Capítulo 13

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     Rafaella estava sentada na mesa do quintal da casa de sua mãe. Pegaria o avião de volta para São Paulo as 20h do dia 25 de dezembro, mas não se sentia animada em voltar. Segurava o isqueiro roxo da Bic, que alguém tinha esquecido na mesa de madeira, rodando a roda dentada que ativava o fogo, mas sem pressionar a  base vermelha, que mantém a chama acesa. Com essa ação, gerava apenas faíscas e uma pequena fumaça cinza que saiam da boca do isqueiro. Era assim que Rafaella se sentia naquele ultimo mês, desde a primeira briga com Gizelly. Apenas fumaça e faísca. Nunca, em toda a sua vida, tinha se sentido tão vazia.  

    Tinha atendido a ligação de Gizelly por volta do meio dia. Ela estava com voz de ressaca, pediu desculpas pelo descaso com o celular e a falta de cuidado que teve. Pediu desculpas inúmeras vezes, ao mesmo tempo que dizia o quanto amava Rafa e como estava com saudade. Rafa respondeu, dizendo que estava tudo bem. Que conversariam melhor quando chegassem em São Paulo. Estava chateada com Gizelly, mas a raiva e a vontade de brigar já tinham ficado pela madrugada. Agora ela só sentia decepção. Não estava com tanta vontade de continuar aquela ligação, por isso não se prolongaram muito. Gizelly percebeu a estranheza na voz de Rafaella, mas se ela não queria conversar naquela hora, não adiantava forçar. Se despediu, dizendo que precisava arrumar suas coisas antes de ir embora, teria que enfrentar uma viagem longa de quase 7h até São Paulo. 

   Gizelly não contou como iria voltar para São Paulo, mas Rafaella sabia que ela iria de carro com Marcela. Fazia sentido, já que ambas moravam na mesma cidade. Estevão, provavelmente voltaria com elas também. Rafaella preferiu não perguntar e Gizelly decidiu não contar. E assim se despediram, prometendo se avisar quando chegassem na capital.   

   Por mais que tentasse, Rafa não conseguia entender a obsessão e a vontade que Gizelly sentia em estar próxima a Marcela o tempo todo, não conseguia compreender a necessidade de te-la em sua vida. Aquilo a feria profundamente. Acordou reflexiva sobre isso. Pensando no "se e o que" valiam a pena naquela situação. Sentia que  amava Gizelly, mas não suportava pensar na ideia de ter que dividir Gizelly com Marcela. Cada dia que passava, tinha mais ciência de que Marcela seria uma constante, alguém que voltou para ficar, ou que nunca realmente sequer havia saído.  

   Por mais que Gizelly jurasse não haver mais nada romântico entre ela e Marcela, Rafaella sabia que essas coisas não desapareciam. Elas ficavam a espreita, fantasiadas de outras coisas, outros sentimentos. Uma vez que você abre uma passagem como esta na vida de alguém, ela se torna uma porta. Por mais que esteja fechada, trancada ou selada, uma porta é sempre uma porta. É sempre uma entrada que pode levar para outro lugar, ou um atalho para um caminho já explorado.

   Só a presença do "fantasma da dúvida" sobre o estado desta porta, já era o suficiente para deixar Rafaella a flor da pele.  A pior parte era que ela nunca saberia, realmente, qual o estado que a porta se encontrava para Gizelly. Talvez fosse uma porta de ferro, fechada com as barras que Gizelly jurava manter. Mas e se for só uma cortina de conchinhas? E se a Gizelly, com todo o seu discurso sobre a "representatividade de Marcela em sua vida" estivesse, na verdade, tentando se convencer? Será que ela tem toda essa certeza que ela diz ter? Talvez ela não tivesse ideia, talvez ela estivesse tão carregada de dúvidas quanto Rafaella estava.    

   Rafaella  tentava colocar Marcela na posição de "Melhor amiga/irmã/prima" que Gizelly sempre fazia questão em frisar, mas não conseguia se desvincular do  rótulo de "EX". Era como se houvesse um letreiro escrito na testa de Marcela: "Eu já sentei". Rafaella, simplesmente, não conseguia deixar de lado. Então se deu conta, pela primeira vez, de que mesmo se Marcela fosse hétero,  mesmo se as duas nunca tivessem tido qualquer envolvimento amoroso, ainda assim Rafaella sentiria ciúmes de Marcela. Porque, ainda assim, Marcela ocuparia um lugar que Rafaella nunca conseguiria alcançar. Não entendia porque sentia o que sentia. Por que Marcela despertava isso em Rafaella? Da onde vinha todo esse peso sentimental? 

Ainda sem quererOnde histórias criam vida. Descubra agora