitada no meu colo.

Ela estava sem meias, e ficava esfregando os pés nos meus para esquenta-los, entrelaçando nossas pernas. Com sua cabeça próxima a minha eu podia sentir o cheiro do meu shampoo em seu cabelo.

Mesmo com a frente fria que tinha chegado em Miami o pote de sorvete acabou, e isso só deixou Tekila com mais frio. Suas mãos estavam congeladas, e ela as esquentou dentro da minha blusa. Eu quase ri com o gesto, que ela fazia tão naturalmente, sem parecer notar.

As lagrimas de Tekila voltaram durante o filme, o que eu já sabia que iria acontecer. Mas dessa vez eram de tristeza fictícia, indo embora em alguns minutos.

Dormimos ali na sala mesmo, sem nem desligarmos a televisão.  

TekilaOnde histórias criam vida. Descubra agora