Rafaella e Gizelly não conseguiram se encontrar antes da viagem de Rafa para Goiânia no natal. Rafa, no entanto, ainda tentou convencer Gizelly a ficar em São Paulo citando amigas com quem ela poderia ficar, amigas que Rafaella nem mesmo conhecia. O que deixou Gizelly irritada, mas, decidiu se segurar para não brigar. Não queria passar o natal irritada ou brigada com Rafaella. Tentou uma abordagem diferente, dizendo que assim que voltassem, talvez fosse o caso de Rafaella finalmente conhecer algumas de suas amigas e de conhecer algumas amigas dela, Gizelly estava morrendo de vontade de conhecer Manu Gavassi, por exemplo, já que Rafa sempre falava dela com muito carinho. Foi a hora que Rafaella decidiu parar de tentar e desconversou o assunto, mas não negou a possibilidade. O que fez Gizelly sorrir. Era um progresso, não era?
Rafaella tentou, algumas vezes, contar sobre Gizelly para o seu grupo de amigas íntimas. Sabia que, apesar de ser um verdadeiro choque, suas amigas a apoiariam. O problema era que ela ainda não tinha sido sincera com ela mesma sobre quem ela era. Ela sentia que ela amava Gizelly, que queria ficar com ela, mas ainda brigava internamente em ter que se assumir. Ela ainda não tinha coragem de se olhar no espelho e dizer que também era parte do mundo LGBTI+, que essa bandeira também era dela. Com suas amigas, ainda fala sobre os homens que conheciam e sobre os rolos com os famosos. Não que fosse inteiramente mentira, quer dizer, ela ainda não entendia direito se tinha um interesse legítimo ou se, por ter se forçado tanto a "ter atração em homens", aquilo se tornou uma atração mecânica.
Ainda lembrava como tinha sido, na primeira vez. Devia ter uns 11, quase 12 anos, e uma de suas amigas da escola tinha comprado uma revista teen da época, uma Capricho. Todas as meninas se encontravam reunidas envolta da carteira da amiga, folheando a revista e falando sobre como os atores globais eram bonitos e atraentes. Ela ainda não achava isso de nenhuma pessoa, nem de homens e nem de mulheres, mas se condicionou a concordar, em uma tentativa de fazer parte do grupo. Será que ela se forçou tanto e tanto que passou a acreditar?
E quando encheu suas paredes do quarto com posters do Iran Malfitano, Henri Castelli, Sérgio Marone, Guilherme Berenguer e todos os galãs de Malhação e outras novelas durante sua adolescência? Será que era mentira também? Nunca sentiu nenhum tipo de nojo quando estava com os meninos, mas ao mesmo tempo, também nunca se sentiu totalmente a vontade com nenhum de seus ex-rolos/crushs/namorados. Ela sempre gostou muito da conquista, do sexo com os homens, gostava do efeito que causava neles, como eles ficavam dependentes dela, gostava de despertar esse desejo. O sexo para ela, tinha mais a ver com um jogo do que com uma vontade. Ela fazia por fazer, fazia por necessidade, para ver no olhar dos homens o quanto ela era desejada, o quanto ela despertava a luxuria, ela gostava desse efeito que causava, gostava de ter o controle e de ver eles implorarem por ela, implorarem para ter ela. Ela era viciada em fazer dos homens os seus cachorrinhos. Era muito diferente com Gizelly, por exemplo, isso era certo. Mas ainda não conseguia entender o que sentia. Isso fazia dela Bissexual? Uma lésbica que gostava de transar com homens? Uma hétero que gostava de transar com mulheres? Isso, por um acaso, existia? Porque ela, definitivamente, não tinha muita paciência para namoros. Sempre se cansava dos cheiros, dos gostos, deles, depois de um tempo. Seu namoro mais longo tinha durado um ano e poucos meses. Teve muitos e muitos ficantes, peguetes, mas namoro, namoro sério mesmo, de apresentar para os pais, finais de semana na casa com churrasco, almoço em familia, só dois.
Como ela diria para a Manu "Oi Manu, essa é a Gizelly, minha namorada. Sim é uma mulher. Eu amo uma mulher." se ela nem mesmo conseguia olhar no espelho e dizer "Lésbica","Bi", "Questionando"? A vida inteira ela ouviu que iria para o inferno por isso. Será que Deus era tão cruel assim? E se não era, por quê colocar dúvidas na sua cabeça? Por que permitir que o diabo chegasse tão perto? Já que ela e sua família foram sempre tão devotos ao pai celeste, do reino dos céus. Por que testar ela desse jeito? Era errado ou era certo, no final das contas? Amar quem ela quisesse, seria algo tão sujo assim? Por que seria sujo, se era amor? Ela não sabia. Não conseguia entender nada. Só sabia que quando estava com Gizelly, parecia certo. Sabia que amava Gizelly. Sabia que queria ficar com ela. Sabia que estava morrendo de ciúmes dela.
Tinha medo das certezas de Marcela. Não duvidava que Gizelly a amava, o problema é, até quando Gizelly ia aguentar suas duvidas? Até quando ia estar tudo bem? Já fazia um tempo que recebia pressão da sua mãe, das suas amigas, da mídia para aparecer com algum crush novo e agora, Gizelly a pressionava para conhecer suas amigas. Sabia que ela tinha razão, sabia que isso era um movimento natural. Mas ela estava pressa em suas inseguranças, suas incertezas e seus medos. Enquanto Marcela- a melhor amiga- era cheia de certezas, com um romance tão latente e - definitivamente - mal acabado. Por mais que Gizelly negasse e dissesse que não existia nada além de amizade, ela sabia que não era só isso. Não tinha como ser só isso. Era palpável a tensão...Tão forte... Como Rafaella ia lutar com isso, com essa história de filme clichê americano, se tinha tanto medo? Como competir com Marcela? Ela sentia que qualquer coisa que fizesse, moveria Gizelly ainda mais rápido para os braços da ex. Só de pensar nisso, o sangue de Rafa já subia para a cabeça. Então ela parou e ficou se encarando no espelho de seu antigo quarto, na sua antiga casa em Goiânia. Olhou no fundo de seus olhos com tanta profundidade, na busca para se entender, na busca da coragem para dizer... mas mesmo assim as palavras não saíram. Sua mandíbula travou de uma forma tão bruta que ela sentiu que poderia sangrar, caso fizesse mais força para falar. Porque doía tanto ser quem ela era? Quem era ela?
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Ainda sem querer
Romantik(Au: gicela/girafa) Gizelly, Marcela e Rafaella precisam enfrentar suas questões e dificuldades pessoais. Enquanto a vida se encarregará de entrelaçar o caminho das três, mais uma vez. Você pode correr, mas não pode se esconder do que precisa ser...