Capítulo 6

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NOTA: Oi gente, tudo bem? Primeiramente peço desculpas por demorar para atualizar esse capítulo. Aconteceram umas coisas esse final de semana, e eu acabei não conseguindo me concentrar para escrever. 

Eu acabei de escrever, exatamente agora. Normalmente eu dou um tempo para esfriar e depois releio, para ajeitar algum erro e coisa assim (que sempre acabam passando do mesmo jeito) Então, peço desculpas se houver algum. Eu realmente não revisei, porque queria soltar logo. 
 A ideia era tentar fazer um capitulo maior, como eu havia prometido. Mas eu demoro muito para escrever (George Martin, se um dia eu te critiquei pela sua lerdeza, me desculpe), então achei melhor postar logo essa essa parte.. assim mesmo rs... 

Para tentar compensar, vou fazer o possível para escrever mais rápido e soltar mais uma atualização amanhã.

Muito obrigada por gostarem, por comentarem e pedirem que eu não demore tanto rs.

Eu sempre escrevi alguns textos, e essa fic é a primeira fic que eu posto aberta para as pessoas lerem. 

Geralmente eu sempre desanimo em algum momento, e como não tem nunca ngm para ler eu sempre acabo abandonando os meus projetos, mas vocês tem me dado um gás.

Muito obrigada por isso, por esse incentivo e pelos elogios, mesmo que vocês não façam ideia o quanto é importante para mim.

Enfim, estou com bastante ideias para essa história e espero que vocês continuem gostando e acompanhando. 

Muito obrigada!!!

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          Naquela noite, quando Rafa chegou no quarto, Gizelly já estava dormindo profundamente. Por um momento Rafa queria que as coisas tivessem sido diferentes, mas não conseguia se desprender da ideia de que Marcela significava muito mais do que Gizelly dizia significar. Rafa estava com sentimentos conflitantes diante de todo aquele novo cenário, com todas aquelas novas informações. Não tinha conseguido assimilar as coisa direito. Era um oceano imenso com novas informações, um oceano profundo e misterioso. Rafa estava com medo de todo aquele mar de sentimentos. 

         Estava imensamente feliz por Gizelly ter se reconectado com pessoas tão queridas para ela. Mas estava profundamente insatisfeita por Marcela fazer parte daquele todo. Ela não conseguia se afastar daquele sentimento. Estava odiando senti-lo. Gizelly quase nunca falou sobre a familia. Tudo que Rafa sabia era:

1- Gizelly não falava com o pai a anos.
2- Gizelly tinha uma relação complicada com a mãe.
3- Gizelly não tinha irmãos.
4 - Fim. Era isso, não sabia mais nada. 

      Nunca um A.
      Nunca uma ligação no meio da tarde, no meio de alguma coisa. Nunca uma história sobre a infância, ou algo assim. Gizelly era um livro fechado. Lacrado. Aquilo nunca tinha incomodado Rafa antes, não até aquela noite. Não até Marcela ressurgir com os McGowan. Bem, uma parte dos McGowan.
       Todas as vezes que Rafa perguntou para Gizelly sobre seus familiares, ela sempre deu um jeito de mudar de assunto e não falar sobre isso. Então, de repente uma inteira familia saída do nada. Exatamente do nada. Uma história completa. Rafa nunca viu Gizelly sorrir tanto, como sorriu durante a noite. 

       Rafa tinha perdido as contas de quantas vezes sua mãe tinha interrompido - sem saber - algum momento das duas. As vezes apenas para falar um "eu te amo", outras para contar algum bafão de um vizinho, que Rafa não fazia ideia de quem era, mas amava escutar. Ligava o tempo todo para saber de Rafa, saber do canal, para contar a ultima de seu irmão e seus sobrinhos. Rafa amava essas ligações, amava sua familia. Não conseguia ficar mais que dois dias sem receber notícias de ninguém. Para Rafa, era absolutamente estranho uma filha não ter aquele tipo de ligação com os pais ou com o irmão.  Não enxergava sua vida sem nenhum deles. Ela faria qualquer coisa pela familia, até mesmo esconder quem amava e sua preferência em se relacionar, afetivamente e sexualmente, com  com mulheres. Apesar de amar sua familia, eles eram todos Evangélicos. Ser gay ou lésbica era pior do que cometer um crime, roubar uma loja ou assassinar alguém. Relações homoafetivas não tinham vez entre os Kalimann's, esse "mal" não pertencia a eles, porque eles eram temente a Deus, como eles bem tinham orgulho de falar. Ninguém falava sobre o tio Neu, que desapareceu no mundo nos anos 70. Ou sobre a Tia Matilde que morreu assassinada  pelas mãos do marido, em defesa da honra dele. Ninguém falava sobre eles. Apenas as poucas fotos em um álbum escondido na casa de sua avó.  Rafa morria de medo de uma reação semelhante a essas, caso soubesse sobre ela. Morria de medo de perder admiração deles, e pior, morria de medo que eles se afastassem dela, a rejeitassem, a privassem deles. Rafa não sabia o que faria, sem as ligações de sua mãe nas horas mais inconvenientes possíveis, sem as graças do pai, sem as mensagens de seu irmão ao longo da semana, com fotos de seus sobrinhos ou piadas sem graças. O coração dela apertava, só de pensar em perder tudo aquilo. Era mais fácil se esconder, como fez a vida toda.

         Lembrou-se da primeira vez que se sentiu atraída por uma mulher. O nome dela era Melissa, ela era adorável. Se conheceram na escola, quando ambas tinham 13 anos. Se davam muito bem e estavam sempre juntas. Um dia Arthur, um menino da sala delas, provocou as duas, dizendo que pareciam um casal de "sapatão", por estarem sempre juntas e nunca se desgrudarem. Rafa gelou na hora, não sabia como reagir. Então levantou a voz para Arthur, dizendo que não eram, jamais seriam. E Arthur disse que, se não eram, para ela provar. E Rafa beijou Arthur, sem nem pensar, foi o primeiro beijo dela. Rafa nunca soube se Melissa sentia-se da mesma forma que ela, mas aquilo de certa forma, fez com que as duas se afastassem aos poucos. Talvez Melissa também tivesse ficado constrangida. A amizade das duas não sobreviveu aos próximos meses. Depois disso, Rafaella tomou o cuidado de se policiar e se afastar de qualquer menina que despertasse esse tipo de interesse, tanto na escola quanto na faculdade. Até se mudar para São Paulo e se afastar um pouco dos Kallimann's. Em São Paulo ela se permitiu um pouco, finalmente. Não teve nenhum relacionamento profundo com nenhuma mulher, antes de Gizelly. Namorou uns meses uma atriz também hétero. Então foi fácil, já que ambas concordavam em dividir esse segredo. Agora, com Gizelly seria mais difícil. 

         Rafa observava Gizelly passar manteiga em um pedaço de pão, enquanto as duas tomavam café da manhã em silêncio. Não sabiam muito bem o que falar uma para outra. 

      - Por que você nunca me contou sobre eles? - Rafa perguntou, quebrando o silêncio. Gizelly deu os ombros. 

      - Não achei que eu tivesse uma relação com eles ainda. - Gizelly respondeu sem olhar para Rafaella que ergueu as sobrancelhas. 

      - Mas eles foram e são importantes para você, não entendi porque você nunca falou nada. Eu sempre te dei espaço para falar sobre eles....  - Gizelly respirou fundo, levando os olhos para os de Rafaella. 

       - E você fala de todas as pessoas importantes da sua vida? 

       - Claro! - Rafaella respondeu sem pensar. 

       - E porque nunca falou de mim para a sua familia? Nem como amiga, nem nada. Todas as vezes que sua mãe ligou sem parar.... Você nunca disse que estava comigo, sempre falou que estava sozinha- Gizelly disse a última parte de forma seca, se tivesse esfaqueado Rafaella com a faca sem ponta, teria doido menos. 

       - É complicado. Você sabe. - Rafaella disse olhando para as migalhas de pão na mesa.

       - Pois é, para mim também é. - Gizelly concluiu soltando o pão - Perdi a fome. 

       - Não é como se eu não quisesse falar de você... - Rafaella disse voltando o olhar para Gizelly, fazendo com que Gizelly a olhasse de volta. 

       - Para mim, é muito claro que é isso sim. Você não quer que ela saiba de mim. Não tem intenção nenhuma, não é verdade? - Gizelly disse fuzilando Rafaella com o olhar.  

       - Do que você está falando? 

       - As vezes eu acho que você ta comigo, mas que logo, logo não vai mais estar. Assim que sua mãe disser que faz muito tempo que você não fala de nenhum cara. 
 
       - Da onde veio isso agora? Você nunca pareceu se importar  com nada disso, nem se era ou não era  um segredo. 

       - Porque eu morro de medo de ser só um segredo. Nada mais do que isso. Morro de medo que você se canse...

        - Eu acho engraçado que esse "sentimento" só apareceu depois que você reencontrou com a Marcela. - Rafaella concluiu com raiva, Ignorando as aflições que Gizelly estava trazendo a tona. Gizelly abriu a boca com raiva. 

        - Talvez porque ela tenha me lembrado que eu não preciso estar com alguém que tem medo de dizer que está comigo. - Gizelly disse ríspida, na intenção de atingir Rafaella. E conseguiu. 

       - ... Ou porque você só quer uma desculpa para correr de volta para a cama dela. Você ta com saudade da chave de perna dela? 

       - Sabe? Ela realmente sabe como fazer uma chave de perna... - Gizelly disse provocando Rafaella, que ficou puta. 

        - Sabe tanto que não se contenta só com você. - Rafaella cuspiu como veneno ao presumir que, pela discussão da noite anterior, elas tinham terminado por algum motivo que levou a uma traição, ou algo semelhante. Tocou em uma ferida de Gizelly que nunca cicatrizou de verdade. Marcela era só uma parte desse sentimento. Gizelly nunca se sentiu suficiente para ninguém e ver Rafaella dizendo aquilo, só para machuca-la, a devastou. Sentiu seus olhos encherem de lágrimas raivosas. Não acreditava que Rafaella tinha dito aquilo. Gizelly se limitou a levantar-se da cadeira, sair da mesa e subir para o quarto. Rafaella permaneceu sentada, sem realmente entender o que havia acontecido. Ela queria sim machucar Gizelly, mas não tinha ideia do que tinha pisado. Não tinha ideia do que aquilo representava para Gizelly. Se tivesse, não teria dito. Rafa esperou um pouco e decidiu seguir Gizelly, apenas para ver ela descendo as escadas como um foguete com sua bolsa de mão imensa, que tinha trazido para a casa de Rafaella, antes do evento. - Aonde você vai? - Rafaella perguntou confusa. - Vai fugir? 

      - Não Rafaella, eu só não quero ficar no mesmo lugar que você hoje.....- Rafaella segurou o braço de Gizelly, fazendo com que ela a olhasse. Nunca viu um olhar tão raivoso e ferido, seus olhos estavam tão vermelhos que Rafa ficou assustada. 

      - Gizelly.... o Que? 

     - Me solta - Gizelly disse puxando o braço e indo até a porta.

     - Mas que besteira! Olha o drama que você ta fazendo.... Por uma besteira, não sabe conversar? Tem que ir embora sem resolver nada? É assim que você resolve as coisas? Não me admira em nada que a...  - Gizelly parou na porta e virou o corpo para Rafaella. Com um olhar que ela não conseguiu entender. Avançou para cima de Rafaella tão rápido, que a única reação dela foi se curvar ao encostar as costas na parede, deixando as duas quase  do mesmo tamanho. Nunca viu Gizelly com tanta raiva. 

    - CALA A BOCA - Gizelly gritou com o dedo indicador próximo ao rosto, tinha vindo tão rápido e tão forte para cima de Rafaella, que Rafa achou que Gizelly fosse bater nela. Mas ela só parou a milímetros do rosto de Rafaella  deixando seus narizes tão próximos, que se fosse em outro momento, Rafaella estaria queimando de tesão - VOCÊ NÃO FAZ IDEIA DE PORRA NENHUMA, SUA PATRICINHA, VOCÊ NÃO FAZ IDEIA DE NADA FORA DO SEU MUNDINHO DE BARBIE. - Gizelly praticamente vomitou as palavras. Se afastando ao reparar no olhar assustado de Rafaella. Aquele olhar foi um gatilho para ela. E ela se lembrou na hora do seu pai. Esse sentimento foi horrível, sempre tinha se prometidoque jamais agiria como o seu pai. E lá estava ela, sendo exatamente ele, tão agressiva quanto ele, tão irracional e violento. Precisava se afastar daquilo. Deu passos para trás e Rafaella não se mexeu. Estava tão confusa quanto Gizelly. Gizelly queria pedir desculpas, mas assim como sua mãe, ela não sabia como fazer. Tudo que ela fez foi se afastar e sair do apartamento o mais rápido possível. Queria fugir dali. Não queria se tornar seu pai. 


      Elas não conversaram durante aquela tarde e nem durante a noite de domingo. Ambas tinham muita coisa para absorver. Gizelly optou por se desligar. Estava com vergonha e com medo das suas reações. Chorou um choro desesperado, como chorava quando tinha oito anos, após as inúmeras brigas de seus pais. Estava assustada com ela mesma, estava assustada com a violência que morava dentro dela. Queria falar com alguém, mas nenhuma amiga dela sabia sobre ela e a Rafa, e ela não queria ser uma daquelas amigas que esconde um relacionamento e só aparece quando dá merda. Era melhor que ninguém mais soubesse, lidaria com isso só ela. Por mais que Rafa não quisesse que ela contasse sobre elas para ninguém, foi uma escolha pessoal de Gizelly não contar. Se arrependeu agora mais do que tudo, chorando ainda mais  ao perceber como estava sozinha. Mais uma vez. 
    Segunda-feira, estava uma loucura no escritório. E decidiu dar uma atenção especial a um dos casos voluntários que ela tinha decidido trabalhar. Era sobre um menino negro da periferia, que estava no trabalho, na zona oeste da cidade, na hora em que um moço tomou um tiro na zona norte. Ninguém soube explicar como a policia ligou Rubinho ao assassinato de Lucio. E ninguém estava interessado. Era apenas mais um menino negro, que por mais que não tivesse ligação com aquele ato, com certeza teria envolvimento em outro. Então, um bandido a menos fora de circulação, não é mesmo? Gizelly ficou possessa. E ainda mais puta quando ouviu o relato da mãe de Rubinho. A "justiça" era cretina demais. Seu coração apertou ainda mais quando ela viu Rubinho pela primeira vez. Um garoto cheio de sonhos abatido e desacreditado, trancafiado em uma cela sem nem ter tido julgamento, implorando para ela lhe dar uma chance de se defender, implorando para que ela o ajudasse. O Juiz simplesmente tinha arquivado o caso, extremamente suspeito. O faro de Gizelly não se engavana e aquilo fedia a peixe grande. Mas ela não tinha medo, muito pelo contrário, Gizelly estava com sede. E faria de tudo para que Rubinho tivesse um julgamento junto. Ligou para uns contatos explicando a situação. Ela iria até o final.

    Rafaella não conseguia se concentrar para a gravação do conteúdo no canal, precisavam gravar e editar ainda hoje, para que o video saísse as 21h daquela noite, como de costume nos pós eventos. Sua cabeça ia e voltava, pensando em Gizelly. Queria entender o que aconteceu, e o porque da reação assustadora que Gizelly teve. Mas ela não sabia como deveria procurar por Gizelly. Pela primeira vez sentiu falta de não conhecer nenhuma amiga dela, que pudesse lhe explicar melhor o que ela não conseguia entender. Mas a única pessoa que Rafaella sabia que conhecia Gizelly como a palma da mão, era Marcela. E, definitivamente, não procuraria a ajuda de Marcela. Respirou fundo, tentando mais uma vez afastar aqueles pensamentos, precisava se focar. Encarou a câmera quando Renan fez sinal de positivo, para que ela começasse a falar. Rafaella abriu seu sorriso encantador e começou a falar para a a câmera, como se estivesse conversando com uma pessoa, contando sobre o evento, as pessoas, as fofocas e, claro, sobre Estevão Cabral. 
   

    
 

   

Ainda sem quererOnde histórias criam vida. Descubra agora