Capítulo 12

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Olívia acordou mais faminta do que jamais se sentira na vida. Por vários instantes, ela ficou ouvindo a respiração profunda e constante de Ian, perto dela. E podia ouvir os pássaros cantando lá fora, no meio da manhã. E ela sorriu.
O que seu marido fizera com ela, desde o amanhecer. Inúmeras vezes. De tão exaustos, finalmente caíram no sono, nos braços um do outro...
Ela corou. Ian era seu marido. Essa idéia a estarreceu. E que noite de núpcias, ou melhor, manhã!
Sua barriga roncou novamente, dessa vez, mais alto. Colocando a mão sobre a barriga, ela tranqüilizou seus bebês famintos de que o café da manhã já estava a caminho. Ela saiu da cama devagarinho e vestiu um robe branco de algodão, grande demais para ela. Cautelosa para não acordar Ian, ela foi até a cozinha. Encontrou chá no armário, e ligou o fogo. Colocou pão na torradeira, depois passou manteiga, nos dois pedaços. Um pedaço para cada bebê. Afinal, se os bebês quisessem um pouco de manteiga extra, e geléia de morango, quem era ela para negar-lhes esse desejo?
Sorrindo abertamente, ela pegou o chá e a torrada e foi para fora. Deixando a porta de correr aberta, ela sentou na varanda e ficou olhando o sol da tarde, brilhando sobre a água cintilante da piscina e no mar, mais além.
Olhando a água azul-safira, ela percebeu que sentia algo que nunca havia esperado.
Felicidade. Um prazer imenso, inexplicável
Ela respirou fundo, sentindo o ar fresco e salgado. A praia de areia branca tinha uma paz absoluta e o oceano parecia incrivel¬mente azul, sob o sol brasileiro. Uma brisa leve balançava as palmeiras no penhasco adiante.
Então, ela ouviu a campainha dentro da casa, vibrando sobre a mesinha de cabeceira. O celular a fez enjoar até os ossos. Ela ouviu a voz abafada de Ian, vindo do quarto.
— Cátia?
A sensação de felicidade que Olívia tivera desapareceu como fumaça.
Ela apertou a xícara de cerâmica. Cátia. Novamente! Por que a mulher não podia deixar Ian em paz, nem sequer em sua lua de mel?
Mesmo dizendo a si mesma que não ligava, a humilhação e o ciúme a dominavam. Ela olhou para o prato de torrada, mas perdeu o apetite. Ela tentou ouvir, colocando a cabeça para dentro da porta de vidro, tentando escutar o que ele estava dizendo, em voz baixa.
— Tchau — disse ele, e ela o ouviu saindo da cama.
Olívia se apressou a se afastar da porta. E se esforçou para não se sentir magoada. Não ligar. Ela realmente nem esperava que Ian a amasse. Era um casamento meramente por conveniência, pelo bem dos bebês. Ela nem queria se casar com ele, para começar!
Mas o ciúme a apunhalou. E doeu tão fundo que era impossível fingir que não o sentia.
Abra mão de suas outras mulheres e seja fiel somente a mim!
Será que ela conseguiria pedir? Será que se atreveria?
— Aí está você. — Ian entrou pela porta corrediça de vidro e parou ao lado dela, na varanda. — Bom dia, minha esposa adorável.
Ele a beijou rapidamente na têmpora. Mas ao olhá-lo Olívia pôde ver que ele estava tenso. Estava tentando esconder sua emoção. Ele não queria que ela soubesse.
Por quê? Para proteger sua amante secreta?
— A maré está brava esta manhã — observou ele. Ele colocou as mãos sobre o parapeito da varanda e olhou para o mar.
Cuidadosamente pousando a xícara, ela chegou atrás dele e pôs as mãos sobre suas costas. Ele se virou.
— Quem é Cátia? — sussurrou ela. — Por que ela fica telefonando?
Olhando para ela, ele fechou o belo rosto.
— Não quero falar sobre isso.
— Uma vez você disse que sua esposa teria direito de perguntar.
— Sim. — Ele passou a mão atrás da cabeça. — Algum dia eu lhe direi, mas não agora.
Ela sentiu lágrimas de raiva brotarem em seus olhos.
— Você não pode realmente esperar que eu vá dividi-lo! Ele contraiu o maxilar.
— Querida...                                   
— Não me chame assim! Não se atreva a insultar minha inteligência fingindo que realmente se importa comigo!
— Você irá me dividir, Olívia. Não tem escolha. Da mesma forma que eu não tenho escolha quanto a dividi-la.
— Eu jamais...
— Com nossos filhos — ele interrompeu.
Ela sacudiu a cabeça, furiosamente.
— Não é a mesma coisa!
— Eu darei a você e aos nossos bebês um bom lar. Você terá uma fortuna inestimável e a proteção de meu nome. Não me peça mais. Ainda não.
— Mas eu sou sua esposa!
Os olhos dele estavam sombrios.
— Há coisas que um homem não discute com a esposa. Principalmente, com a esposa.
Ela sacudiu a cabeça. Não podia acreditar, não acreditava. Por que ele simplesmente não admitia que tinha uma amante e a tirava daquela infelicidade da dúvida? Como eles poderiam ter um casamento, se não fossem honestos?
— Quem é ela? — sussurrou ela. — Ela é bonita?
— Chega de discutir isso — disse ele, friamente. — Contente-se em aceitar que tenho meus segredos.
Se ao menos ela conseguisse fazer isso. Grávida de gêmeos, casada com um lindo bilionário, ela tinha tudo que a maioria das mulheres queria. Então, o que havia de errado com ela? Por que não conseguia simplesmente ser feliz, sem ficar chorando pelo amor e fidelidade de Ian?
— Tudo bem — disse ela, numa voz contida. — Pode ficar com os seus segredos.
— Vá se vestir. — O rosto dele estava sério, quando se virou para ela. — Precisamos voltar para o Rio imediatamente.
Ela respirou forte.
— Agora? Mas acabamos de chegar! Nossa lua de mel...
— Nossa lua de mel acabou — disse ele. — Eu tenho negócios no Rio.
Claro, pensou ela. Ela até podia imaginar o tipo de negócio. Uma raiva fogosa, com pernas longas, ou uma morena experiente e cheia de habilidade na cama, algo em que Olívia jamais poderia se igualar.
Que poder tinha essa Cátia para fazer com que Ian volta-se prontamente, tão fácil, atendendo ao seu chamado?
— Eu não quero ir.
— Partiremos em cinco minutos. Esteja pronta. — Abrindo a porta de correr, ele entrou de volta na casa, sem sequer olhar para trás.
Alguns minutos depois, Olívia estava vestindo uma camiseta branca e larga, e calças caqui. Sentindo-se desesperadamente triste, ela deixou a casa de praia quando três empregadas entraram rindo, para limpá-la. Olívia lançou um olhar saudoso para a cama, enquanto as empregadas tiravam os lençóis. A casa de praia logo estaria imaculada novamente. Como se a noite de núpcias com Olívia jamais tivesse existido.
Em um dia, aquele lindo lugar estaria pronto para abrigar a nova conquista de Ian.
Engolindo a amargura, ela seguiu Ian em direção a um jatinho fretado que os esperava num pequeno aeroporto local, não muito longe da propriedade. Ele mal olhava para ela, enquanto caminhavam. Os joelhos dela subitamente bambearam e ela parou, colocando a mão sobre a boca.
Como se pressentisse o que ela estava sentindo, ele se virou para trás. E foi imediatamente para o lado dela.
— O que foi? Está passando mal?
Não faria sentido negar. Já que ela provavelmente estava verde.
— Acho que... acho que só estou com fome. E sede. Eu fiz torrada, mas não comi...
Ian deu algumas ordens a um de seus seguranças. Até a hora em que Olívia estava sentada na poltrona de couro do avião, uma empregada lhe trouxera uma baguete com queijo e presunto, uma maçã e uma garrafa de água mineral gasosa.
— Tenha um bom voo, senhora!  
O respeito da empregada e sua admiração óbvia por Olívia  deixaram claro que ela pensava que a sra. Lima era muito importante e sortuda. Se a menina ao menos soubesse a verdade!
— Se ainda estiver com sede, tem suco e leite, ali — disse Ian. Quando a aeronave deixou o solo, ele apontou para uma pequena geladeira. — E biscoitos e frutas, ali. Assim que chegarmos em casa, Luisa ficará contente em lhe prepara uma refeição completa, usando os ingredientes que seu coração desejar.
— Obrigada — sussurrou ela, mas havia apenas uma coisa que seu coração verdadeiramente desejava, e ele já lhe negara isso. Durante o rápido voo até o Rio, ele utilizou seu laptop, atendeu ligações de trabalho no celular. Como é que ele podia ser tão solícito e gentil, num momento, e no instante seguinte ser tão frio?
Porque ele só ligava para os bebês, então ela percebeu. Ian queria que Olívia ficasse confortável por causa deles, mas não dava a mínima para os sentimentos dela. Se ligasse, ele não teria interrompido a lua de mel, após uma noite, para voltar aos negócios!
Todas as promessas que o corpo dele fizera, na cama, todos os sussurros de amor enquanto a acariciava, haviam sido uma mentira.
Ela olhava para baixo, cegamente, enquanto o jatinho voava de volta para o Rio. A selva desaparecera, e a paisagem ficou mais sem graça. Ao terminar sua maçã e a água gasosa, ela se recostou em sua poltrona e voltou a pensar na mulher. Cátia. Que tipo de mulher poderia ter tal poder sobre Ian?
Ao longo do ano em que Olívia trabalhou para ele, Ian era conhecido como o playboy desapegado, o homem que jamais se comprometeria com mulher alguma. As secretárias fofoqueiras sempre ficavam de olho em suas conquistas. O tempo recorde que ele passou com uma modelo sueca que circulava por Manhattan usando calças apertadas, saltos imensos e miniblusas, em pleno inverno!, durou apenas oito dias!
Se alguém como Ebba Soderberg só durou oito dias, que qualidades essa Cátia possuía para que apenas um telefonema fizesse com que Ian disparasse de um lado ao outro do Brasil?
Ela tinha de ser bonita... isso, nem precisava ser dito. Mas para prender Ian ela precisava ser mais. Sofisticada. Esperta. Poderosa. Ela, provavelmente, tinha mestrado em negócios, falava cinco línguas, era dona de uma empresa e voava em seu jato particular.
E, é claro, deveria ser uma tentação na cama. Ao contrário de Olívia, que só tivera duas noites de experiência sexual em sua vida, ambas com o mesmo homem!
Cátia seria inacreditavelmente sexy, com um corpo perfeito, ao contrário de Olívia, que ganhava peso rapidamente, ficando mais rechonchuda a cada dia que passava, por conta da gravidez dupla.
Como é que Olívia poderia competir com uma mulher tão perfeita?
Não podia.
Virando-se cegamente para olhar pela janela, ela cruzou os braços para conter a onda de emoção que a sufocava.
Ela, obviamente, estivera delirando por conta de seus hormônios para pensar que só porque Ian fizera amor com ela isso significava que ela representava algo para ele. Estava louca de pensar que pelo fato de transformá-la em sua esposa ela representava algo além da mãe de seus filhos, ou alguém que ocasionalmente aquecia sua cama.
Para ele, ela era apenas a ex-secretária que ele havia engravidado, aquela que nem terminou os estudos, não tinha a menor idéia de quem eram os costureiros renomados e há muito tempo esquecera do espanhol que aprendera na escola. Para Ian, Olívia era apenas outra propriedade.
Agora que terminara de se apoderar de Olívia, ele já estava entediado e em busca de um novo desafio. Enquanto ela...
Enquanto o avião descia sobre o Rio, Olívia respirou fundo. Estava apaixonada por ele.
Um dia como sua esposa, uma noite em seus braços, e Olívia já se apaixonara por Ian outra vez. E embora a vida deles mal começara, o fato de saber que ele a valorizava tão pouco, a ponto de humilhá-la tanto, já a torturava no segundo dia de casamento.
Ela ainda tremia ao pensar nisso quando eles pousaram no aeroporto próximo ao Centro, onde Guilherme esperava com o Bentley.                                                                                 
— Leblon — Ian ordenou para o chofer. Leblon? Enquanto eles seguiam para a zona Sul, partindo do centro de negócios da cidade, o coração de Olívia se apertou, pois ela já estivera naquele bairro elegante, antes. Durante a viagem de negócios que eles haviam feito em fevereiro, Ian subitamente cancelara uma reunião e dissera ao chofer que o deixasse na rua João Lira. Distraída por estar lidando com a papelada e a atração crescente por seu chefe, Olívia não prestara atenção. Ela ficara aliviada em ser deixada sozinha, por uma noite, no Carlton Palace, para organizar os contratos em inglês e português. Mas agora...
Mesmo em fevereiro, ele já estava vendo essa outra mulher. Cátia.
E Ian se importava tão pouco com os sentimentos de Olívia que nem se dera o trabalho de esconder isso.
Os olhos dela se encheram de lágrimas quando ela olhou pela janela e viu os cariocas jogando vôlei na praia de Copacabana. Eles seguiram até Ipanema, passando pela lagoa Rodrigo de Freitas. Ela viu as mães felizes, passeando com seus carrinhos de bebê, na beira da lagoa. Chegando ao Leblon, todas as casas e lojas eram chiques e maravilhosas.
Ian era exatamente como o Rio: sedutor, brutal. Será que ele realmente esperava que ela ficasse tão empolgada em ser sua esposa a ponto de fazer vista grossa para suas infidelidades? O chofer encostou o Bentley junto ao meio-fio.
— Chegamos, senhor.
Ian olhou para Olívia pela primeira vez desde que haviam deixado a Bahia.
— Guilherme a levará para casa.
Olívia o olhou e um fogo interno ardeu, deixando seu olhos cheios de lágrimas.
— Não vá assim, por favor. — Ela sentiu a garganta fechando. — Não vá para ela.
Ele a olhou, com o belo rosto inexpressivo.
— Vá para casa, Olívia.
E fechou a porta do carro.
O chofer entrou com o Bentley no tráfego intenso do Rio. Virando para trás, Olívia olhou pelo vidro traseiro, enquanto eles se afastavam. Ela viu Ian  subir alguns degraus e bater numa porta vermelha. Uma linda morena abriu a porta, com um sorriso radiante. Pegando a mão dele, ela o puxou para dentro.
A ira se apossou de Olívia de uma forma como ela nunca havia sentido. A raiva varreu seu corpo inteiro, congelando seu coração, sua espinha.
Como ele se atreve?
— Pare o carro. — Virando-se para o chofer, ela disse, mais alto: — Pare esse carro!
— Não, senhora Olívia — respondeu ele, com um sorriso nervoso, no espelho retrovisor. — O senhor deu ordens para que eu a levasse para casa...
O coração dela estava tão disparado que ela achou que poderia explodir se não dissesse a Ian exatamente o que achava dele — e daquela moreninha também. Tudo bem, talvez Olívia não fosse a mulher mais glamourosa e rica do mundo, mas ela não merecia ser jogada de lado como um saco de batatas!
— Ótimo! Então, não pare!
Com o carro andando, ela abriu a porta. Horrorizado, o chofer enfiou o pé no freio.
Ela correu por entre os carros, que buzinavam, chegando à calçada. Ofegante, com o rosto vermelho de raiva, ela correu até os mesmos degraus onde vira Ian subir.
E bateu na porta.
Uma vez.
Duas.
A porta se abriu. A mesma morena bonita atendeu. Ela era linda, misteriosa e irresistível, como Olívia temia.
E falou com sotaque britânico, ao olhar para Olívia, com um ar debochado.
— O que você quer?
— Você deve ser a Cátia. — Olívia se ergueu com todo orgulho de gerações da classe trabalhadora, que corria em suas veias. Ela passou pela amante do marido, com o queixo erguido. — Diga a Ian Lima que a esposa dele está aqui.

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