O padre

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Meu nome é Conrado, ou padre Conrado, caso prefira assim. Aos 57 anos fui enviado para servir em uma cidade do interior, apelidada de Gruta do diabo. O nome era sugestivo, tendo em vista que corpos eram encontrados em matagais todas as semanas.

Eram mulheres e crianças violadas, negros esfolados, mendigos queimados e animais com pescoços quebrados. As pessoas da comunidade diziam que não era gente que fazia isso. Era o diabo! Diziam que ele  vagava por aquelas terras.

- Não, nem tudo é o diabo. - Eu pensava.

Um dia, enquanto caminhava pelo pátio da igreja, tomando um pouco de sol, encontrei uma garotinha deitada na escadaria. A pobre estava com o olho roxo e tinha muitas marcas pelo corpo. Me disse ter nove anos e contou que o pai a estuprava desde os quatro.

- Padre, pode me ajudar? - Ela implorou - Pode pedir ao seu Jesus para me salvar?

Aquilo partiu meu coração então busquei ajuda com as autoridades, mas elas não mexeram um dedo sequer. Os crimes daquela cidade nunca eram investigados.

Mesmo com jejum e oração, comecei a questionar à Deus e a nutrir um imenso ódio daquele lugar. Toda manhã, quando saía para tomar sol, encontrava a mesma garotinha na escada da igreja, esperando para me pedir ajuda. Eu não sabia mais o que dizer.

No sétimo dia, ela caiu de joelhos à minha frente e começou a chorar, dizendo que não queria mais viver. Aquilo abalou toda a minha fé.

Pedi que me dissesse quem era seu pai e, então, naquela mesma tarde, resolvi eu mesmo ir atrás dele. Caminhei pela estrada de terra deserta até a lavoura em que o homem trabalhava e o encontrei fumando, de costas para a estrada.

Eu pensei em tudo que queria falar com ele, mas quando vi a enxada descansando ao seu lado, um ódio tremendo me moveu. Sem pensar duas vezes, avancei sobre a enxada, a ergui e rachei a cabeça daquele homem ao meio.

Minhas pernas ficaram trêmulas e meus olhos cheios d'água, mas eu estava satisfeito finalmente. A menina estava livre, nunca mais seu pai a machucaria.

Voltei tremendo pela estrada escura e, quando cheguei à igreja, já era noite. Para minha surpresa, a menininha estava na escadaria outra vez.

- Padre, você me ouviu! - Ela abriu um grande sorriso para mim.

Andei mais rápido e, conforme me aproximava, ia sentindo meu corpo se arrepiar. Logo me dei conta: Não, aquilo não era uma menininha. De fato, quanto mais eu me aproximava, menos se parecia com uma criança.

Quando estava quase à sua frente, aquela coisa riu de mim, como se tivesse ganhado alguma aposta. Antes que eu pudesse crer no que estava vendo, a criatura criou cascos no lugar dos pés, corpo de cachorro e pequenos chifres na cabeça marrom. Saiu correndo para longe, soltando uma longa gargalhada.

O diabo... Aquela era a cidade do diabo.

Histórias estranhasOnde histórias criam vida. Descubra agora