Vinte e seis

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Uma escuridão assustadora.

(Narração Gilbert)

Poucos segundos depois que entrei em meu quarto, extasiado pensando em como Anne era perfeita e certamente me completava de uma maneira inexplicável, sou interrompido por batidas leves na porta. Me encaro no espelho, bagunço o cabelo e saio pensando inocentemente que a pessoa a qual estava em minha porta era Anne.

Abro a porta com um sorriso torto, e sou surpreendido por Winifred que me encara um tanto desnorteada. Com um teste de gravidez na mão.

— O que é isso? — questiono assim que noto que o teste está no positivo.

Ela entra em meu quarto sem pedir licença e se senta na poltrona respirando ofegante e começa a chorar.

— Você não se lembra? — ela me encara com ódio.

— Eu não posso me lembrar de algo que não aconteceu Winifred! — enfatizo.

Eu sei que se eu tivesse feito alguma coisa, eu não me esqueceria. Até porque seria a primeira vez que eu teria uma mulher em minha cama, e acho que coisas dessa importância, dificilmente esquecemos. Por mais bêbado que estivéssemos.

— Eu não vou abortar! — ela disse em crise.

— Eu não disse para fazer isso — retruco.

No mesmo instante um barulho na porta chama minha atenção, viro-me e lá está Anne, parada, acredito que perplexa e confusa com tudo que havia escutado. Winifred se vira como se estivesse feliz por Anne ter escutado. Contudo, apesar de Anne certamente estar confusa com o que havia escutado, ela não diz nada, só sai correndo.

Encaro Winifred que aparentemente feliz, segura em meu braço. Tentando imperdir-me de ir atrás de Anne.

— Você não deve ir atrás dela — ela fala nervosa — temos um assunto muito mais importante para falar.

— Certo, então me espere e quando eu voltar, falaremos sobre isso — respondo nervoso.

— Anne! — escuto Diana gritando.

Saio para ver o que está acontecendo e Diana está chorando.

— O que foi Diana?

— Ela saiu! — diz Diana enquanto veste uma blusa e calça os sapatos — ela não tem noção do quanto é perigoso essa nevasca.

— Ela foi lá pra fora? — levo a mão a cabeça — é insano e ela não poderá sair.

— Você controla o portão aqui dentro também?

— É claro, o Sr. Pires dorme também — digo ironicamente — vou atrás dela.

— Eu vou atrás dela — Diana diz irada  impedindo-me de ir, empurrando-me — acho que já fez o suficiente por hoje, não é Gilbert?

— Ela já lhe disse?

— É óbvio que sim. — Diana movimenta a cabeça em negação como me julgasse mentalmente — você é um Putain de salaud — ela fala histérica.

— O que? O que é isso Diana?

— Maldito desgraçado — diz Jerry — o que aconteceu?

— Acompanhe-me Jerry — pede Diana — temos que ir atrás de Anne. Ela saiu e nem sequer pegou a blusa, está em profundo tormento, precisamos buscá-la antes que aconteça algo pior — ela desce as escadas desesperada.

Em poucos segundos  o corredor está inundado de gente, Bash e Mary, curiosamente saem do mesmo quarto. E Winifred encara-me da porta de meu quarto satisfeita com o resultado.

— O que aconteceu? — Mary diz apreensiva.

Assim que Winifred simula que vai falar, eu digo.

— Uma situação bastante constrangedora.

Antes que Mary pudesse falar, eu desço as escadas atrás de Anne, pois independente de qualquer coisa, eu sabia que Winifred, não estava dizendo a verdade.

. . .

(Narração Anne)

Fazer as coisas impulsivamente era algo que eu não queria fazer, mas isso era uma característica de Anne Shirley que não podia ser mudada. Em meio uma nevasca, eu ir embora, era insano, certamente eu não aguentaria ficar tanto tempo debaixo da neve, sem congelar, principalmente porque, meu casaco havia ficado dentro do quarto. Mas eu sabia que se eu voltasse para lá, Gilbert estaria a minha espera com um artigo explicativo sobre o que eu havia escutado. E diante de uma situação tão catastrófica e decepcionante, eu não seria capaz de permanecer nem por um segundo frente a eles como se eles não tivessem feito nada. Um bebê não vem pela cegonha, muito menos, de uma semente plantada.

O pior de tudo isso, era imaginar que Gilbert estava mentindo para mim. Algo que eu pensei que ele jamais faria, e como me deixar frente a garota que ele teve um caso, foi satisfatório? Certamente ele é um "homenzinho" estilo Billy Andrews, que não sabe agir diante de situações embaraçosas, e que quando tem a oportunidade, se aproveita da fragilidade e inocência de alguém. Me usar era uma estratégia para que? Para que Winifred decidisse por si só que abortar seria a melhor escolha?

Insano, exageradamente insano. Coisa que eu pensei que Gilbert Blythe não seria. Uma mulher de um coração tão escuro e maldoso como a Winifred, certamente não deixaria passar em branco essa situação. Cedo ou tarde a verdade viria à tona.

Meu corpo estava quente ainda, devido a minha raiva. Eu pretendia ficar com raiva até chegar em minha casa, pois assim meu organismo não sofreria nenhum dano irreversível. Contudo, apesar de desejar profundamente que a raiva permanecesse em meu corpo, foi inevitável. Uma hora ou outro o baque intenso do clima frio teria alguma ação sobre um ser humano perdido no meio do jardim.

A friagem percorria meu corpo com impetuosidade, minhas mãos se dobraram para manter o calor mas foi em vão, parecia que ao invés de sangue, tinha um rio prestes a ser congelado percorrendo meu organismo.

Escuto ao longe o som da voz de Diana, o portão não estava aberto, nem o porteiro estava lá. Então eu mudo o rumo, vou direto para o meio do jardim encantado de Gilbert que no momento estava tomado por neve. Era difícil me localizar, ainda mais porque meus olhos mal conseguiam se manter abertos. O vento chiava em meus ouvidos, e meus passos já estavam lentos, o corpo já estava cansado, sentia o bombeamento de meu coração menos intenso, e tudo indicava que em segundos, eu iria desmaiar.

Sento-me no chão, tentando ao máximo manter a respiração, encolho-me enquanto sinto a forte e acentuada ventania. Eu estava tão fria, que nada me ajudava a me aquecer.

Demorou segundos, para que eu não visse mais nada. A voz de Diana foi ficando a cada segundo mais fraca, não sei se porque ela estava ainda mais longe ou eu estava entrando em estado de inconsciência. Antes que eu pudesse entrar em estado de inconsciência, sinto alguém puxando-me. Eu não conseguia ver quem era, pois estava cansada demais para isso.

A única coisa que escutei foi Jerry, alegre dizendo.

— Você a encontrou.

— Vamos levá-la para dentro. Ela precisa ser aquecida. Anne não me deixe, não feche os olhos, não durma, mantenha a respiração para que seu corpo fique aquecido. Por favor Anne. Por favor.

Anne With An E - Sec XXI (Concluída)Onde histórias criam vida. Descubra agora