Habitualmente, durante a infância em minha fase de constante vulnerabilidade, quando eu ficava triste, ou até mesmo com medo dos monstros da escuridão invadirem meu quarto, minha mãe cantava um canção pra mim até que eu finalmente pegasse no sono. Quando ela entoava sua voz suavemente aguda em uma simples música, ora composta pela mesma ora tirada de um filme infantil, eu era comovida por um conforto excepcional, por vezes eu cantava junto, seja lá qual fosse a sensação ruim que eu tinha ia embora a medida que a melodia fluía de forma serena. Dessa forma, cantar se tornou o meu melhor hobbie, meu escape para os problemas e frustrações da adolescência, e até mesmo a principal atração dos eventos familiares como as noites de Natal – nesse caso meu irmão sempre estava ao meu lado tocando seu violão azul escuro.
Após ter parado de cantar, assim que o gesto sutil expresso através de uma harmonia foi tirado de mim cruelmente através de comentários desumanos, encontrei conforto ganhando e perdendo batalhas de todos os tipos nos meus variados jogos de videogame. E era a primeira vez que eu deixava meu console de lado por tanto tempo, mal tinha tempo para pensar em pegá-lo, o mesmo acontecia com Luan – Duende160 e TheFera não travavam um batalha há tempos. Álvaro realmente estava fazendo um verdadeiro inferno na minha vida, era ele de fato o anjo caído do céu que tanto falavam: Lucifer.
– Bom dia! – Becca disse quando me sentei ao seu lado na mesa, ela e Tina sempre acordavam mais cedo do que eu, geralmente era eu a quem saía para o trabalho primeiro – Achei que fosse mais cedo pro Fundom hoje.
Peguei a garrafa de café e despejei um pouco na caneca.
– Estava em um sono tão gostoso que foi impossível – dei um sorriso.
— Aposto que estava sonhando com Luan – disse Tina, estava sentada frente a Becca, prestes a dar uma mordida no bolo de chocolate que havia feito na noite passada – Ou que vencia ele no jogo.
– Minha vida não se resume ao Luan, ok?
– Claro que não! Mas concorda que é uma parte bem agradável da sua vida, não é?
Sorri.
Óbvio que sim, mas agradável era pouco se fosse comparado com o turbilhão de sensações que ele me causou no momento em que decidiu dedicar parte de sua intuição para se aproximar de mim. Mas àquela altura isso já estava claro – a não ser pela nova sensação que ele me trouxe mais tarde, não fazia ideia do poder que uma pessoa tem sobre si quando se está apaixonado.
Mordi um pedaço do bolo de Tina e saboreei como quem comia um pedaço do céu: murmúrios de satisfação.
– Valentina Velásquez, posso jurar que esse bolo foi feito por mãos de anjos – eu disse e ela sorriu orgulhosa de si mesma.
– E pensar que o antecessor foi queimado brutalmente – disse Becca.
– É preciso errar para acertar – Tina disse.
– Justo – pontuei.
Rebecca, cujos cabelos cacheados com as pontas arroxeadas estavam mais curtos do que na semana passada, depois de bebericar um pouco de seu café com leite apoiou os cotovelos sobre a mesa coberta pela toalha de Natal favorita de Tina – ela amava aquela época do ano –, e encaixou o queixo nas mãos, sorrindo de modo que qualquer um que a conhecesse bem saberia que iria dizer algo malicioso. A ruiva encarou-a de canto.
– Notei algo diferente em você, Tina, talvez seja pelas ondas que fez em seu cabelo, ou então seja pelo brilho nos olhos de quem está super, ultra, mega apaixonada pelo chefe de cozinha mais talentoso de toda Argentina Pietro Benedetto! – abriu um largo sorriso – O que me diz?

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Game over
RomancePixie nunca disse a alguém seus medos e inseguranças, ninguém nunca a observou o bastante pra perceber que havia algo errado, e ela nunca quis que alguém se envolvesse na bagunça de sentimentos que estava se tornando. Até a chegada de Luan, um rapaz...