Quarentena, dias 33 e 34 - parte I

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Bianca

Parte I


16:47

17:54

Eu tinha preenchido minha manhã com minhas obrigações mais urgentes: me reuni com a Payot acerca dos novos lançamentos da minha marca e as mudanças táticas necessárias em razão da pandemia; me reuni com a minha equipe para traçarmos metas viáveis para meus projetos paralelos; me comuniquei com a imobiliária acerca de alterações no contrato de locação da minha casa nova.

Não muito surpreendentemente, acabei com tudo antes ainda do almoço. Olhei em volta da casa: não havia muito o que fazer porque Mariana tinha mania de limpeza e organização. Assim, me restou apenas conversar com meus amigos ao mesmo tempo que fazia algumas pesquisas relacionadas ao meu futuro projeto secreto — sim, eu era workaholic e perfeccionista. Até ver o projeto realizado, eu usava minha ansiedade a meu favor para me atentar a todos os detalhes, procurando espaços para inovar e sair do lugar comum. Eu gostava de surpreender e isso que despertava curiosidade do público. Mas tudo aquilo demandava trabalho e pesquisa. Eu amava, mas me deixava ser consumida com facilidade e, assim, era até difícil notar o tempo passar.

Porém, conforme o céu ia mudando de tonalidade do lado de fora, comecei a perceber melhor os minutos transcorrendo e o vazio em meu apartamento.

Já fazia um tempo desde que Mariana tinha saído para o que seria uma reunião delicada com seu ex. Mais do que apenas uma decisão sobre a carreira deles, eles estavam encerrando uma parceria de quase meia década. Era uma mudança drástica e fazia sentido ela demorar para acertar todos os detalhes, mas tanto assim?

Quase em sintonia com meus pensamentos, uma notificação dela apareceu no meu celular.

Mariana: Bi,

Mariana: a Gabriela me ligou e insistiu muito para eu ir lá porque nós não nos vemos desde antes do BBB.

Estreitei os olhos com a mensagem. Mariana tinha mencionado que Pugliesi estava insistindo num reencontro. Eu compreendia: se eu fosse a melhor amiga de Mariana, estaria ansiosa em a rever depois de três meses, contando o Big Brother e a quarentena. Quando eu fui eliminada na quinta semana, ainda não havia quarentena e eu tive a oportunidade de receber meus amigos e ficar um tempo com a minha família. Aqueles momentos com eles tinham sido fundamentais para que eu encontrasse meu ponto de equilíbrio: sair de um confinamento com todo mundo apontando suas falhas e seus erros não era fácil. Estar entre pessoas que amávamos era revigorante.

Mariana, todavia, não teve nada daquilo. Ela ainda não tinha visto nem mesmo seus pais exceto por videochamada. Em vez disso, saiu da casa do BBB para ser confinada de novo e ainda descobrir um par de chifres do namorado de anos.

Era natural ela querer passar algumas horas com a melhor amiga, mesmo em meio a uma pandemia. Eu mesma tinha acabado de ver Miguel esses dias quando visitamos a casa para qual eu me mudaria. Não seria assim tão diferente...

Né?

Podia até ser, mas algo naquele contexto provocou um pequeno incômodo em minha garganta, uma apreensão que se irradiava pelas minhas vias respiratórias até chegar no peito.

Mariana: eu não vou demorar, só umas horinhas.

Enviei uma figurinha e falei para ela se divertir — usando muitas exclamações e emojis para disfarçar o nó preso em minha garganta. Ela mandou uma figurinha e permaneci online por mais alguns segundos à espera de alguma elaboração, mas não houve nada.

Quarentena em São PauloOnde histórias criam vida. Descubra agora