Quarentena, dia 35

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Bianca

E então chegou o dia da final do Big Brother Brasil.

Eu nunca antecipei chegar a final do programa dentro da casa e aquele, tampouco, foi meu objetivo ao aceitar o convite para participar do programa. Então o fato de eu assistir a final de fora, como telespectadora, não era em si digno de nota. Contudo, acho que nenhum de nós, ex-BBBs, imaginaria assistir a final da sua própria casa, em uma grande live com todos ex-participantes.

Mas a pandemia não havia deixado outra opção.

Miguel, então, viria pro meu apartamento me ajudar a me arrumar. Eu usaria o look que eu tinha separado caso eu fosse para a final dentro da casa — sim, eu nunca esperei chegar até lá, mas era aquela grande máxima da vida: vai que. Eu tinha me preparado para todas as possibilidades calculáveis antes de entrar, ainda que o meu simples entrar fosse um risco de consequências incalculáveis em minha carreira. Acabou que deu tudo certo ao mesmo tempo que deu tudo errado e aquela era a síntese da minha participação no programa, da qual eu não me arrependia.

Fosse do jeito que fosse, aquele dia carregava em si um peso enorme. Parecia e era um desfecho para uma fase marcante em minha vida. Era um daqueles pontos da minha história que eu considerava um divisor de águas: sem ele, minha vida seguiria um outro rumo. Se pior ou melhor, jamais saberia. Mas sei que, sem o BBB, eu não estaria aqui na cozinha do meu apartamento, com Mariana González dormindo na minha cama enquanto eu preparava um café da manhã conversando com minha mãe no viva-voz:

— Miguel vai aí que horas? — Minha mãe me perguntou, preocupada com o cronograma do dia. Tínhamos uma reunião estratégica para aquela manhã: os próximos meses seriam importantes para minha marca e também para minha carreira de influencer. Eu planejava muitas novidades e mudanças. Porém, como tudo, eu precisava conceber tais mudanças em todos seus pequenos detalhes.

— Daqui a pouco ele está chegando — disse com calma. O cronograma do dia seria, sim, apertado. Meus cronogramas sempre eram. Mas, no fim, tudo se encaixava. — Vai dar tudo certo.

Enquanto minha mãe me alertava sobre um tópico a ser levantado na reunião, ouvi os passos de Mariana se aproximando pelo corredor. Levantei os olhos da frigideira apenas para olhar suas pernas a mostra se aproximando, mas me distraí tempo suficiente para quase queimar a tapioca.

— Merda, mãe, vou desligar ou queimo um negócio aqui — e antes que ela insistisse mais no tópico da reunião, me adiantei. — Pode deixar que não vou esquecer. Beijos, tchau, te amo, falo com você daqui a pouco.

Encerrei a ligação bem quando Mariana entrava na cozinha: — Nossa, assim que você se despede da sua mãe? — ela chegou já comentando com divertimento.

Desliguei o fogo enquanto ela passava por mim para pegar a caneca da Bela e a Fera que ela tinha tomado para si na primeira manhã que acordou aqui.

Em apenas vinte dias aqui, Mariana tinha se apossado de uma caneca, uma pantufa, três camisetas e um lado da cama. Como ela foi tomando conta de tantos espaços da minha vida em tão pouco tempo era um mistério — mas tudo tinha ocorrido de forma tão orgânica que parecia que era para ser.

— Bom dia, Bi! — Ela acrescentou com uma voz enrouquecida de quem acabou de acordar, desta vez passando para o outro lado, por trás de mim, sua caneca em mãos.

Normalmente aquele bom dia vinha acompanhado de um beijo, um abraço e um cheiro no pescoço. Mas fingi não notar que, desta vez, ela tinha se esforçado para nem mesmo esbarrar em mim.

Eu me senti tentada a afugentar aquele sentimento estranho de vazio, mas ele veio com tanta força que eu não consegui fingir que não me atingiu. Mariana estava assim desde ontem. Doce, porém distante. Agia com sua meiguice característica, mas havia uma reserva notável em seus gestos e palavras. Ela estava se afastando e eu não precisava nem perguntar o por quê.

Quarentena em São PauloOnde histórias criam vida. Descubra agora