Capítulo 4

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Os Ingleses e suas Paixões


Chá no Solar Beardley não é apenas uma tradição obrigatória e suntuosa, é também imutável. Servido rigidamente às quatro e meia, é um ritual solene, que acontece habitualmente, dia após dia.

O cardápio obrigatório consiste em chá indiano ou do Ceilão servido em bules de prata e em delicadas xícaras de porcelana, uma seleção de deliciosos sanduíches – incluindo, é claro, sanduíches de pepino finamente fatiados – bolos, doces e bolinhos com creme de leite e geleia de morango caseira.

A ordem é fundamental para o chá. A parafernália – bules, xícaras, coadores, colheres – que é necessária para realizar o ritual da maneira complicada ditada pela tradição. É o respeito desse senso de ordem esperado que torna as festas de chá tão encantadoras.

No entanto, ontem houve um distúrbio dessa forma ordenada que me faz escrever essa página.

Charles Burgess, o sétimo conde de Burgess, sua esposa, Lady Margaret Burgess, e sua mãe, a condessa viúva, Lady Aileen – que fez questão de me fazer saber que ela era Lady Burgess, o que não é verdade – chegaram para uma breve visita.

Quando lhes mostrei os quartos, contei-lhes sobre algumas das nossas tradições e disse: — O nosso ponto alto é o chá.

— Alto-chá não é o mesmo que chá da tarde — Lady Burgess me corrigiu com uma fungada. — O alto-chá é o que os servos comem por volta das 18h, depois que nos servem o nosso chá da tarde.

Como se eu não soubesse disso. Suspirei por dentro e dei a ela um sorriso de lábios fechados, engolindo minha réplica. Eu não disse alto-chá, mas que o nosso destaque do dia era o chá.

Depois que fiz um tour pela casa com eles, fui até a cozinha para ter certeza de que tudo estava perfeito. Essa era a minha chance de brilhar, para mostrar que eu era de fato a dama da mansão.

Então, por que desejei estar de volta naquele galpão, chupando o pau do meu jardineiro? Minhas bochechas coraram quando pensei no encontro de alguns dias atrás, quando tudo parecia, bem, perfeito. Eu tinha uma tarefa e executara essa tarefa de maneira adequada o suficiente, ou assim parecia.

Mas foi muito mais do que apenas o ato. Foi como Salvatore me ajudou a me levantar do chão, consertando meu vestido e me beijando levemente, até eu florescer sob seu toque. As palavras que ele sussurrou em meu ouvido eram de sua língua materna, mas senti o carinho delas. Houve essa mudança em nosso relacionamento, que agora estava marcado pela chegada repentina do meu marido e agora desses convidados.

Pressionei minha cabeça contra a moldura da porta antes de ir para o salão.

Servi o chá para todos eles, meu marido, minha sogra e três de suas amigas, além dos convidados que estavam observando cada movimento meu, esperando que eu desse um passo em falso para que eles pudessem sussurrar nas minhas costas. Embora só estivessem aqui há algumas horas, desejei que todos fossem embora logo, inclusive meu marido.

Acima de tudo, desejei que Salvatore estivesse aqui, sorrindo maliciosamente no canto.

Eu sorria e conversava, era a imagem da beleza, mas por dentro, ah, por dentro eu estava morrendo lentamente.

Era como se eu não pudesse ser a mulher que sou quando eles não estavam aqui, que a qualquer momento alguém iria me forçar a sair da minha mansão por ser tão devassa.

Sentei-me ao lado do meu marido no sofá, observando enquanto todos pegavam as xícaras que pertenciam a alguma rainha antiga e bebiam o chá como se tivesse sido adoçado com arsênico.

Do Diário da Baronesa 2Onde histórias criam vida. Descubra agora