Gizelly amava os McGowan. Sentia tanta falta de estar com eles que doía. Lembrava, como se fosse ontem, quando sua mãe fugiu do Espirito Santo e chegou no interior de São Paulo com Gizelly de nove anos e uma mala de couro marrom café. Seu pai e sua mãe tinham um casamento ruim. Ela tinha só nove anos, mas já sabia disso. Ele nunca, pelo que ela se recordava, tinha batido em sua mãe na frente dela, ele sempre a trancava no quarto antes que a briga esquentasse demais. Ela ficava lá, no escuro, ouvindo sua mãe gritando coisas horríveis e seu pai bêbado descontar suas frustrações em sua mãe. Depois disso ele chorava, abria a porta do quarto e quase sempre encontrava Gizelly contorcida em um canto, com os olhos fechados e as mãozinhas tampando os ouvidos, enquanto cantava alguma música de um desenho infantil. Seu pai se baixava próximo a ela e a puxava para junto do peito, a abraçando mas sem que ela o abraçasse de volta. Ele sempre chorava ainda mais quando encontrava Gizelly daquela forma. Pedia por perdão, sabendo que um dia não o teria, um dia seria a gota d'agua, um dia seria tarde demais. Cortava o coração dele saber que, de certa forma, aquela violência toda acabaria se tornando natural para ela. Ele não queria que fosse natural, mas ele simplesmente não conseguia guardar a raiva. Talvez Márcia tivesse razão, talvez ele fosse mesmo um desperdício de vida.
Gizelly chorava junto com o pai, pois não entendia o que devia sentir por ele. Ela o amava e sentia que ele a amava de volta, mas por que ele tinha que ser tão violento com sua mãe? Por que ele não podia ser amoroso com a mãe como era com ela? Por que ele sempre dizia que tinha escolhido o inferno por causa dela? Que inferno? Morar com Gizelly era um inferno?
Levou anos até que que ela entendesse. Seu pai tinha tido uma outra família, antes dela e sua mãe. Tinha tido mãe e pai, avós, tios e tias, primos e primas, amigos e amigas, uma outra esposa, outros filhos e dinheiro, muito dinheiro. Uma outra vida que Gizelly nunca conheceu ou fez parte. Seu pai também tinha vícios, e um deles era jogar cartas. O vício em pinga veio depois. Ele perdeu tudo que tinha na mesa de cartas, tudo. Negócios e dinheiro. Sua mulher se separou dele com tanta raiva que o impediu de ter contato com os filhos. Como ela vinha de uma família de muitas poses e muito dinheiro, foi fácil. E assim, Fernando jamais voltou a ver os filhos. Ele amava aqueles filhos. Ficou devastado e mudou para a casa do irmão em Piaçu. Foi assim que conheceu a mãe de Gizelly. Em um bar, bêbados, fizeram sexo no banheiro. Um sexo agressivo, cheio de vontade, mas sem amor. Foi assim que Gizelly foi concebida. Por um erro. A mãe de Gizelly estava noiva do filho do prefeito, eram o casal perfeito da cidade, todos concordavam, mas faltava alguma coisa que Márcia pensou encontrar no homem misterioso e charmoso, que teve a audácia de puxar uma cadeira e se sentar na mesa junto com ela e suas amigas. Ele era tão divertido e encantador que nenhuma delas se importou quando ele tomou essa liberdade. Márcia estava completamente atraída por aquele estranho e ele demonstrava o mesmo interesse "seria só uma vez", ela pensou "o que pode dar errado? uma aventura com um homem interessante. Uma história divertida para lembrar, toda a vez que eu estiver cansada de Marcos ". O problema é que ela e o filho do prefeito nunca tinham feito sexo antes, ele era beato e acreditava em sexo só depois do casamento. Ela não era mais virgem, mas disse para ele que era. Uma mentirinha para fisgar o boy, quem nunca? Mas, não contava que, após aquela aventura intensa no banheiro, fosse acabar grávida. Como explicar a gravidez? Ele terminou o noivado no mesmo dia. Muito mais por orgulho masculino do que ciúmes ou dor de corno. Eles se amavam, mas não ficariam juntos. Ele jamais a perdoaria por não perder a virgindade com ele. Por ter traído ele e a Deus neste nível. O problema não era o chifre ou a gravides de outro homem. O problema era ela não ser mais virgem.
Márcia e Fernando se casaram as pressas, uns dois meses depois. Nos primeiros anos tentaram fazer dar certo, afinal, Fernando era um homem interessante e bonito. Sedutor. Porém impulsivo e não sabia mais segurar nenhum investimento, nada. A única coisa em comum que ambos amavam era Gizelly. A mãe de Gizelly jogava na cara de Fernando o quão inútil e irresponsável ele era. Ela jamais o perdoou pelo erro dela. Ela fazia da vida dele um inferno, e ele fazia da vida dela um inferno. Até que ele começou a beber e se tornar fisicamente violento. Ela sempre o espancava com palavras e ele a espancava com os punhos. Ambos se batiam até sangrar. O verdadeiro casal tóxico de Chernobyl. Um dia Márcia deu um basta na guerra infernal que ambos travavam. Pegou o que podia e sumiu da vida de Fernando, levando Gizelly com ela. Sem um adeus nem nada. Elas simplesmente se foram.
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Ainda sem querer
Romance(Au: gicela/girafa) Gizelly, Marcela e Rafaella precisam enfrentar suas questões e dificuldades pessoais. Enquanto a vida se encarregará de entrelaçar o caminho das três, mais uma vez. Você pode correr, mas não pode se esconder do que precisa ser...