Capítulo 9

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     Rafaella apresentou Gizelly como uma amiga que dormiu em sua casa, quando Gizelly finalmente apareceu na cozinha. Giselda abriu os braços e abraçou Gizelly, sem fazer nenhuma pergunta. Disse que se era amiga de Rafa, então só poderia ser uma pessoa ótima. Giselda tratou Gizelly como se a conhecesse a anos, e nem se quer percebeu a tensão que tinha entrado na cozinha junto com a moça. Não demorou muito até que as três estivessem sentadas ao redor da mesa do café, enquanto Gizelly contava sobre seu trabalho e respondia algumas perguntas pessoais do tipo "Quantos anos você tem?" "você é de São Paulo?" "Qual cidade?" "nossa! foi tão nova para o Rio? Eu teria morrido! sua mãe não se importou?" "Advogada criminalista? Uau!" 

      Gizelly observava com atenção enquanto a mãe de Rafa, Giselda, falava sem parar com Rafaella, contando sobre Goiânia. Elas tinham uma dinâmica muito pessoal e interessante, estavam sempre se tocando, se abraçando, olhando fundo nos olhos e sorrindo. Dava para sentir a admiração e o amor que ambas compartilhavam. Gizelly ficou com um pouco de inveja. Nunca teve isso com sua mãe. Apensar de sua mãe nunca deixar  faltar nada para ela, elas nunca foram amigas ou parceiras. Ela sempre achou que sua mãe sentiu-se aliviada quando os McGowan a abraçaram como filha. Parecia que ela queria que esse papel fosse representado por outra pessoa, que não precisasse ser ela, talvez ela se sentisse menos culpada dessa forma. Mesmo quando Gizelly voltava da faculdade para passar as férias em casa, sua mãe nunca fez lá muita questão de sua presença. Nem parecia se importar que Gizelly ficasse 90% do tempo na casa dos McGowan. Na verdade, ela sentia que até atrapalhava quando ficava muito tempo em sua casa, Marcia constantemente tomava pequenos sustos ao encontra-la pela casa, ou bufava irritada quando Gizelly ficava tempo demais no banheiro. Gizelly a pegou contando os dias no calendário da cozinha, uma vez. Ela não podia ter certeza, mas reparou que a contagem parou no dia 5 março, dia em que Gizelly pegaria o ônibus de volta para o Rio. 

     Vendo de perto a relação de Rafaella com a mãe, Gizelly entendeu o quanto isso fez falta para ela. Quanto ela queria ser para sua mãe, tudo o que Rafa era para Giselda. Mas, como ela bem sabia, o fato de uma mulher poder gerar e dar a luz a um ser humano, não a tornava mãe. Ser mãe era outra coisa, muito mais profunda do que dar vida a um pedaço de carne. E Márcia nunca foi mãe, pelo menos não para Gizelly. 

     - Bem, querida, esse ano o pastor vai fazer uma festa linda na igreja no dia 23 de dezembro. Eu disse para ele que você ficaria muito feliz em ajudar a prepara tudo.... por isso, eu vou precisar que você esteja lá em casa dia 21, no máximo 22..... - Giselda comentou enquanto colocava canela em um pedaço de mamão. O olhar de Gizelly caiu sobre Rafaella, elas não tinham conversado sobre os planos de natal. Rafa sustentou seu olhar previamente. 

    - Eu vou no dia 22 de manhã, já comprei a passagem. Devo chegar em Goiânia a tarde. - Rafaella respondeu sem olhar para Gizelly. "Já tinha comprado a passagem?" 

    - Ótimo!!! - Giselda respondeu fazendo carinho no braço da filha. Era a época do ano que ela mais amava no mundo. Ter a familia toda reunida, era uma benção. Voltou seu olhar para Gizelly. - E quais os seus planos para o Natal? - Giselda perguntou curiosa, mas mais para inserir Gizelly no assunto. 

   - Eu ainda não decidi.... - Gizelly respondeu, dando um tempo para ver se recebia um convite que não veio. - Mas minha familia em Presidente Prudente me convidou para passar o natal com eles. Então, acho que eu irei para lá - Rafaella encarou Gizelly.

   - Você vai passar o natal por lá? - Rafaella Perguntou levantando as sobrancelha para Gizelly e ela balançou a cabeça em afirmação.  

   - É o que eu sempre digo. Nada como celebrar o natal com a familia!! - Giselda disse satisfeita

   - Ou com as pessoas que a gente ama e são importantes para nós, não é? - Gizelly disse de uma forma provocante. Mas Rafaella não respondeu nada.

     Giselda logo mudou de assunto e perguntou se Gizelly não queria as acompanhar para as compras de natal. Gizelly prontamente negou, dizendo que precisava resolver umas coisas. Mas era mentira. Gizelly juntou suas coisas e se despediu de Giselda e Rafa. Deu um abraço de lado em Giselda e encostou a mão direita no braço de Rafaella, a agradecendo por ser uma ótima amiga e a deixar dormir lá naquela noite. Rafaella sorriu amarelo. 

    Quando estava dentro do elevador, já descendo para o térreo, o celular de Gizelly tocou. 

    - Alo? - Ela respondeu já sabendo quem era. 

    - Como assim você vai para Presidente Prudente? - A voz de Rafaella soava baixo do outro lado da linha e os olhos de Gizelly rolaram para cima. 

    - Você vai ficar em São Paulo comigo? - Gizelly perguntou cruzando os braços, enquanto olhava o marcador de andares do elevador baixar devagar. 

    - Você sabe que eu não posso não ir para Goiânia...

    - Na verdade eu não sei.

    - Eu não posso não ir para Goiânia. 

    - Mas eu posso passar o natal sozinha em São Paulo?

    - Sim... - Rafaella disse rápido, sem pensar. Fechou os olhos notando o silêncio seco de Gizelly do outro lado da linha - Quer dizer, eu não quero que você passe sozinha..... Mas não quero que você passe com a familia de Marcela, você não vê que é um absurdo? 

    - É a minha familia. - Gizelly disse enquanto saia do prédio e caminhava no vão de acesso até a portaria.

    - É a sua ex.... - Rafaella disse observando Gizelly no térreo, enquanto estava na parte de fora do seu apartamento de cobertura. Gizelly parou e olhou para cima, para onde Rafa estava. Teve que envergar bem o pescoço para olha-la enquanto cobria os olhos para se proteger do sol.

    - Então me convida para ir com você para Goiânia. - Gizelly encarava o que sabia que era a sombra de Rafaella. Sem conseguir enxergar seu rosto. Ouvindo Rafaella respirar fundo do outro lado da linha. - Você não vai me convidar. - Concluiu. 

     - Gi, não tem sentido.... eu nunca levei nenhuma amiga para minha casa em Goiânia... muito menos no natal.  - Rafaella viu enquanto Gizelly abaixava a cabeça e caminhava para a portaria. - É uma tradição muito familiar em casa. Ninguém nunca levou ninguém de fora da familia...Por favor, me entende. 

     -  Eu entendo sim....Mas seu irmão nunca levou nenhuma namorada? Você nunca levou nenhum namorado?

     - É diferente Gi.... Você não iria como minha namorada - Rafa disse a palavra "namorada" bem baixinho enquanto olhava para trás para ver se sua mãe estava por perto. - você iria como minha amiga. - Assim que Rafaella disse a frase na intenção de se explicar, percebeu o quão ruim tinha soado. - Não foi isso que eu quis di..

    - Mas foi isso que você disse. - Gizelly disse ferida. - Quer saber de uma coisa? Quer saber o que eu quero que você entenda?  Eu também tenho sentimentos, eu também tenho inseguranças, eu também tenho medos. - Gizelly disparou enquanto subia a Alameda Campinas em direção a estação de Metrô na Avenida Paulista. -  Eu não posso e eu não vou passar mais um natal sozinha!

    - Gizelly... eu - Rafa olhou para trás quando viu sua mãe descer as escadas com um óculos escuro, sorrindo para ela enquanto procurava alguma coisa na sua bolsa de couro branca.
 
    - ...Então se eu não vou para Goiânia como sua namorada... ou até sua amiga, que fosse. Eu quero que você saiba.. e você me escuta bem Rafaella... Presta bem atenção no que eu vou te dizer.... Eu vou para Presidente Prudente, passar o natal com a MINHA FAMILIA e como A MINHA AMIGA  Marcela. - Rafaella ficou em silêncio do outro lado da linha e Gizelly concluiu - E se você não estiver bem com essa decisão, como o Estevão sempre diz,  Você que lute. - E Gizelly desligou o telefone na cara de Rafaella. Rafaella ficou um tempo com o celular na orelha olhando para o nada, sem saber exatamente como consertar essa situação. Os próximos dias, antes da viagem para Goiânia, seriam uma loucura e ela não sabia exatamente como encaixar um dia para encontrar Gizelly e tentar convence-la a desistir dessa ideia de ir passar o natal com a Ex. 


    Dessa vez, elas não esperaram quase uma semana para se falarem novamente. Logo após Rafaella voltar das compras com sua mãe, ela ligou para Gizelly para contar sobre um filme aleatório que ela viu que estrearia na próxima semana. Não que ela realmente sentisse necessidade de falar sobre filmes com Gizelly, essa era apenas uma tática que ela tinha. Ligar para falar qualquer coisa, só para sentir a energia da pessoa. Gizelly conversou normal com Rafaella, como se não tivessem discutido pela manhã. Ninguém falou mais nada sobre o assunto "natal" e a semana seguiu sem que as duas pudessem se encontrar, a agenda de Rafaella estava lotada de gravações e reuniões, para poder ter conteúdo nas  mini "férias" entre o natal e o ano novo. Rafaella não estava aguentando de saudades, então mesmo sem ter combinado nada, ela apareceu na casa de Gizelly com um vinho e uns petiscos. Não poderia dormir, já que precisaria pegar um voo as 5h da manhã para uma gravação no Rio de Janeiro. Mas, mesmo assim, ela quis passar essas duas ou três horas com Gizelly. Sentia que precisavam desse tempo.  

   Gizelly não se aguentou de alegria ao ver Rafa em seu apartamento. Elas nunca ficavam muito lá e ela realmente achou que só veria Rafa depois do natal. Elas passaram um tempo semi-deitadas abraçadas no sofá, bebendo vinho e conversando sobre qualquer coisa. Pareceu muito com os primeiros meses de namoro, quando uma não conseguia ficar próxima da outra sem que estivessem se tocando.  

   - Eu tenho uma coisa para você.... - Gizelly disse com um sorriso infantil. Enquanto levantava e ia até o quarto pegar um pacote dentro de uma sacola - Não deu tempo de embrulhar, porque fazia parte do seu presente de natal.....- Rafa olhou com os olhos brilhantes, ela amava ganhar presentes. - Que você só vai ganhar depois do natal... - Gizelly disse séria.  - Mas eu acho que eu vou te dar essa parte agora... bom, deixa eu te explicar. - Gizelly disse voltando a se sentar no sofá com a sacola no colo. - Outro dia eu estava assistindo uma série na Netflix, uma série adolescente... E uma das personagens usou a expressão "shippar", e juntou o nome de dois outros personagens, formando uma nova palavra... E essa palavra seria o "Shipp", tipo uma torcida para o casal - Gizelly viu Rafa começar a rir. 

   - Eu sei sobre os shippers - Rafa disse rindo da cara sapeca que Gizelly fazia. - O que você aprontou?? - Rafa disse sem conseguir parar de rir. Gizelly mordeu os lábios. E entregou o pacote para Rafa, que puxou de dentro uma calça com estampa de girafa e uma camiseta preta com as bordinhas da manga e gola também em estampa de girafa. A camiseta era toda preta, mas na altura do peito direito, tinha um bolso com o pescocinho de  duas girafinhas saindo dele, encostando o fucinho uma na outra, com os olhinhos fechados, como se estivessem se beijando.  Rafa puxou o bolso para ver dentro e tinha um coração desenhado na parte de dentro do bolso, só dava para ver se puxassem para baixo. - Ai que pijama mais lindo... - Ela disse encantada. - Mas eu ainda não entendi. 

   - Então. Gi de Gizelly e Rafa de Rafaella, formam girafa. Nosso Shipp. - Rafa olhou para Gizelly com um olhar apaixonado. - Agora você pode dormir comigo no Rio, em Goiânia.... onde você quiser. - Rafa se aproximou de Gizelly e depositou um beijo carregado de carinho em seus lábios. 

   - Gi, eu amei.... De verdade. - Ela disse olhando ela no fundo dos olhos enquanto apertava os pijamas contra o peito. - Eu amei que você pensou isso... - Rafa disse soltando uma risada gostosa e Gizelly riu com ela. 

    - Sim. - Gizelly disse puxando Rafaella para um beijo apaixonado. E elas seguiram namorando até que chegou o horário de Rafaella ir embora, porque queria descansar um pouco antes de ir para o aeroporto. 

    Gizelly não teve coragem de contar a verdade sobre o nome do shipp para Rafa. Na verdade, foi Marcela que fez a ligação. Elas estavam conversando sobre uma série e Marcela disse que shippava o casal. Gizelly não entendeu o que ela disse e então Marcela explicou o significado. Elas começaram a juntar nomes de pessoas conhecidas e de casais famosos como brincadeira. Até que Marcela disse sobre o "Girafa". Gizelly amou na hora, gostaria de ter pensado nisso antes, mas Marcela sempre foi muito mais criativa para essas coisas do que ela. Ela se baseou nessa ideia para comprar um presente de natal para Rafa, porque sabia que Rafa também amaria. 

   E então ela resolveu só adaptar a história do nome, sem precisar citar Marcela no meio, para evitar qualquer tipo de conflito. Não era errado, não era uma mentira .... Não totalmente, ou será que era? 

Ainda sem quererOnde histórias criam vida. Descubra agora