Quem quer ir pro céu?

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Os finais de semana eram especialmente pacatos.   Minha mãe nunca tinha folga nesses dias, pois estava sempre em plantão e papai dava aulas para turmas avançadas na faculdade aos sábado e domingos, além de voltar do escritório quase ao anoitecer durante a semana.
  Na segunda, Zupo me deixou na porta do colégio, eu já estava no final segundo ano, então eu só precisava aguentar mais um mês e, com sorte, nós nos mudaríamos e eu poderia terminar meu último ano na.... Croácia?
- Obrigada, Z.
- Não deixe seu celular desligado, sabe que não consigo te encontrar quando faz isso.
- Não vou deixar desligado. - prometi, puxando minha mochila.
- Ele já está. - disse ele, sério.
Se você está se perguntando como é o Zupo: ele parece um adolescente de 16 anos (o que meus pais acharam ótimo na época, já que eu o teria como "irmão mais velho", mas acontece que eu cresci e ele não - óbvio), com cabelos e olhos pretos, o cabelo sempre perfeitamente penteado para trás com gel e sempre usava roupas cor caqui, marrom ou azul marinho.
Ele tinha adquirido o hábito de cáqui sempre que "acordava  em um dia ruim", hoje não era um desses dias.
Eu bufei, ligando meu celular e mostrando pra ele.
- Ligado. Contente? - disse, abrindo a porta.
- Muito. Boa aula e boa sorte na prova de filosofia que você não estudou nada.
- Merda. - xinguei, ao sair do carro, vendo que esqueci TOTALMENTE de estudar para a prova enquanto Zupo passou o final de semana inteiro fazendo milkshake e tocando música alta na piscina enquanto eu tentava me bronzear.
Eu me arrastei até os corredores. Vendo as líderes de torcida saltitando, passando por mim e encontrando os garotos do time de futebol do colégio.
Aquilo era tão clichê que me dava dor de cabeça.
(será que eu devo dizer que eu queria muito ser líder de torcida aos 12 anos? Zupo tentara me treinar, sem nenhum sucesso - podemos colocar nos 13%. Foi quando nós vimos que aquilo realmente não era pra mim.)
É claro que a prova de filosofia foi logo no primeiro período, o que foi muito irônico, tendo em vista que eu deveria parecer Aristoteles ou algum pensador famoso e histórico se alguém me visse pela janela naquele momento, tentando lembrar qualquer coisa que fosse daquela prova.
Eu era muito boa em matemática e física, o que eu também devia em grande parte à Z, que com suas formas infinitivas de didática conseguiu me ensinar logo no primeiro ano que esteve conosco a gostar dos números.
Por isso, quando aquele garoto entrou na sala depois de cinco minutos do início da aula de matemática, me fez tomar um susto.
Ele entrou, em tropeços, fazendo a sala gargalhar. Ele também riu, jogando o cabelo claro pra trás e um sorriso de lado para o professor Francesco.
O professor olhou seu relatório na fina página de tablet, levantando e esticando a mão ao garoto.
- Sou Francesco, seu professor de matemática até o próximo mês.
- Legal. - o garoto agora parecia sem graça, enquanto a sala segurava a respiração, prestando atenção.
- Se apresente. - mandou o professor, ajeitando seja óculos redondos. Sim, ele ainda usava óculos.
-  Hm... eu sou o Dean... Beker. - ele levantou a mão, dando pra ver uma leve tatuagem em seu pulso por baixo no agasalho. - Seu novo aluno até o próximo mês. - completou ele, olhando para o professor e fazendo as garotas darem risadinhas.
- Vá se sentar, garoto. - mandou o professor, voltando sua atenção ao livro e à sala.
Ele foi chegando ao final da sala, até sentar ao meu lado. Ele tinha cheiro do amaciante caro e importado da mamãe, que lembrava cheiro das árvores quando chovia.
- Olá! - cochichou ele, ao sentar. Eu devo ter reagido com uma careta, pois ele segurou uma risada. - Esse lugar está reservado?
- Não. - respondi, abrindo o livro na página que o professor dissera.
- Se importa de usarmos esse livro hoje? Não tive tempo de buscar os meus ainda. - pediu ele, parecendo sem graça novamente.
Ele tinha pequenas e leves sardas no rosto, seus olhos eram verdes e um pouco castanho e seu cabelo era todo desfiado e claro.
Eu podia dizer com toda certeza que sua permanência ali duraria apenas alguns minutos até que a "galera" o engolisse.
Eu coloquei o livro entre nós dois.
  - Eu sou o Dean. - sorriu ele, falando baixo enquanto o professor balbuciava a matéria, enérgico.
- Eu sei, você falou. - disse, tentando retribuir o sorriso. Agora ele, certamente, estava dando risada, fazendo o professor emitir um grosso "xiu" e as garotas que saltitavam olhar para a mesa. O que era aquilo? Eu quis enfiar minha cara no livro, ao invés disso o olhei horrorizada. - Que?!
- Você é bem engraçada, né? Qual seu nome?
- Sou Lyana. - respondi, baixo.
- Muito prazer, Lyana. - disse ele, reforçando meu nome.
No restante da aula de matemática, antes do almoço, Dean se manteve em silêncio, vez ou outra eu o notava me encarar, o que já estava um pouco acostumada já que todos me olhavam como "a garota robô", mas ele ainda não sabia disso.
Quando o toque anunciou o almoço, Dean me ajudou a juntar meus livros e caderno.
- Se importa de eu te acompanhar? - perguntou, enquanto eu jogava as coisas na mochila. Eu olhei pra cima, jogando minha franja pra trás.
- Eu? - ele riu.
- Claro, você! Se não se importar, claro.
- Não. Tudo bem. - dei de ombros.
É claro que eu já tive alguns amigos no passar dos anos, mas desisti de lembrar de seus nomes ou telefones ou histórias no sétimo ano, quando já tínhamos trocado de escola 8 vezes até então. E ao chegarmos onde estou hoje, bom... minha reputação me perseguiu e eu não tive espaço para me encaixar. Sem problemas por mim, eu tenho o Zupo.
Dean pareceu curioso ao sentar ao meu lado na mesa para o almoço.
- Suas amigas faltaram? Ou seu namorado? - indagou ele, mordendo um enorme pedaço de maçã verde. Eu neguei com a cabeça, notando ele franzir a testa levemente.
- Não. Sem namorado, sem amigas. - respondi, dando de ombros. Ele sorriu.
- Você também é nova?
- Depende do ponto de vista. - ele riu.
- Chegou quando aqui?
- Praticamente no primeiro ano. - nos ficamos em silêncio por um tempo, até que ele terminou sua maçã, enquanto me via comer meu salgadinho de pizza.
As garotas com o uniforme de torcida do colégio chegaram, parecendo flutuar até nossa mesa.
- Ei Luana! Tudo bem? - miou uma delas. Dean arqueou uma sobrancelha, me olhando curioso, enquanto eu agora estava focada em meu danone de chocolate. - Você deve ser o Dean, não é? - uma delas sentou em nossa frente, com seus lindos cabelos loiros.
- A gente pode te apresentar o colégio enquanto estamos no intervalo, o que acha? Assim Luana pode comer em paz. - sorriu uma outra, colocando uma mão na cintura, essas garotas falavam de comida como se fosse um crime contra a humanidade. Ele observou as quatro meninas a nossa frente, parecendo se divertir com a cena.
- Bom... se não se importam, estou bem cansado da viagem. Vou ficar com a Lyana aqui. - anunciou, fazendo as meninas transformarem o sorriso pra baixo e se afastando, aos cochichos.
Eu o encarei alguns segundos.
- Acabou de perder seu ticket para o céu. - informei, dando um sorriso irônico. Seus olhos verdes escureceram levemente com seu sorriso.
- Quem quer ir pro céu? - ele deu de ombros.

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