Capítulo 10

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Da base da estátua do Cristo Redentor, no alto da montanha do Corcovado, Olívia podia ver o Rio de Janeiro todo. E a estátua, em estilo Art Deco, tinha os braços abertos, abraçando toda a cidade. A distância, ela podia ver a ponta da montanha do Pão de Açúcar, que se erguia do oceano Atlântico.
Mas enquanto a brisa perfumada fazia seus cabelos baterem sobre o rosto, Olívia olhava para Ian com olhos preocupados. Como a estátua, ele vinha sendo receptivo o dia todo, sempre de braços abertos para ela. Eles passaram pela feira hippie, em Ipanema, de artes e artesanato. Compraram uma nova coleção de biquínis, enquanto ele ignorou todos os seus protestos, puxando-a para dentro da loja, na praia de Copacabana. Ele a levou para almoçar numa churrascaria rodízio. Subiram o Pão de Açúcar, de bondinho.                                                             
E todas as vezes que ela o olhava, ele a estava encarando. Esperando.
Cada vez que seus olhares se cruzavam, dava uma sensação de um ataque em seu corpo inteiro, o que a deixava sem ar. Ele a tocava constantemente. A ajudava a sair da limusine. Segurava sua mão, enquanto caminhavam pelas ruas movimentadas.
E quando ela estava em pé, embaixo da estátua enorme, observando o pôr do sol, em seus tons vermelhos e alaranjados, ela sentiu Ian logo atrás. Ele passou os braços ao redor de sua cintura, puxando-a para junto de seu corpo.
E ela estremeceu. Apenas amigos, ela repetiu para si mesma, batendo os dentes. Apenas amigos.
— Devemos ir — sussurrou.
— Sim — concordou ele. — Depois que eu a beijar.
— Beijar...? — Os lábios dela se abriram, involuntariamente. — Mas você prometeu!
— Eu nunca prometi não beijá-la. — Ele afastou os cabelos dela, gentilmente, para cheirar seu pescoço. — Pode chamar de um beijo carinhoso.
Ela viu o interesse de alguns turistas que olhavam. Ela se virou nos braços dele, colocando as mãos em seu peito.
— Por favor, não...
Mas ele abaixou a cabeça até ela. Foi um beijo forte e faminto, tão poderoso e verdadeiro que era tudo que uma mulher poderia sonhar de um beijo. No topo do mundo, com o oceano azul e a beleza do Rio de Janeiro aos seus pés, ela sentiu os rostos dos turistas virando, diante da intensidade do abraço. Ela quase esqueceu onde estava. Perdida naquela onda sensual, ela mal notou os sorrisos de aprovação e os cutucões que os turistas davam uns nos outros, perto deles.
Ele a segurou carinhosamente, e ela sentiu as mãos dele em seus cabelos, descendo por seu maxilar, segurando-a como se ela fosse a coisa mais preciosa do mundo.
Quando ele recuou, olhou para ela. Havia uma intensidade em seus olhos que não deixava Olívia desviar o olhar.
— Você está com fome? — Ian perguntou.
Muita fome! Ela nunca sentira tanta fome na vida. Seus lábios tremeram.
— Eu...
Ele pegou a mão dela.
— Venha comigo.
O chofer os levou numa caminhonete preta, num passeio pela cidade. No banco de trás, Ian continuou a segurar a mão dela. Ele não a soltava. E a acariciava com o olhar. Do lado de fora, quando o céu começou a escurecer, assumindo um tom avermelhado, ela sentia o calor dele, como se fosse o sol ardente.
O motorista parou num restaurante elegante na praia de Ipanema. Ian a ajudou a sair do carro, depois a conduziu pasaando por uma fila de gente que esperava do lado de fora. O porteiro se apressou a abrir a porta.
— Boa noite, senhor Ian!
O restaurante estava cheio e, mesmo assim, eles imediatamente receberam a melhor mesa, posicionada do lado de fora, na varanda, com uma vista do pôr do sol vermelho que caía sobre as ondas da praia. Ela via as sombras das montanhas do Rio, em meio ao sol poente.
— Você está certo — disse ela, baixinho, olhando a vista.
— Esta cidade não se parece com nada que eu já tenha visto. Perigosa e bonita. — Ela olhou para ele, de canto de olho.
— Impossível de resistir.
Ele deu um gole em seu martíni sapphire, depois colocou a taça sobre a mesa.
— Fico contente que você pense assim.
Ela deu uma olhada para o prato. Ian pedira um prato típico brasileiro: camarão na moranga, que consistia em camarões gigantes cozidos em leite de coco e servidos numa abóbora escavada. Era delicioso. Ela saboreou cada garfada. Foi realmente uma experiência incomparável em sua vida.
Assim como ele...
Ela respirou fundo, ao tomar uma decisão.
— Ficarei até que os bebês nasçam — ela sussurrou. — Eu lhe dou minha palavra.
— Tá bom. — Os olhos dele rapidamente encontraram os dela. — Isso será melhor para todos.
Após o jantar, ao deixarem o restaurante, ela se viu suspirando.
— Foi um dia maravilhoso, Ian. — Ela deu uma risadinha. — Estou quase lamentando que esteja acabando.
Ele a puxou para seus braços, olhando para ela, com aquele brilho malicioso nos olhos.
— Nada acabou, querida.
— Mas está ficando tão tarde.
— A noite está apenas começando.

O antigo prédio de concreto abrigava a mais movimentada boate do Rio, próxima à favela mais perigosa da cidade. Ian não parecia preocupado, mas Olívia sabia que seus guarda-costas haviam insistido para esperarem do lado de fora. Principalmente seu segurança pessoal, Pedro Carneiro.
Olívia estremeceu. Ela sempre ficava nervosa perto de Pedro, provavelmente porque ele era tão parecido com seu irmão, que a atacara na favela. Mas Ian confiava nele. E, contra sua vontade, ela estava começanda-a confiar em Ian...
Ele a puxou para a pista de dança lotada. O prédio estava repleto de lindos jovens cariocas, todos dançando de forma provocativa. As mulheres vestiam vestidos curtíssimos e pouco mais para esconder suas curvas. Os homens eram fortes e brutos, sacudindo os quadris cheios de sensualidade. As luzes vermelhas iluminavam a sala cavernosa e suarenta, enquanto os músicos, estranhamente, começaram a tocar um tango argentino.
Ian a beijou na mão. Mas não foi um gesto de cavalheirismo. Ele manteve os olhos nos dela, segurando seus dedos, enquanto os lábios acariciavam sua pele, como uma promessa do que a noite guardava.
Um arrepio percorreu seu corpo.
Ele não tentará me seduzir, ela dizia a si mesma, desesperadamente. Ele prometeu.
Mas ao segurá-la em seus braços, apertando a mão na parte de trás de seu pescoço, ela não pôde resistir. Ao ritmo da música, cercado pela luz vermelha e envolto pela fumaça, ele a segurava em contato com seu corpo. Movimentando-se junto a ela. Sentindo a coxa musculosa entre as dela, um gemido escapou de seus lábios.
Ele curvou a cabeça até ficar a apenas alguns centímetros de distância dela. Quase encostando. E ela queria que ele a beija¬se. Queria muito.
No último minuto, ele desviou o rosto.
Quando a dança acabou, o corpo de Olívia estava pegando fogo, desde a ponta dos dedos, e das orelhas, até o pé. Seria possível morrer de tanto desejo por um homem, daquele jeito?
— Apenas amigos — ela sussurrou em voz alta, fechando os olhos. Sua respiração estava ofegante. —Amigos...
Ele ergueu seu queixo forçando-a a olhá-lo.
— Eu nunca quis ser seu amigo, querida. — Ele passou a mão pela lateral do seio dela, até sua barriga saliente, fazendo com que ela estremecesse desde os mamilos até o útero. — Você é muito mais que uma amiga.
— Sou? — sussurrou ela.
Ele se inclinou à frente, com o balanço da música.
— Case comigo, Olívia — disse ele, baixinho. — Vou tratá-la como uma deusa, por toda a vida.
Casar com Ian?
Olhando para ele, ela ficava mais tentada do que podia suportar. Por quanto tempo ela sonhara com isso, em ser estimada por IanLima, pelo lindo e poderoso bilionário a quem ela havia admirado, desde que se tornara sua secretária júnior?
Não havia sido uma piada, no dia anterior. Ele realmente queria se casar com ela. Olívia Jensen, de Flint, Pennsilvânia. De todas as mulheres do mundo, ele a escolhera para ser seu amor...
Seu amor?
Pensar nisso foi como um tapa no rosto.
Ele não a amava.
Apenas queria possuí-la. Ele queria que os bebês ficassem no Rio e queria que Olívia estivesse à sua disposição, em sua cama, quando ele a quisesse.
Esse dia, por mais perfeito que tivesse sido, fora apenas uma armação.
Ela fechou os olhos. Mas mesmo sabendo disso ela queria tanto dizer sim...
— Qual é a sua resposta, meu amor? — perguntou ele, acariciando seu rosto, enquanto a olhava nos olhos. — Vai me fazer o homem mais feliz do mundo? Vai concordar em ser minha esposa?
Ela piscou, lutando para recuperar o controle.
— Você não me ama.
— Deixe-me cuidar de você. Deixe-me mantê-la confortável e segura, para sempre. — Os olhos escuros percorriam o corpo dela. — Deixe-me lhe dar o prazer que você nunca conheceu.
O desejo de se render transbordava desesperadamente por seu corpo. Ela queria ceder. Não havia nada que quisesse mais do que ser a amada esposa de um bilionário que cuidaria dela e de seus filhos por toda a vida. Ian fazia sua pele pegar fogo. E quando sorria...
A palavra sim estremeceu nos lábios dela. Ela tentou lutar contra. Não poderia deixar que ele partisse seu coração.
Mas muitos playboys cresciam e se apaixonavam, e eram fiéis às suas esposas! Ela argumentava, consigo mesma. Se Ian não a amava agora, talvez, com o tempo.
O telefone dele vibrou no bolso, quase não dando para ouvir, por causa da música. Ele deu uma olhada para ver o número e a expressão em seu rosto mudou.
— Com licença — disse a Olívia. Dando as costas, ele falou ternamente ao telefone — Cátia...
E a deixou ali, em pé, na pista de dança.
Ela ficou parada, chocada, cercada pelo novo ritmo de uma nova música e casais sensuais que dançavam como se estivessem desesperadamente apaixonados. E o coração dela se desmanchou sob o peso da humilhação.
Ela quase vendeu a alma por um beijo.
Deus, como é que ela podia ser tão imbecil?
Mantê-la confortável e segura? Ian os manteria como brinquedos, numa prateleira, para pegar e brincar quando isso o divertisse. Ian viajaria pelo mundo, cuidando de seu negócio bilionário, e seduziria uma nova mulher a cada noite, esquecendo da família que tinha em casa!
Primeiro, ele havia interrompido um beijo, depois, seu pedido de casamento, para falar com outra mulher. Que tipo de tola concordaria em ser esposa de Ian, nessas circunstâncias?
Não.
Ela não o deixaria comprá-la. Não com seu dinheiro, nem com seu charme. Ela preferia ser pobre e livre a ser o brinquedo de um homem rico. Preferia ser uma mãe solteira a ser uma esposa infeliz!
Mas chegara tão perto! Depois de um dia tão romântico, ela quase concordara em ser sua esposa.
E sabendo disso ela não sabia a quem odiava mais, se a ele ou ela mesma.
— Desculpe — Ian subitamente estava à sua frente. — Tive que atender essa ligação.
— É claro — disse ela, friamente. — Eu entendo. Não que eu já tenha tido uma amante.
Ele a encarou e ela percebeu que uma pequena parte dela estava esperando, sem ar, que Ian negasse tudo. Era sua parte fraca que queria acreditar que ele podia ser fiel, mesmo ignorando as provas de seus próprios olhos.
Mas ele nem tentou negar. Ele só abriu ligeiramente a boca, num sorriso.
— Certo. — Ele esticou o braço para pegá-la. — Agora, onde estávamos? Ah, sim. Você estava concordando em se casar comigo.
A humilhação mais uma vez a invadiu, deixando seu corpo em chamas. Ela se moveu, antes que ele pudesse tocá-la.
— Você estava me levando para o aeroporto — Olívia disse, friamente. — Quero ir para casa. Agora.
— Agora? — Ele parou, contraindo o maxilar. O peito dele subiu e desceu, duas vezes. Os olhares se fixaram, com todos os casais à volta, dançando provocativamente, esfregando seus corpos quase nus, ao movimento da música sedutora. — E é assim que você mantém sua promessa de ficar aqui até que os bebês nasçam?
Sem querer confiar na própria voz, ela sacudiu os ombros. O maxilar dele se contraiu. Ela o viu fechando os punhos.
— Está bem. Apenas lembre, querida, você não me deixou escolha.
Sem avisar, ele a pegou nos braços, no meio da pista de dança.
— O que está fazendo? — ela insistiu.
— Levando-a para o nosso casamento — disparou ele.
— O quê? Não! — Chocada, ela relutou e gritou. Os outros clientes da boate estavam tão envolvidos no clima de sexo e prazer que mal notaram. Alguns que viram, rapidamente olharam para eles, com sorrisos maliciosos, e voltaram à dança indecente.
Enquanto Ian a carregava para fora da boate, em direção à caminhonete preta, ela o olhou, lacrimosa. O rosto dele estava petrificado, e inalcançável, como as estrelas.
— Por favor, não faça isso! — implorou ela.
Ele a empurrou para dentro do banco de trás.
— Já que você não vê razão, eu não tenho outra escolha. — Ian entrou ao seu lado e se inclinou à frente, para falar com seu chofer. — Vá.
— Mas... você prometeu! — ela disse, soluçante.
— Ao contrário de você, eu nunca deixo de cumprir minha palavra. — Seu belo rosto estava frio, quando ele a olhou. — Você jamais será minha amante. Mas eu lhe juro, agora, você será minha esposa.

A noite estava escura como o coração de Ian.
A caminhonete estava coberta de lama, enquanto eles trafegavam por uma estrada de terra, no meio da floresta. Com apenas uma fresta aberta em sua janela, ela podia sentir o cheiro das flores exóticas na mata escura, ouvir o barulho das corujas e outros pássaros noturnos.
Olívia viu uma igrejinha em ruínas, com a tinta branca descascando, meio oculta na mata.
— Não posso me casar com você — disse ela, desesperada-mente. — Por favor!
Ele nem olhou em sua direção. É pelo melhor.
— O melhor para você, é o que quer dizer. Ian se virou para ela. Seus olhos estavam sinistros, na sombra.
— Não entendo por que você continua a me recusar.
— Não, é claro que não — Olívia disse, sarcástica. — Nenhuma mulher jamais lhe recusa nada!
— Você é a primeira. — Ele se inclinou à frente, franzindo o rosto. — Por quê? Por que quer que nossos filhos nasçam sem um pai, sem um nome? Não sabe os problemas que isso lhes causará? Você me quer tanto que eu sinto o calor de seu corpo, sempre que estou perto. Por que insiste em negar algo que nós dois queremos?
— Por que... por que eu quero mais! — ela gritou.
— Mais o quê? Mais dinheiro? Mais? Eu não entendo! Eu lhe ofereço o que jamais ofereci a mulher alguma. — Ele parecia aflito, até confuso. — Pedi que fosse minha esposa.
— Você não está pedindo nada. Está me forçando. — Ela desviou o olhar, subitamente lutando contra as lágrimas. — E isso deve ser o suficiente para uma mulher como eu, imagino. Estou grávida e não tenho dinheiro, e você está gentilmente se oferecendo para cuidar de mim. Eu deveria ser grata, certo?
Ele cerrou os dentes.
— Chega — Ian disse. — Você não vê razão. Está bem. Isso não muda seu destino.
Pegando-a nos braços, ele a carregou para dentro da igreja.
Cinco minutos depois o padre da paróquia estava sorrindo para Olívia, com os olhos meio turvos, balançando, meio zonzo, enquanto falava as palavras que os casaria.
Ao menos Olívia presumia que era isso que ele estava fazendo. Era tudo em português.
Ele se virou para Ian, fazendo uma pergunta.
— Sim — disse Ian, acenando a cabeça, satisfeito. O padre se virou para ela, com a mesma pergunta.
— Não — disse ela. — Não, não aceito! Parecendo confuso, o padre desviou os olhos vermelhos e interrogativos para Ian. Ele sacudiu os ombros com um sorriso e se virou para a noiva, com uma expressão de ternura. Suavizando sua expressão de arrogância com um sorriso, Ian respondeu ao homem na mesma língua.
— Ah! — disse o padre, também sorrindo. E começou novamente a dizer as palavras cerimoniais.
— O que você disse a ele? — ela perguntou.
— Expliquei que você estava relutante para se casar por ser uma noiva envergonhada.
— Eu estou aqui de vestido de gestante!
— Felizmente, às vezes é difícil para um homem identificar a diferença entre um início de gravidez e um pouquinho de gordura na cintura.
Ela se contraiu.
— Juro por Deus que gostaria de nunca tê-lo deixado me tocar!
— Estranho, eu não me lembro disso. "Oh, meu Deus, meu Deus, não pare, Ian" — disse ele, debochando. — Eu amo você, eu amo, amo!
As faces dela ficaram quentes e ela queria morrer, ou matá-lo!
— Isso foi muito tempo atrás! Eu vou matá-lo se voltar a me tocar!
O olhar dele percorreu o vestido branco de renda.
— Uma proposta muito intrigante — disse ele. — Tê-la em minha cama valerá o risco de morte? — Os olhos dele percorriam os lábios dela, seus seios. — Eu acho que vale.
Constrangida, ela puxou o decote um pouquinho para cima, sobre os seios inchados.
O padre idoso ergueu a mão para dar a bênção matrimonial. Ian colocou uma aliança de ouro no dedo dela e... pronto.
Ela era esposa de Ian.
Sra. Lima.
Casada com o homem que a seduzira. Que se casara com ela impiedosamente. Que lhe roubara o orgulho, junto com seu coração. Que a engravidara de gêmeos.
Que a fazia estremecer de desejo, que um dia a fizera amá-lo...
Os dentes de Olívia batiam, enquanto o motorista os levava da paróquia remota, pela estrada de terra sinuosa. Ela olhava para o lado de fora, vendo a mata misteriosa, e pensava na vida com a qual sonhara, quando menina. Ter crescido com pais que se odiavam e acusavam a única filha de ter estragado suas vidas fora um fator determinante para que a vida dela fosse diferente do que sonhara.
Mas agora ela fora forçada ao casamento, da mesma forma que eles haviam sido. E Ian a trairia, exatamente como seu pai fizera com sua mãe. Depois ele iria embora...
Olívia cobriu o rosto com as mãos.
A voz dele foi quase gentil.
— Foi tão ruim assim?
Ela lançou um olhar cheio de ódio ao novo marido.
— Por que você me tratou dessa forma? — ela sussurrou.
— O que foi que eu fiz para merecer ser tratada assim?
— O que foi que eu fiz? — Ele contraiu o maxilar, olhando para a noite escura. — Quando eu tinha 8 anos, minha mãe me largou na porta da frente de uma mansão, na Barra. Ela prendeu um bilhete na minha camiseta e me disse que a partir dali eu era problema do meu pai. — Ele deu um sorriso cruel. — Ela não sabia que ele havia morrido na semana anterior. — Nem que seus filhos legítimos não teriam qualquer interesse em dividir o lar, ou a herança, com seu bastardo, que era um insulto vivo à mãe deles.
Olívia o encarava, de boca aberta. Ela não podia imaginar algo assim, uma mãe abandonando um filho, dessa forma! Ela esqueceu a raiva e ficou com pena, ao imaginá-lo menino.
— Eles não quiseram que você ficasse?                          
— Minhas meio-irmãs me mandaram para um orfanato que parecia uma prisão. Não tinha comida. Nem roupa. Então, eu fugi.
— Ele sorriu sem humor. — Maria Carneiro me encontrou na rua e me levou para casa. Seu filho mais velho me ensinou a lutar. Mateus me ensinou tudo, e eu o tinha como um ídolo. Até perceber que eu queria uma vida diferente daquela que a favela oferecia.
Olhando para Ian, Olívia não conseguia parar de imaginá-lo como um menino de 8 anos, com um bilhete preso na camiseta. Confuso e abandonado. Deixado na porta para um pai que nunca conheceu, depois zombado e rejeitado pelas irmãs. Ensinado a lutar por comida, nas ruas. Sem família, ele havia sido...
Sozinho.
Não era de admirar que ele havia sido tão determinado em se assegurar que seus filhos não sofressem o mesmo. Ela não podia evitar de sentir uma pena profunda pelo que ele passara, quando menino.
Pena?! De IanLima? Era para rir!
Ela balançou a cabeça.
— Mas o mundo inteiro acredita que você seja um Lima. Você freqüentou as melhores escolas e nasceu com uma colher de prata na boca!
— Depois que fiz meu primeiro milhão, minhas meio-irmãs resolveram me reconhecer. Eu subitamente atendia aos padrões delas, já que haviam torrado o dinheiro que possuíam, ao se casarem com maridos europeus. — Ele olhou pela janela. — Então, comecei a pagar as contas delas e elas generosamente me honraram com o sobrenome Lima. Completo, com uma nova biografia que elas acharam mais lisonjeira para sua imagem pública.
— E você as perdoou — sussurrou ela.
— Perdoei? — Ele lançou um olhar inacreditável. — Foi puramente uma decisão de negócios. Eu sabia que as ligações do meu pai seriam úteis. Ouro e ferro não são muito diferentes. E arrancar o metal da terra. Transformá-lo em algo pelo qual os homens até morrem, até matam. — Ele sacudiu os ombros. — Assumir o nome de meu pai acelerou a escalada de minha companhia. Eu nunca planejei ter filhos. Nunca pensei...
— Pensou em quê?
Sacudindo a cabeça, ele contraiu o maxilar.
— Eu nunca vou deixar que um filho meu passe pelo sofrimento que eu passei. Não, se posso protegê-los. Não, se eu sei...
Ela o olhou, observando seu queixo contraído e os olhos frios.
— Mas nossos bebês não sofrerão, Ian. — Ela timidamente esticou a mão e pousou sobre a dele, pressionando-a sobre sua barriga. — Eles estão seguros, está vendo?
A respiração dele se acalmou. A expressão de seu rosto se abrandou.
Depois mudou.
— Olívia — disse ele, com voz rouca. Ele enrascou uma mecha dos cabelos dela ao redor do dedo. — Você me faz sentir...
Mas ele não terminou a frase. Ele abaixou os lábios até os dela, passando a língua na dela, e fazendo com que o calor aumentasse, por toda a extensão de seu corpo. Ela passou os braços ao redor dele, se desmanchando sob a força de seu toque.
Enquanto eles se beijavam, a caminhonete preta passava rapidamente pela mata escura, ao som dos pássaros, corujas e macacos, e o eco de trilhas há muito esquecidas.


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