O evento ainda não tinha acabado quando Rafaella e Gizelly dividiam um uber até o apartamento de Rafaella. Por alguma razão, Rafaella se sentia extremamente cansada naquela noite. Normalmente, sentia prazer em ficar até o final, conversar com todo mundo, observar bem os músicos, tudo o que pudesse captar para ter um conteúdo a altura em seu canal, mas a noite tinha perdido um pouco do gosto e não demorou muito para que Rafa voltasse para a mesa e convidasse Gizelly para ir embora com ela. Ambas estavam bem caladas e não sabiam direito como conversar uma com a outra. Era a primeira vez que aquilo acontecia.
Normalmente, não viam a hora de chegar ao apartamento para se amassarem uma na outra, até amanhecer do dia. O sexo era sempre carregado de vontade, saudade e disposição, já que elas não se encontravam regularmente. A semana de Gizelly era sempre uma correria, e os horários de Rafaella eram sempre muito loucos. Ela estava quase sempre viajando ou indo a reuniões com empresários e artistas do meio, passava muito tempo em Goiânia também. Dedicavam-se, ao máximo, para se encaixar no meio da bagunça toda que era a agenda de Rafaella. Rafa tinha consciência de que Gizelly se esforçava muito mais do que ela, afinal a rotina dela era praticamente fixa, de segunda a sexta saía as 7h30 da manhã e chegava em casa por volta das 19h e Rafaella nunca conseguia ter horário certo para nada, era sempre uma loucura. Mas naquela noite existia um peso esquisito entre as duas. Conversas que deviam ter acontecido a muito tempo, agora estavam pairando no ar, deixando as energias pesadas. Era muita informação não dita, não contada. Foi um erro fingir que nenhuma das duas tinha tido um passado. Rafaella entendia isso agora. Não adiantava não falar sobre coisas que apareceriam de surpresa em algum momento. Rafaella olhava discretamente para Gizelly que estava perdida em pensamentos enquanto olhava a janela. Rafa tentava não imaginar Gizelly sonhando com Marcela. Mas era extremamente difícil. Tinha muita coisa que ela não sabia. Aquilo estava deixando ela doida.Quando o carro entrou na avenida Paulista, Gizelly moveu-se no banco para observar as luzes que cobriam os prédios na avenida, que era um dos cartões postais da cidade que nunca dormia. Ela sempre se encantou com a vivência e o espirito daquela cidade. Faltava quase um mês para o natal e grande parte dos prédios já estavam enfeitados, como luzes que brilhavam a noite inteira na Avenida Paulista. Aquela avenida tinha um certo charme para ela e definitivamente um significado especial, ela ainda se lembrava da primeira vez que saiu do metrô, na estação Brigadeiro, e deu de cara com todas aquelas pessoas andando apressadas e atrasadas para ir ali ou aqui. Foi a primeira vez que se sentiu livre. Ela poderia ser quem ela quisesse ser, ali ninguém se importava. Sentia que, se estivesse de pijamas, as pessoas nem mesmo notariam, ou se notassem, claramente não ligariam. Um homem expunha uns desenhos na parede de fora da estação. Desenhos do cotidiano daquela avenida sempre tão viva e com muita arte, todos os desenhos eram muito parecidos mas retratavam coisas diferentes. Um, em especial, atraiu o olhar de Gizelly. Era uma cena de chuva, devia ser inverno, porque a mulher estava com um blusão e um guarda-chuva vermelho, o desenho era praticamente todo em tons de cinza, mas o guarda-chuva vermelho ressaltava dando uma vida e significado ao desenho, a mulher olhava para o lado e sorria, se você observasse bem, pequenos detalhes de cores bem claras davam vida a mulher. Na frente dela, o sinal de pedestre estava verde, bem pequeno, também destoando um pouco no meio do cinza. Para Gizelly, aquilo significou dois caminhos. Ela podia seguir reto e atravessar a rua, e mergulhar no cinza, se tornar cinza e aquela escolha talvez também trouxesse alguma nova cor para a vida dela, um verde discreto, uma cor que ainda não pertencia a ela. Ou esperar seja lá o que estava esperando, mas que a deixava feliz e viva, porque o guarda-chuva era vermelho sangue. Forte. Mas ela aguardava, ainda assim esperava. O que será que esperava? Gizelly se sentia assim naquela ocasião. O que ela estava esperando?
Perdida em lembranças e pensamentos, Gizelly se lembrou do desenho. Que agora estava pendurado em sua sala, no escritório que trabalhava. Aquele desenho foi a primeira coisa que comprou em São Paulo e definitivamente, a sua preferida. Gizelly sentiu quando Rafaella pousou a mão em seu joelho. Gizelly voltou os olhos para Rafa.
- No que você está pensando? - Rafa perguntou curiosa, mas tentando parecer o mais natural possível. Gizelly sorriu de forma doce para Rafa.
- Em umas lembranças.... - Gizelly disse sem saber do peso que aquela frase teria no coração de Rafa. Ela se referia as lembranças dela chegando em São Paulo, mas Rafa imediatamente remeteu aquelas palavras a Marcela. Rafa sentiu o coração pesar e algumas lágrimas se formaram no canto dos olhos. Gizelly não notou porque voltou seus olhos para a um papai noel imenso desenhado com luzes de neon. Ela achou meio brega e sorriu divertida. Aquele sorriso foi a morte para Rafa. O que estava acontecendo? Ela não aguentava aquele sentimento. Odiava sentir ciúmes, odiava sentir aquelas coisas, porque tudo isso a cegava. Ela morria de medo de ficar agressiva de novo. Morria de medo de dizer a coisa errada. Então não disse nada.
Ao entrar no apartamento duplex de Rafaella, bem no coração da Alameda Campinas, Gizelly respirou fundo e se sentiu em casa. Rafaella a abraçou por trás e beijou o pescoço de Gizelly, antes mesmo de fechar a porta. A língua de Rafaella fazia o caminho desde o começo do pescoço até o lóbulo da orelha de Gizelly que pressionou a nuca de Rafaella, puxando seus cabelos. Rafa virou Gizelly de frente para ela e buscou os lábios dela na mesma hora com urgência, entregando-se a um beijo profundo, enquanto suas línguas travavam uma batalha por encontros e espaços. Rafaella sentia que perderia Gizelly a qualquer minuto, então abraçou o corpo dela com tanta intensidade, que se fosse possível, teriam fundido seus corpos em um. Ela começou a beijar Gizelly de forma forte, quase bruta. Como se tivesse andando a dias em um deserto, e finalmente avistasse uma garrafa com água. Não que Gizelly não estivesse gostando daquilo, quem é que não gosta de se sentir desejada assim? Mas sabia que aquilo poderia estar saindo de uma área nova com um sentimento errado. Rafaella sempre se entregou para Gizelly com força total, mas nunca de uma forma agressiva. Ela passava a mão por todo o corpo de Gizelly, cada vez aplicando um pouco mais de força ao apertar as partes do corpo.
- Calma, não precisa ter pressa - Gizelly disse entre beijos, enquanto Rafaella puxava seu vestido para cima, afim de conseguir se encaixar entre as pernas de Gizelly. -eu não vou a lugar nenhum, meu amor...
- Será? - Rafa soltou de uma forma meio fria, sem pensar. Que merda. Gizelly congelou na mesma hora, parando de corresponder o beijo e se afastando dos lábios de Rafa enquanto a olhava firme nos olhos. Rafa, ofegante, ainda tentou recomeçar o beijo caçando o lábio de Gizelly, mas só conseguiu morder o lábio inferior, o puxando sem querer quando Gizelly afastou a cabeça e empurrou Rafaella de leve, tentando se desprender do abraço forte - O que foi? - murmurou como se não soubesse.
- O que foi digo eu. - Gizelly respondeu de forma fria também. - O que você quer dizer com esse "será"? - Rafaella bufou revirando os olhos e soltando Gizelly de seus braços, permitindo que ela se afastasse. Tinha acabado o clima total, porque ela simplesmente não ignorou? Mas ela sabia que a parte Ariana dela queria buscar uma briga que não precisava acontecer naquela hora.
- Ah Gizelly. - Rafaella disse passando as mãos no rosto. Enquanto Gizelly arrumava o vestido de novo - Eu estou cansada, vamos falar disso amanhã, por favor. - Rafaella disse desistindo de continuar e se direcionando para a escada.
- Para transar você não ta cansada, né? - Gizelly soltou puta. - Do que você estava falando, Rafaella?
- Eu estou cansada para Brigar, Gizelly.... - Rafaella disse brava, voltando a encarar Gizelly. Era mentira. Ela estava louca por uma briga desde que tinha visto Marcela e Gizelly conversando naquele cantinho escuro. Mas ao mesmo tempo, estava com a cabeça fervendo, e ela geralmente sempre dizia coisas e se arrependia depois quando estava assim, não queria que isso acontecesse.
- A gente não precisa brigar, Rafa. - Gizelly disse de forma diplomática. - Mas a gente precisa sim conversar, não vou transar com você soltando esses comentários desnecessários.
- Eu não quis dizer nada.... - Rafaella disse na tentativa de encerrar o assunto.
- Você quis sim. O que você "não quer dizer" você está dizendo com os olhos exatamente agora. Só que eu não sei ler mentes, Rafaella. O que você ta pensando? O que você ta sentindo? O que você quer saber?
- O que eu to pensando? Eu to pensando se você queria mesmo estar aqui agora. - Rafaella cruzou os braços e se recostou na parede antes da escada. - Se queria estar comigo. - Gizelly a olhou incrédula. Sabia o que ela estava querendo dizer, só não acreditava que tivesse coragem de insinuar isso.
- E com quem mais eu gostaria de estar?
- Com a sua familia que você nunca contou a respeito.... com ela. - Rafaella não quis falar o nome de Marcela, mas ela não precisava. Gizelly observou o olhar machucado de Rafaella e caminhou até o sofá. Rafaella a seguiu, mas se sentou na poltrona. Um pouco distante.
- Eu queria que as coisas fossem tão simples quanto você acha que são.
- E porque elas não são? - Gizelly respirou fundo.
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Ainda sem querer
Romansa(Au: gicela/girafa) Gizelly, Marcela e Rafaella precisam enfrentar suas questões e dificuldades pessoais. Enquanto a vida se encarregará de entrelaçar o caminho das três, mais uma vez. Você pode correr, mas não pode se esconder do que precisa ser...