15 - Um Índio

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Essa é uma daquelas histórias que a gente nunca sabe como aconteceu e se realmente aconteceu. Essas cidades são muito misteriosas, cheias de segredos e figuras sombrias no meio da noite.

- Preciso encontrar os caras! Pensei enquanto descia por uma pequena viela com escadas que deram na rua atrás do cemitério. Logo ao sair da escadaria ouvi vozes. Na verdade uma única voz. E era conhecida. Virei a esquina e me deparei com a cena mais estranha possível. O Karuma permanecia parado no meio da rua, sozinho, tentando tatear algo no meio do ar. Vinha com as mãos procurando encontrar apoio.

- Que porra é essa, Karuma?

- Led, é você? Perguntou confuso.

- Claro que sou eu, tá doidão?

- Pior que estou, Led. Caralho, não tô enxergando nada!

- Eita! Vem cá, senta aqui. Que foi que você fez?

- Mano, tava com a mina lá, a tal Tabata. Mas ela foi no banheiro e acho que nos perdemos. Procurei o resto da galera e não achei. Foi quando resolvi procurá-los na cidade. Andei até a praça da igreja e nada. Resolvi sentar um pouco e acender um cigarro, foi quando ouvi uma voz me chamando. Olhei em volta, nada. Quando ouvi de novo, olhei para o alto, em cima da pedra do navio tinha um cara sentado olhando para mim na praça. Mano, você não tem ideia. Parecia aqueles apaches do desenho do Pica-pau, tá sabendo? Era o índio que estava olhando para mim do coreto mais cedo!

- E o que ele queria? Perguntei ajudando meu amigo a se sentar.

- Até então, nada. Aí eu perguntei pra ele, se tinha visto um cara magro e alto, com cabelo moicano e roupa de punk.

- E ele?

Amigos, devo fazer uma pausa para tentar reproduzir fielmente o que ouvi de Karuma naquele dia. O dia que mudou a vida dele. Que o transformou no cara que vocês conhecem hoje. Ele disse exatamente desse jeito:

"- Talvez, mas não é exatamente isso que você procura. Respondeu o índio.

- Na verdade era isso mesmo que eu procurava. Brother.

- E o que todos procuramos, senão saber a verdade?"

- Led, confesso que na hora até ri, eu estava meio louco e perguntei pro índio.

"- Está legal, pajé, qual é a verdade da vida então?

- Meu nome é Guaraci. Cavaleiro de Tumã, pai de Célia Ponciato e guardião do Livro dos Tumanistas. Espero por você há muito tempo."

- Led, você sabe que sou bem medroso, mas tinha algo naquele índio sentado, que fiquei ali, meio que esperando o que tinha a falar.

"- Suba aqui, garoto. Tenho algo a te falar. Pediu o índio.

- Eu não sei não, pajé. Eu preciso procurar os meninos.

- Eu sei dos sonhos que você tem.

- Todo mundo tem sonhos, tio.

- Eu sei daqueles sonhos, Karuma. Dos monstros gigantes, dos seres se arrastando atrás de você. E também sei de seu terrível medo das coisas que não conhece."

- Led, eu nunca contei esses sonhos pra ninguém!

- Mas que sonhos são esses?

- Acontece sempre do mesmo jeito, eu estou com vocês, e um monstro enorme aparece destruindo tudo, derrubando árvores e subindo a montanha. Sonho com isso desde criança.

- Ué, mas você não conhecia a gente quando era criança.

- Essa é outra parte esquisita dos meus sonhos. De toda forma, o índio sabia dos meus medos. Então subi na pedra e sentei ao lado dele.

"- Que mais você sabe, pajé?

- Sei também da luz que aparece saindo de você nos sonhos."

- Led, essa parada da luz saindo da minha barriga nos sonhos é muito estranha. E sempre aconteceu também.

- Estranho, Karuma. Comentei.

"- A verdade vai se mostrar para você, garoto. De onde você veio, quem é você. Quem é teu pai e qual é seu papel no universo. Mas precisa ter bom coração e ser muito valente!

- Está aí uma coisa que tenho, um bom coração, seu Guaraci. Mas valentia, essa vou ficar devendo."

- Mas você não falou que conhecia seu pai? Perguntei.

- O cara que sempre falo é meu padrasto. Meu pai eu nunca conheci, e minha mãe não fala dele de jeito nenhum.

"- Vejo que é bem jovem, tenho que advertir que esse é um caminho sem volta.

- Jovem pra quê?

- Para a nomeação. Você é um Cavaleiro de Tumã.

- Cavaleiro de quem? Olha, brother, a conversa está boa mas...

- Sente aí! Bradou o índio."

- Eu já estava morrendo de medo, doido pra sair correndo, mas algo me prendia ali. Uma vontade de saber mais do que aquele velho me dizia.

"- Já que estou aqui, vamos lá.

E sentei ao lado do índio, primeiro fizemos uma meditação, depois ele me fez fumar seu cachimbo, puta cachimbo fedorento, mas deu uma brisa legal. Depois subimos a montanha. Lá ele acendeu uns gravetos, tirou uma garrafa de água do seu manto, depois fez uma espécie de chá.

- Este é o chá da verdade absoluta. Tem certeza que deseja conhecê-la?

- Orra, já subi essa montanha toda, agora quero tomar essa parada.

- Led, você não tem noção. Eu e o índio sentados em cima da montanha olhando para as estrelas, tomei o tal chá. Na hora nem senti nada, mas de repente, comecei a viajar na minha cabeça, meu amigo. Vi um homem todo machucado chegando com um cavalo. Depois vi um elevador descer do céu e um homem bigodudo falando com o sujeito do cavalo. E não havia nada nessa cidade, só a pedra do navio. Depois, como um filme passando em minha frente, vi cada construção ser levantada, as pessoas chegando, a cidade se formando. Vi uma guerra acontecendo, um assassinato na praça da igreja, alguns fantasmas dançando, uma mulher vestida de branco chegando à cidade toda ensanguentada, no meio de um casamento. Sei lá, cara, vi tanta coisa em tão pouco tempo que minha vista cegou. E não consigo ver nada."

- E o índio?

- Sumiu.

Eu olhava o Karuma e não acreditava na viagem maluca que ele tinha feito na mente dele, cheguei a ficar com inveja da sua loucura. Mas a verdade é que ele realmente não enxergava nada mesmo naquela hora.

- Calma, Karuma. Você está muito louco. Logo passa.

E realmente passou, em poucos minutos o meu amigo foi recobrando a vista, busquei uma garrafinha de água para ele e em uns momentos já estava normal.

Voltamos pela rua de cima para arena e estávamos quase chegando quando vimos o carioca bombado perto do caronte negro. Ficamos escondidos atrás de uma Kombi para ver o que ele iria fazer. O filho da puta pegou merda de cachorro no chão com um graveto e jogou bem no capô do carro. O Karuma ia gritar, mas eu falei:

- Deixa, deixa ele ir. Vai ter troco.

- Vai ser a guerra do bombom! Proclamou o Karuma.

Imediatamente arquitetamos nosso plano para eles, mas seria somente quando fôssemos embora para São Paulo. Tiramos o "presente" deixado pelo rapaz do caronte e voltamos para a arena.

- Se fosse em um carro comum, deixaria pra lá, mas no caronte negro, a barca da morte da Zona Leste de São Paulo, não podemos deixar no zero. Continuei.

- O Urubu vai ficar doido. Disse o Karuma.

- O plano é bom, só precisamos achar um balde.

- Puts, eles vão ficar fudidos.

- Mas pensa, a cara deles quando virem o troco.

- Há há, temos que filmar! 

Funerária do RockOnde histórias criam vida. Descubra agora