Capítulo 14

540 36 2
                                    

Eu vou tirá-la de você.
Ian olhava para o bilhete em suas mãos.
No começo, ele nem ligava para os bilhetes. O primeiro, estava em sua pasta executiva, quando ele voltou de uma viagem de negócios, a Nova York, no começo de junho. O outro, em seu jato particular, em setembro. Agora esse, colocado no carro que a esposa e a filha usavam, no Rio.
Guilherme jurou que não sabia como os bilhetes tinham ido parar no Bentley, e Ian acreditou. Então, como foi?
Mas ele já sabia quem os mandara. Timothy Wright. O advogado arruinado afundara, perseguido pela polícia americana, e agora, aparentemente, decidira a se vingar do ex-chefe, que testemunhara contra ele.
Como Wright estava deixando esses bilhetes, no mundo privado de Ian? Apesar de todos os seus guarda-costas, o homem era um fantasma?
Eu vou tirá-la de você.
Ian amassou o bilhete e o jogou numa lata de lixo na rua, do lado de fora do Carlton Palace. Seus homens encontrariam Wright, mas por que estavam demorando tanto? Diogo não podia proteger sua família se não conseguisse encontrar o inimigo. Ele já aturara o suficiente, concluiu. Chegara a hora de chamar todos os seus homens e lhes pedir alguns favores.
Ele queria que o bastardo fosse encontrado.
Saindo do elevador, no nono andar, ele deu instruções aos seguranças. Pedro prometeu tomar cuidado extra, mas Ian ainda estava tenso quando abriu a porta da cobertura.
Dois pares de olhos femininos o olharam contentes, da cozinha. Cátia estava com um belo vestido rosa e uma tiara. Ao seu lado, Olívia estava pesada em sua gravidez, linda e radiante, vestindo uma blusa simples de gestante e calça comprida.
— Papai, você chegou em casa bem na hora! — Cátia gritou.
— Eu fiz o jantar sozinha!
Ele ergueu a sobrancelha, desviando da bela esposa para a filha. Olívia teria os bebês a qualquer dia, e Cátia realmente desabrochara ao longo dos cinco meses que estivera sob os cuidados dela. O rostinho cintilava sob a tiara.
— O jantar está com um cheiro delicioso — ele comentou.
— Eu nunca tive uma princesa que me fizesse o jantar!
— Ah, papai. O vestido não foi para cozinhar o jantar. — A garotinha riu. — Eu sou uma princesa para a festa de Beatriz!
Ian lembrou que a filha de um general brasileiro estava dando uma festa para várias amigas do colégio particular. O Halloween era cada vez mais celebrado no Rio, e os cariocas estavam sempre de olho num motivo para mais uma festa.
— Gosta da minha tiara? — Cátia esticou a mão até a cabeça para tocá-la. — Mamãe e eu colamos as pedrinhas, sozinhas.
— Foi divertido — disse Olívia, abraçando a garotinha e remexendo em seus cabelos, afetuosamente. Ela olhou Ian, sorrindo. — Ah, eu liguei para minha avó...
— Sim? — disse ele, inocentemente.
— Ela recebeu o presente de aniversário que você mandou e todas as suas amigas estão morrendo de inveja. Você realmente não brinca em serviço quando dá presentes, não é?
— A avó que a criou merece o melhor.
Os olhos azuis de Olívia reluziam.
— Não posso imaginar o que se apoderou de você para mandar uma Ferrari amarela para uma mulher de 70 anos, mas ela está passeando o tempo todo, por toda a Pensilvânia.
— Eu vi aquele batom laranja e soube que seria preciso muita coisa para impressioná-la.
— Vovó disse que nunca se divertiu tanto na vida. Ela quer realmente que voltemos a morar lá. — Ela parou. — Ela me mandou um link de uma porção de bons colégios em Nova York...
Não essa antiga discussão, novamente. Irritado, ele sacudiu a cabeça.
— Há bons colégios aqui.
— Eu sei. Eu sei. Mas Nova York... — A voz dela foi sumindo.
— Mãe! — gritou Catia. — Está queimando!
Olívia a ajudou a mexer o molho, depois deu a colher a Ian. Ele experimentou.
— Está delicioso! Meus parabéns à chef.
— Meus cumprimentos à chef! — Olívia traduziu facilmente.
— Seu português está melhorando!
— Obrigada — disse ela, sorrindo. — Tive um bom professor. — Os olhos de Olívia encontraram os dele, acima do fogão. — A propósito, eu dei esta noite de folga a Luisa — disse ela, com um ar de inocência. — Enquanto Catia estiver na festinha, estaremos sozinhos em casa...
— Estaremos? — A expressão sexy e maliciosa nos olhos dela causaram uma sensação que o percorreu pelo corpo todo. Mesmo com quase nove meses de gravidez, ela era a mulher mais sexy do mundo para ele. Faziam amor todas as noites. E com Catia na casa da amiga, eles teriam a noite inteira...
Eu vou tirá-la de você.
Ele contraiu o maxilar. E olhou ao redor da cobertura, com olhos críticos. Olívia fizera algumas mudanças, nos últimos meses. Paredes brancas, móveis, as peças de arte em metal, tudo tinha sido mudado. Agora as paredes eram pintadas de bege e havia mesas de madeira, com belos arranjos de flores e os sofás eram bem cheios e confortáveis. Havia fotografias da família, de Catia, em frente à Estátua da Liberdade, numa viagem recente a Nova York, dos três rindo juntos, na casa de praia, no último mês.
Agora dava uma sensação déjà vu, como ele jamais tivera. Ele adorava. Não por causa dos janelões e da vista, mas por... Catia e Olívia.
Mas as janelas eram grandes demais, pensou ele, franzindo o rosto. Mesmo com os seguranças no andar de baixo, o prédio tinha um acesso público, de hotel. A segurança poderia ser burlada. Era muito vulnerável.
Ele precisava encontrar Wright. Agora.
— Eu já volto — disse a Olívia, subitamente.
— O que há de errado? — perguntou ela, olhando-o fixamente.
Droga, ele tinha dificuldades em mentir para ela. Mas ele queria que sua maior preocupação fosse fazer compras para os bebês e brincar com Catia. Não se preocupar com um maluco do passado, que queria lhes fazer mal.
Não era por achar que Olívia fosse fraca demais para lidar com isso. Ao contrário. Ele percebeu a força dela, ao descer aquela escada, no Leblon, segurando a mão de Catia. Naquele dia, ela conseguira o impossível. Fizera algo que Ian não conseguira, por mais que tivesse tentado.
Ela reuniu a família.
Em vários aspectos, pensou ele, sua esposa era muito mais poderosa do que ele. Criando as crianças, dando amor incondicional, sendo o coração emocional do lar. Tudo isso exigia força e coragem que a maioria dos homens, incluindo Ian não poderia compreender.
Mas protegê-los era função de Ian.
— Nada de errado — disse ele. — Está tudo bem.
Dando meia-volta antes que ela fizesse mais perguntas, ele foi até o escritório e pegou o telefone. Pediu favores a amigos em vários órgãos do governo, incluindo a Interpol. Mas ao desligar ele ainda se sentia inquieto.
Seus homens o encontrariam, Ian disse a si mesmo. Mas ele esteve distraído durante todo o jantar. Depois da refeição deliciosa, deu um abraço de despedida em Catia, e Pedro, seu guarda-costa de maior confiança, carregou sua malinha e a acompanhou até o carro, que aguardava embaixo. O condomínio do general era notoriamente seguro. Ian sabia que Cátia estaria em segurança ali.
— Estou notando que algo o perturba. — Ele sentiu os braços de Olívia ao redor de sua cintura. — Você devia simplesmente me contar. Não me obrigue a fazê-lo falar — disse Olívia, brincando.
Ele se virou para ela e disse, com a voz arrastada:
— Meu único problema é que já faz muito tempo que não ficamos sozinhos.
Ian a levou para o quarto e fez amor com ela com uma intensidade frenética, rasgando suas roupas, puxando-a para cima dele, mergulhando dentro dela o mais fundo que podia, enquanto ela ficava por cima, até ficarem suados e ofegantes. Depois, ficou abraçado a ela a noite toda. Ela dormiu em seus braços. Mas, para ele, dormir era impossível. Ele olhava o teto, depois levantou da cama, antes de amanhecer.
— O que está fazendo?
Ele achou que ela estivesse dormindo. E a olhou na cama. Ela estava recostada, nua da cintura para cima, voluptuosa e tão linda que fez seu coração doer.
Ele contraiu o maxilar.
— Preciso ir para o trabalho. A compra da Vahlo...
— Esqueça o trabalho — disse ela, de bom humor. — Fique em casa, brincando.
— Essa é a maneira mais certa de ficarmos pobres.
— Acho que podemos nos virar com alguns milhões a menos.
— E o Wright — ele soltou. — Ele está ameaçando tirá-la de mim.
Para sua surpresa, Olívia apenas riu.
— Timothy? Claro que ele me quer. Aos nove meses de gravidez, eu estou tão linda, tão irresistível para os homens — brincou ela.
— Está mesmo — ele insistiu. Ele se inclinou sobre a cama, beijando-a levemente nos lábios. — Ele vem me mandando bilhetes anônimos.
— Se são anônimos, como sabe...
— Eu sei — disse ele, sério. — E deveria tê-lo matado, quando tive a chance. Até que ele seja pego, você nunca pode deixar a cobertura sem o Pedro. Está me entendendo?
Ela sacudiu a cabeça, depois esticou a mão para brincar com os cabelos dele.
— Por que você simplesmente não admite?
— Admitir o quê?
Ela olhou diretamente em seus olhos.
— Você me ama.
Ele a encarava. O suor começou a minar em sua testa.
— O quê?
Ela se endireitou na cama.
— Você me ama, Ian. Do mesmo jeito que amo você. Eu me apaixonei desde a primeira vez em que você me chamou em seu escritório, para que eu anotasse um memorando sobre o acordo da Trock.                                  
Ele recuou. O clima de intimidade subitamente desapareceu. Amá-la?
Amar era para mulheres tolas.
Amar era para homens fracos demais para se controlarem. Amar deixava um homem fazer papel de imbecil. E o deixava vulnerável. Deixava-o impotente.
E ele não podia ser impotente. Com tanta coisa em jogo.
— Você me ama — sussurrou Olívia. E seus olhos claros encontraram os dele. — Por favor. Eu preciso ouvir. Todos esses meses, achei que se demonstrasse meu amor, de mil maneiras, lhe dando um lar amoroso, você saberia...
— Olívia, não posso lidar com isso agora. — Seu corpo inteiro ficou tenso, quando ele deu as costas. — Preciso tomar um banho.
— Ian?
Ele se virou, irritado.
— Eu não amo você, está bem?
Ela ficou pálida. Lambeu os lábios, tentou falar, mas não conseguiu.
— Não amo — insistiu ele. — E se você me ama, eu lamento muito. Eu nunca quis seu amor. Nós temos uma parceria, querida. Uma amizade. Uma ligação intensa na cama. Uma família maravilhosa. Só isso. Mas, pelo amor de Deus, isso deveria ser suficiente!
— Não acredito nisso — respondeu ela, inflamada. — A forma como você me beija. A forma como quer me proteger...
Ele subitamente saiu do quarto, seguindo em direção ao banheiro.
— Preciso me arrumar.
Ele tomou um banho de 30 segundos e rapidamente se vestiu. Quando voltou, ele a viu sentada no sofá da frente, vestindo o robe dele. O amanhecer invadia o quarto com uma luz rosada. Ela estava de braços cruzados, olhando para o chão.
Algo revirou, no fundo do coração dele.
— Olívia... — Ian respirou fundo. — Podemos falar disso mais tarde.
— Certo — disse ela, inexpressiva. — Mais tarde.
Olívia não ergueu o olhar, quando ele saiu. Ele lidaria com ela mais tarde. Agora tinha preocupações mais urgentes. Ele seguiu para seu moderno escritório na avenida Rio Branco. Encontrou-se com Andrew MacCandless, chefe de segurança de sua empresa, depois pegou os relatórios atualizados sobre a localização mais recente de Wright, que viajara de São Paulo para Nova York, no dia anterior, em um avião emprestado. Ele aparentemente prometera uma criança a um casal rico, da Park Avenue, que logo receberiam gêmeos recém-nascidos, pelo preço de 4 milhões de dólares.
Gêmeos recém-nascidos!
Eu vou encontrá-lo, Ian disse a si mesmo, respirando ofegante. Ele disse ao chefe de segurança que trouxesse um exército particular, se fosse preciso. O homem estava ameaçando sua família. Ele tinha de ser pego.
Assim que o homem saiu da sala para executar suas ordens, a secretária falou em português, no interfone.
— Sua esposa está aqui, senhor.
— Aqui?
— Acabei de ser avisada pela recepção lá de baixo. Devo pedir que suba?
Ele parou. Não queria ver Olívia naquele momento. Não fazia sentido falar. Ela o amava e ele não a amava.
Vê-la sofrendo o matava, o distraía.
Ainda assim...
Olívia nunca estivera em seu escritório. Ele não podia mandá-la embora.
— Mande-a subir.
Enquanto ele andava de um lado para outro, esperando que ela chegasse, não conseguia parar de pensar nela. Sua linda e terna esposa, mãe de seus filhos. Ele não suportava a idéia de alguém ameaçando tirá-la dele.
Ian sabia do que Wright era capaz. Por que deixara o homem livre?
Se algo acontecesse com Olívia, seria culpa de Ian.
Ele fechou os punhos. Não podia deixar que nada acontece-se. Ele não deixaria. Morreria primeiro.
Ian a amava.
Essa idéia o fez parar.
Ele a amava?
Verdade que Olívia havia mudado sua vida completamente. Sua existência antes era bem fria. Passando de uma mulher para outra, preenchendo sua vida com negócios e prazeres vazios, ele não percebera, naquela época, o quanto era infeliz e sozinho.
Mas Olivia mudara tudo. Ela transformara sua casa em um lar. Ensinara sua filha a amar e confiar novamente. Deixara sua vida radiante de cor e ternura. De alguma forma, ele passara a valorizar sua opinião, sua força, mais que tudo...
Isso era amor?
Ele não conseguia dormir, à noite, sem fazer amor com ela. Não conseguia sair da cama, de manhã, sem beijá-la e ver seu lindo rosto. Ele não conseguia imaginar voltar para casa se não fosse para ela...
Droga! Ele estava apaixonado pela esposa.
Como era possível que não soubesse?
Como era possível que levara tanto tempo para perceber que entendera tudo errado? O amor não deveria ser temido. Não deixava um homem vulnerável. Ao contrário. Saber que a amava, e que era correspondido, deixava-o destemido e mais decidido do que jamais fora em toda a vida...
Ele ouviu uma batida na porta. Sua esposa entrou, com o rosto pálido.
— Olívia. — Ian foi até ela, imediatamente, esticando os braços para abraçá-la. — Meu amor. Estou tão contente que esteja aqui. Eu tenho que lhe dizer... hoje de manhã, quando eu...
Ela recuou.
— Não me toque.
Ela parou, sem conseguir desviar o olhar de seu rosto. A expressão dela estava distante e estranha. Não tinha nada a ver com Olívia.
— Eu vim me despedir — disse ela. — Estou indo embora.
— O quê? — sussurrou ele. Seus olhos azul-claros pareciam de gelo.
— Você deixou claro que jamais irá me amar. Portanto, eu vou para casa. De volta para Nova York.
— Não. — Agarrando-a vorazmente, ele olhou para ela. Ela não partiria. Não podia. Agora, não, depois que ele finalmente percebeu que a amava!
— Olívia, você precisa ouvir — disse ele, com a voz rouca. — Eu nunca deveria ter dito as coisas que lhe disse esta manhã...
— Fico contente que tenha dito — disse ela, interrompendo-o. — Já era hora de enfrentarmos a verdade.
— Você é minha esposa. Está grávida dos meus filhos. — Ele engoliu. — Eu não quero que vá embora. Nunca.
Ela desviou o olhar, infeliz.
— Eu não tenho escolha.
— Mas Olívia, eu... — Ele respirou fundo. Eu amo você. Ele lambeu os lábios secos e tentou novamente. — Eu... — Mas ao contrário de quando a pediu em casamento, as palavras ficaram entaladas em sua garganta. — Você tem, sim, uma escolha — sussurrou ele. — Eu não a estou ordenando que fique. Estou pedindo — disse ele, em voz baixa. — Por favor, fique, por mim.
Ela sacudiu a cabeça, e ele viu as lágrimas nos olhos dela.
— Não posso. — Ela se soltou. — Quero o divórcio.
— Divórcio?
Ele fechou os punhos e mal podia respirar, com um bolo na garganta.
— Mas... por quê?
— Estou apaixonada por outro homem.
Ele puxou o ar pela boca.
— Quem? — perguntou ele, ferozmente.
— Timothy — sussurrou ela.
Ele a olhou de boca aberta, sem entender.
— Você nunca me tratou como eu queria — disse ela. — Nunca me trouxe flores, nem leu poesia. Não sabe nada a meu respeito. Timothy sabe. Ele é o homem que eu quero.
Cada palavra que ela dizia era como uma punhalada. Ele sentia uma lâmina. Até o osso. Depois, foi tomado pela raiva.
— Timothy Wright é um monstro. Você não poderia amá-lo.
— Mas amo. — Ela piscou, rapidamente. — Nós podemos compartilhar a guarda — disse ela. — Os bebês terão seu nome. Mas eu terei o divórcio.
— Não. — Ele a agarrou zangado, segurando seu braço com força suficiente para deixar roxo. — Não, Olívia, mas que droga, não! Eu não vou deixá-la ir!
— Você está me machucando!
Machucando? Não era nada, comparado ao que ela estava fazendo com ele. Mas quando ela se retraiu ao seu toque, ele a soltou.
— Timothy Wright nunca chegará perto de meus filhos — disparou ele. — Nos últimos anos, ele fez uma fortuna, arruinando vidas inocentes. Não vou permitir que meus filhos cheguem nem perto dele.
Ela arregalou os olhos.
— Eu os protegerei.
— Você? Você não pode proteger ninguém. É tão fraca quanto eu pensei, no começo. Não tem lealdade aos nossos filhos, nem... — A mim. Uma nova idéia lhe passou pela cabeça e foi dura demais para suportar. — O que direi a Catia? — disse ele, quase sem conseguir falar, por causa da dor presa na garganta.
— O que devo dizer a ela, que outra mãe a deixou?
— Diga a ela... — Oliviafechou os olhos de dor. — Apenas diga a ela que eu a amo. E que tudo que eu quis fazer era mantê-la segura.
— Não. — Ele não podia acreditar que isso realmente estivesse acontecendo. A angústia o percorreu. — Você é minha esposa, Olívia. Nós precisamos de você. — Ele respirou fundo.
— Eu preciso de você.
— Ian...
Pegando-a nos braços, ele demonstrou seu amor com um beijo ardente. Foi um beijo profundo, voraz e verdadeiro, misturado às lágrimas salgadas dela. A barriga grande estava no meio dos dois, criando o círculo perfeito da família.
Quando ele se afastou, olhou no rosto dela, desesperado, em busca de um sinal de tudo que ela passara a amar.
Mas os olhos dela continuaram fechados, como se ela estivesse tentando saborear seu beijo para sempre.
— E eu? — sussurrou ele. — O que você tem a me dizer?
Ela finalmente abriu os olhos, brilhando pelas lágrimas.
— Tudo que tenho a dizer a você é adeus.
Ian abriu a boca para dizer que não tinha intenção de deixá-la ir. Que ela era sua esposa. Mãe de seus filhos. Ele a forçaria a ficar. Ela pertencia a ele.
Depois percebeu: Olívia não pertencia a ele.
Eles pertenciam um ao outro.
Se ela quisesse ser livre, ele não poderia forçá-la a ficar. Não poderia acorrentá-la à cama. Não poderia ignorar os sentimentos dela, em nome dos seus. Não mais.
Ele a amava.
Ian respirou fundo, lutando para recuperar seu controle. Para pegá-la e colocá-la dentro do Bentley. Para levá-la para casa e beijá-la até que ela perdesse os sentidos. Para trancá-la e forçá-la a ficar, ate que ela recobrasse a sensatez
Mas não poderia.
Um palavrão brasileiro deixou seus lábios, silenciosamente. O amor o deixara fraco, como ele sempre temera
Sem Olívia, eles não seriam uma família. Sem ela, Ian perderia tudo aquilo que passara a amar.
Mas, por amá-la, ele não tinha escolha, a não ser deixá-la ir.
Ele fechou os punhos.
— Até que os bebês nasçam, Pedro estará sempre ao seu lado — disse ele, friamente. — Depois disso, você pode fazer o que quiser, eu lhe darei o divórcio.
Ela sacudiu a cabeça.
— Pedro já está esperando por mim.
— Bom — disse ele. Ele deu as costas, quando as lágrimas ameaçaram surgir no fundo de seus olhos. — Saia, Olívia. Já estou farto de olhá-la. Não deixe o Rio. Meu advogado entrará em contato com você.
Ela sentiu o corpo inteiro tenso, ao ouvir a palavra advogado. E se virou para sair, depois parou junto à porta. Sem olhar nos olhos dele, ela falou as últimas palavras.
—Adeus, Ian — sussurrou. — Eu sempre vou amá-lo.
Ele sentou pesadamente junto à escrivaninha, quando a porta se fechou. E pousou a cabeça nas mãos. Ele fora um imbecil em dar seu coração. Tudo fora uma armadilha. Toda a ternura, confiança e amor não passaram de uma ilusão para enfraquecê-lo. Para fazê-lo acreditar...
Ele confiara nela. E a amara. E estava tão certo que ela retribuía seu amor.
Eu amo você. Ele ainda se lembrava da forma como o rosto de Olivia se acendeu naquela manhã, quando ela disse as palavras, sob o fogo radiante do sol brasileiro. Achei que se eu demonstrasse meu amor, de mil maneiras, lhe dando um lar afetuoso, você saberia.
Ele apertou os nós dos dedos junto aos olhos fechados. Ele fora um tolo. Ela nunca o amara, de verdade. Fora apenas...
Isso apenas...
Apenas... não fazia sentido.
Ian abriu os olhos lentamente.
Apenas diga que me ama, Olívia havia sussurrado. E tudo que quero é mantê-la em segurança.
Cátia.
Ele pegou o telefone da mesa. Andando de um lado para o outro, no escritório, ele primeiro ligou para o celular de Olívia,  depois para o de Pedro. Ninguém atendia. Ele ligou para a segurança, no térreo, e foi avisado que a sra. Lima e o segurança haviam partido há muito tempo.
As mãos de Ian tremiam, quando ele tentou fazer conta to com seus homens no hotel. Nenhum deles atendia, mas ele deixou tocar. Finalmente, ligou para o chefe da segurança, e foi atendido.
— Eu acabei de chegar ao Carlton Palace, sr. Lima— disse o australiano, sério. — Aparentemente, alguém apagou todos os seguranças, colocando algo no café. Ninguém morreu, mas eu acabo de encontrar Guilherme enfiado num armário de produtos de limpeza, nos fundos da escada. Ele quase não conseguia respirar, parece que o desacordaram com clorofórmio, por trás. A ambulância está a caminho.
— E Cátia? — perguntou Ian, quase sem conseguir res¬pirar.
— Eu não a vi, sr. Lima — respondeu MacCandless. — Vasculhei o prédio. Mas Pedro Carneiro estava com ela quando deixou o condomínio do general, esta manhã.
Ian puxou o ar com dificuldade, fechando os olhos. Pedro.
O guarda-costas de confiança que protegia sua esposa e filha. O irmão do seu próprio rival da favela, o homem que jamais o perdoara por ir embora e ser bem-sucedido num mundo melhor.
Ian sabia como havia sido traído. Como os bilhetes haviam entrado em sua casa, escritório e carro.
Pedro!
Um rugido veio do fundo de sua garganta quando ele disse ao chefe de segurança:
— Pedro Carneiro nos traiu. Ele está trabalhando para Wright. Encontre-o e acharemos Cátia... e Olívia.
Mas mesmo enquanto o suor frio começou a minar seu corpo, ele ficou feliz ao perceber algo: Olívia ainda o amava. Ela estivera tentando proteger todos eles.
Ian levantou.
Proteger sua família era seu dever.
O amor não deixara Ian vulnerável. Dera-lhe o poder e a força do aço. Ele morreria para proteger sua família.
E o advogado vendedor de criancinhas não viveria para ver outro amanhecer.


Baile de amor Onde histórias criam vida. Descubra agora