Premonição

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O relógio da parede faz um som irritante. O eco dos meus sapatos batendo no piso branco da igreja também não é dos mais agradáveis. Tudo está tão quieto nessa madrugada.

Olho para os lados, me certificando de que estamos sozinhos, então me sento em um banco, em frente à imagem de uma cruz. Abaixo dela há dois caixões marrons, de alças douradas. Estão cobertos, não é possível nem sequer ver os rostos. Nem poderia, estão esmagados.

Somos os únicos aqui. Ninguém veio velar meus pais. Sinto que sempre fui tudo para eles. O filho único, a razão da vida e o alvo de todos os afagos.

— Eles deveriam ter acreditado. — Quero chorar, mas não consigo.

Há um desespero mudo em mim. Avisei à eles milhares de vezes "Se certifiquem de que as janelas estão fechadas à noite. Alguém pode entrar." No entanto, eles não me ouviram.

Desde que me mudei para o meu próprio apartamento, tenho tido muito medo. Meus pais sabiam que ele os queria mortos, mas não davam importância.

Noite após noite segui sonhando. O golpe que o assassino dava em minha mãe, usando uma barra de ferro, rachava os ossos de sua face como se fossem de papel. Meu pai mal tinha tempo de abrir os olhos e eles eram logo esmagados. Eu acordava sempre suado e trêmulo desse pesadelo.

Um dia, no entanto, não sonhei. Foi uma noite pacífica, como poucas na minha vida. Me deitei na cama e não acordei uma única vez. Na manhã seguinte, soube que meus pais estavam mortos.

Havia sido exatamente como nos meus pesadelos. Fiquei tão atordoado que não consegui falar com os policiais quando bateram à minha porta. Apenas me encolhi no chão como um cão chutado e gritei enquanto chorava.

— Levante-se. — Gritou o policial — Você vem conosco. Está detido.

— O quê?

— Não finja. Olhe esse lugar!

Olhei ao redor do meu quarto. As quatro paredes estavam riscadas de sangue. Desenhos que fiz dos meus pais morrendo estavam coladas por todas elas. Não me lembrava de ter feito aquilo. Então olhei minhas mãos. Não apenas elas, mas eu todo estava sujo de sangue.

Enquanto recordo tudo isso, minha psiquiatra para ao meu lado, nesse velório solitário. A viatura da polícia me espera do lado de fora enquanto nós dois olhamos para os caixões.

— Você parou de tomar os remédios, não foi? — Minha psiquiatra pergunta — O que aconteceu?

Olho para o meu lado e ele sorri para mim, com olhos esbugalhados. Volta a pedir silêncio, como sempre faz, como sempre fez a vida toda. Diz alguma coisa em meu ouvido e meu coração congela.

Minha psiquiatra não pode vê-lo. Não entendo porque ninguém além de mim consegue vê-lo. Acham que sou louco.

Meu queixo treme quando respondo, olhando para ela.

— Feche bem as janelas essa noite.

Histórias estranhasOnde histórias criam vida. Descubra agora