Bianca
— Diga. De zero a dez, o quanto eu me expus nessa live?
Já eram quase três da manhã e estávamos, eu e meu melhor amigo, na cozinha do meu apartamento em nossas roupas de dormir. Terminávamos o lanche da madrugada enquanto esperávamos por Mariana, quem ainda não tinha chegado da casa do ex.
Não queria admitir para Miguel, mas o açúcar que ingeríamos não era suficiente para neutralizar o amargo que me tomava com essa demora inexplicável da Mari.
Meu amigo fez uma expressão dramática e reflexiva antes de me responder: — De zero a dez? Cinco.
— Cinco? Só?
— Meu bem, você já estava exposta antes, né. Então muita coisa não foi novidade — ele deu os ombros, enfiando uma colher de mousse de leite ninho na boca. — Estou feliz que não vou ter que me preocupar com nenhuma contenção de danos.
Lambi a minha própria colher, tentando relembrar tudo que tinha acontecido na live. Eu sabia que eu não tinha falado nada demais. Tudo que tinha sido dito as pessoas poderiam — e iriam — colocar na conta do meu lado sapatão sem vergonha que dava em cima de todas as mulheres bonitas que me davam o mínimo de abertura.
O que eu temia era o que eu podia ter demonstrado. Houve momentos durante a transmissão que eu precisei me lembrar que eu não estava nua de tão exposta. Mesmo do outro lado da tela, Mari ainda conseguia me desestruturar. Toda a proteção transvestida de despretensão que me serviu de alicerce por tanto tempo desmoronava. Era como se todos os buracos para me esconder sumissem e tal noção me deixava tão nervosa que meu estômago estremecia e minha cabeça esvaziava — eu perdia qualquer poder sobre as minhas reações.
Era até difícil imaginar que Mari não desconfiasse de alguma coisa. Para mim, aquele sentimento ficava explícito em cada atitude. Escancarado. Não parecia possível Mariana não notar.
Exceto se, talvez, ela não quisesse notar. Ou... não quisesse demonstrar que notou.
Falando nela...
Ouvi a porta da frente abrindo e quase dei um salto da bancada onde eu estava sentada. Fui em direção ao encontro de Mari no hall:
— Até que enfim, nós estávamos ficando preocupados! — Eu usei o nós para parecer uma preocupação razoável que Miguel e eu compartilhávamos e não uma maluquice só minha.
Mari tirava as sandálias na porta de entrada quando eu e meu amigo a encontramos. Ela ainda usava o vestido preto acetinado que tinha escolhido para a final do Big Brother. Reparei em como a fenda dele subia até sua coxa quando ela colocou seus pertences próximos à porta. Ela, porém, não retribuiu meu olhar, constatando em vez disso a presença de Miguel atrás de mim.
— Desculpa, fiquei conversando e esqueci a hora — sua fala era dirigida a mim, mas ela olhava para ele. Ela deu um sorriso sincero, porém abatido. Mordi o lábio, examinando-a por um segundo. Suas feições indicavam uma exaustão mais complexa que um mero cansaço físico.
Perante minha hesitação, Mari acenou para meu amigo:
— Já que a Bianca é uma sem educação, eu mesma me apresento. Oi! Miguel, né? — Rolei os olhos, tendo me esquecido da etiqueta básica. Eu falava tanto de um para o outro que não me lembrei que eles não se conheciam ainda. — Prazer, sou a Mari.
Sou a Mari. Como se alguém não fosse saber.
— Desculpa que eu não posso... — mexeu as mãos para sinalizar que não podia as usar para cumprimentar devido ao risco de contaminação da pandemia.
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Quarentena em São Paulo
FanfictionNo pós-BBB, Bianca Andrade acredita que Mariana González não queira mais manter a amizade das duas iniciada na casa. Por mais que a carioca tentasse uma aproximação com a ex-sister, Mariana parecia desinteressada e distante. Até que um dia, em plen...