A cidade permanecia quieta e tranquila, a maioria dos turistas já tinham deixado a montanha, rumos às suas vidas comuns e tediosas. Sentamo-nos na escadinha do coreto para pensar em tudo o que havia acontecido. Nicole permanecia um pouco distante numa conversa muito séria com o pai. Urubu, depois de um banho de mangueira, estava sendo atendido no postinho de saúde pra saber se algo tinha quebrado na sua cabeça maluca. King e Caetano resolveram subir até o Farol do Mirante para se despedirem. E eu fiquei ali, com o Karuma, pensando no sentido que minha vida deveria tomar dali para frente.
- E se fossem monstros submarinos?
- Tipo O Chamado de Cthulhu?
- É.
- Depende...
Nós dois rimos. Éramos assim e seríamos ainda por muito tempo. É engraçado como a gente pensa que as amizades do colegial vão durar pra sempre não é mesmo?
- Quando eu estava preso àquela cadeira com aquele velho pronto para nos matar, pensei muito no meu pai.
- É, brother. Essas paradas sinistras fazem a gente pensar muito nas coisas que a gente não dá valor.
- Fiquei lembrando das coisas idiotas que ele sempre me diz. E pensei muito no quanto essas coisas não eram tão idiotas assim. Nicole ficou sem o velho dela por dez anos. Eu não aguentaria dez dias sem o meu.
- Qualquer dia eu quero conhecer meu velho também. Disse Karuma acendendo um cigarro.
- Mas você não disse que cresceu com seu pai?
- Era meu padrasto, mas meu pai mesmo, nunca vi. Minha mãe não fala sobre ele.
Estava disposto a voltar pra São Paulo e tentar melhorar a relação com meu velho e com meu irmão. Logo eu faria vinte anos, não dá pra ser babaca a vida toda. Estava na hora de parar de pensar só em mim e perceber que meu pai estava ficando velho aos poucos, precisava aproveitar o tempo com ele. Era hora de amar mais minha família também. E por falar de amor, comentei com Karuma:
- Queria muito poder ver a Verônica mais uma vez.
- Pois era isso mesmo que eu ia te falar agora. Olha só ela subindo a rua. Respondeu meu amigo apontando para a moça passando com sua amiga, indo em direção à estação de trem.
- Verônica! Balbuciei quando ela passou por mim sem me ver.
- Leandro! Nossa! Disse, enquanto eu me levantava para receber seu abraço, seguido de um beijo terno.
Por um segundo imaginei que ela não iria me beijar. Sabe-se lá. A pessoa talvez tenha pensado melhor, visto que eu não era exatamente o que ela imaginava na hora. Bateu-me uma insegurança que imediatamente foi derrubada por seu abraço quente naquele fim de tarde que já começava a esfriar. Olhei bastante o seu rosto, à luz do dia ela ficava mais linda. Seus olhos, sua boca. Tudo confluía para que eu soubesse ser ela a dona da minha história.
- Tivemos um monte de problemas. Disse enquanto ela sentava ao meu lado.
- Eu já devia ter ido embora com meu irmão, mas fiquei preocupada. Senti uma coisa ruim. Um sentimento de dor. Resolvi ficar mais um dia pra ver se te via. Até pedi para uma estrela cadente para te ver mais uma vez.
- Quem sabe não foi seu pedido que me fez estar aqui, não é? Concordei sorrindo.
- Jura que não vai me esquecer?
- Juro! Disse segurando o porquinho entalhado. Você vai comigo onde eu for!
Procurei Karuma e o vi em cima da Pedra do Navio. Fiz um sinal a ele e saí com Verônica pelas vielas estreitas, conversando, observando o sol, que logo iria se pôr.
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Funerária do Rock
Misterio / SuspensoCinco jovens da cidade grande encontram mistérios indecifráveis quando decidem assistir a um show de rock numa cidadezinha do interior.