Quarentena, dia 41 - parte II

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Quarentena, dia 41 pt 2

Bianca

Parte II


Eu mal tinha twittado quando o meu celular vibrou em minhas mãos. O rosto do Flay brilhou na tela do iPhone e eu sorri antes de atender, colocando na função viva-voz:

— Fala, quenga — cumprimentei e deixei o celular sobre a bancada da cozinha. Eu não era muito de ficar tagarelando no celular; em vez disso, escolhi multitarefar procurando nos armários da cozinha um jogo de jantar que eu nunca usava. Antes mesmo que eu pudesse tomar consciência do que fazia, parte da minha mente já arquitetava planos para as últimas horas de Mari no meu apê.

A outra parte, contudo, estranhava os barulhos do outro lado da ligação e, assim, a memória do Twitter escapou por entre meus pensamentos hiperativos.

— Flay? — Falei mais alto quando não ouvi nada senão ruídos de televisão. O som do outro lado foi ficando mais baixo até que ouvi minha amiga:

Oi, tá me ouvindo? — berrou e agradeci não estar com o celular diretamente no ouvido.

— Estou, estou — sorri. — Onde você está, amiga?

Em casa, onde mais eu estaria com essa chuva? — pausou. — Não está chovendo aí, não? Você mora aqui do lado, não é possível estar chovendo só em cima do meu prédio.

Mordi o lábio e parei o que estava fazendo para me atentar aos barulhos ao meu redor. Morando em São Paulo, o silêncio nunca era absoluto e eu estava treinada a ignorar sons distantes — tão bem treinada que, pelo jeito, eu tinha ignorado a chuva que agora eu conseguia distinguir lá fora.

— Nem tinha reparado que estava chovendo — admiti.

Nenhum pouco avoada, né, Bianca. Aposto que estava trabalhando!

Comprimi meus lábios como se Flay estivesse no mesmo cômodo e pudesse ver o sorriso que quase escapou com a recordação de todo o trabalho que eu não tinha feito naquele dia.

— Pois é, menina... Estava trabalhando até agora, esqueci até de comer. Estou cheia de coisa pra fazer, te contei do programa, né? São muitos detalhes envolvidos, sabe. Cada hora é uma coisa nova que aprendo e, sendo ao vivo, cê imagina a dor de cabeça... — as palavras eram enunciadas com naturalidade. Eram, em parte, honestas. Apenas não se adequavam às últimas horas como eu fazia parecer. — Até contratei mais gente pra equipe, eu te falei? Senão, eu não dou conta.

Sim, aquela garota da MTV que você pegou, estou sabendo.

Meus olhos se arregalaram antes de se estreitaram com a lembrança da conversa que eu tivera com minha amiga uns dias antes: — Peraí, eu não te contei isso, não. Eu só falei que contratei a Bianca.

A Labres preencheu as lacunas — Flay gargalhou e eu consegui visualizar, mesmo de longe, seu sorriso sugestivo. Era o mesmo que tinha se formado nos rostos de todos os meus amigos quando souberam que eu tinha contratado a outra Bianca para integrar a minha equipe. — E você ainda vai levar a mulher pra morar com você, né? Quero ser esperta assim um dia.

— Também não é assim, isso nem passou pela minha cabeça — interrompi antes que ela verbalizasse suas óbvias conclusões. — Não sei por que vocês todos logo pensam isso! Trabalho é trabalho, eu não gosto de misturar os canais. A Bianca vai morar comigo porque é mais simples nesses tempos de quarentena e tal.

Quarentena em São PauloOnde histórias criam vida. Descubra agora