Capítulo 14

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A sociedade sempre vai querer que você se pareça normal, um pouco menos expressiva talvez. Mas a verdade é que todo mundo tem sua peculiaridade, as vezes bizarra o bastante aos olhos alheios para não ser aceita em tal grupo no colegial. No colegial eu era nerd – meio que nunca tinha deixado de ser –, a garota estranha que usava roupas de garoto e tinha um corte de cabelo esquisito, e não era como se alguém fosse jogar uma raspadinha na minha cabeça no corredor da escola, era só eu sendo eu mesma. Eu tinha amigos, era parte de um grupo, as pessoas gostavam de mim, outras nem tanto. E as vezes me perguntavam se eu era lésbica, mesmo que eu nem soubesse direito o que era ser lésbica, quando a minha única preocupação era se eu iria conseguir brincar com o carrinho de controle remoto do meu irmão sem que ele surtasse.

Estranheza à parte, nunca tive medo de ser fiel a mim mesma.

Até eu começar a receber todos aqueles hates no canal antigo, era como se uma parte minha tivesse sido tirada de mim, e desde então eu aprendi a conviver sem aquela parte, conseguia lidar bem, não me lembrava da dor de não ter mais aquela parte. E então outra parte foi tirava com aqueles e-mails, doeu ainda mais. Uma dor nova somada com a dor antiga que me fazia querer ser invisível, me fazia duvidar de mim mesma: o problema sou eu ou eles? O que eles querem que eu faça? Porquê eles querem me mudar a todo custo? O que há de errado em mim? O fato é que nada foi como eu esperava, e eu esperava que pudesse usar o que eu quisesse, ser quem eu quisesse sem nenhum tipo de intervenção alheia.

E não existia nenhum manual para saber o porquê de tanto ódio.

Eu tinha recebido outro e-mail no fim do expediente, li no momento que Luan foi ao banheiro. No e-mail dizia sobre como "minha grande amiga" estava orgulhosa e triste ao mesmo tempo. Ela explicou da forma mais horrível e nos mínimos detalhes que soube que eu me afundava e afundava o Fundom, "um lugar incrível que é um refúgio para muitos", disse que eu deveria me lembrar que era culpada pelo que acontecia lá, para eu de forma alguma repetir aquele erro, para que de uma vez por todas parasse de fracassar tanto.

– Pixie? – Luan me chamou ao me ver com os olhos fixos na tela do painel, sem mover um músculo do meu corpo. Ele se aproximou – Ei, o que aconteceu? – viu o enorme e-mail estampar a tela e logo desligou-a – Pix, olhe pra mim.

– Não aguento mais isso, Luan – disse, o olhando como me fora pedido.

– Olha, eu não sei o que estava escrito nesse e-mail, mas não é verdade, essa pessoa não te conhece – ele segurou meu rosto em suas mãos – Não como eu, Pix. Não acredite nessas palavras, por favor, não acredite.

– E se eu realmente for um fracasso?

– Não é. Você é tudo, menos um fracasso, ou qualquer outra coisa que tenha nesses e-mails – ele soltou um sorriso fraco – Nenhuma palavra desse mundo poderia descrever tudo que você é, Pixie. Você é extraordinária.

Sorri.

Passei as mãos pelas costas de Luan agarrando sua jaqueta jeans e me aconchegando em seu abraço. A sensação que eu sentia era como ler um livro com um bom café em frente a lareira, enquanto o vento frio do inverno sopra do lado de fora.

Luan era o meu ponto de paz, meu refúgio.

Ele me beijou depois, um beijo tão apaixonado que me fez suspirar.

– Eu te amo – ele disse.

– Eu te amo mais – respondi.

Eu não esperava que tivesse alguém para me encontrar quando eu me perdia em mim mesma, não esperava ter alguém ao meu lado todas as vezes que eu me sentia esmagada, não esperava amar tanto esse alguém como passei a amar, não esperava que ele fosse querer me conhecer tanto quanto qualquer outro alguém, já que ele atravessou as nuvens carregadas, a névoa do meu caos, tudo só para ter o espaço que tinha no meu coração.

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