Capítulo 3

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Olhando as janelas de vidro que emolduravam a paisagem urbana noturna, eu pensei que Andy seria uma boa companhia para falar daquelas coisas inúteis que passavam por mesas laterais na minha sala gigantesca. E que eu conversaria sobre isso olhando como seus lábios se afastavam um do outro suavemente, deixando entrever a parte vermelha lá dentro. E que eu tinha uma adega e não tinha companhia para apreciar uma boa garrafa. Me senti duplamente idiota. E daí que eu tinha pensado em outra coisa? A garota de quatorze anos estava com mais de trinta em algum lugar do Brasil. Ela não ia ligar se eu me sentisse atraído por um homem. Eu não tinha culpa se ele usava roupas tão bonitas e desenhava as sobrancelhas.

Ligeiramente bêbado, mas embriagado desde a tarde por um torpor diferente, eu desci para a garagem. A noite era uma criança.

Mandei mensagem ao Andy dizendo que estava indo vê-lo. Pedi o endereço e não esperei resposta. Ele respondeu logo em seguida.

Encontrei-o na rua com as mãos nos bolsos do sobretudo, e uma infinidade de luzes refletindo cores no asfalto molhado. Teatral. Seus cabelos esvoaçavam em um lado do rosto. Inteiramente vestido de preto, com apenas uma parte da camisa de baixo branca aparecendo próximo ao pescoço, ele era ao mesmo tempo grande e frágil. Poderia estar num desfile de moda outono-inverno.

— Oi — falei, da janela do carro. — Tenho duas mesas amarelas, em formato de trapézio, na minha sala.

Ele cruzou os braços.

— E eu com isso?

— São completamente inúteis.

— E?

— Perca mais um tempo comigo, por favor! Sei que estou sendo chato, mas não consigo evitar. Eu sairia do carro para falar contigo se não corresse o risco de me espatifar por aí, então venha comigo.

— Não sei... Eu realmente não gostaria de ser morto e jogado no rio esta noite. O que você quer comigo?

— Prometo que não vou te matar. Venha para a minha cobertura. Vamos conversar, tomar vinho. Você vai gostar.

Andy cedeu depois de alguns segundos de indecisão. Deu a volta ao carro e entrou.

— Ok, vou aceitar seu convite, mas, por Deus, pare de se exibir! Eu já sei onde você mora.

Em silêncio, seguimos para o meu apartamento. Na subida do elevador, fiz de tudo para evitar o constrangimento. Admirar a forma com que ele se vestia era uma forma de ser verdadeiro sem ser invasivo. Eu estava realmente encantado, e ele parecia acostumado a receber elogios do tipo.

— Moderno e elegante — ele disse, olhando meu imóvel, enquanto eu fechava a porta. — Mas falta aconchego.

Andy tirou o sobretudo e eu o coloquei num móvel destinado a isso.

— Odeio aquelas mesas amarelas.

— Por quê? Não há nada errado com elas. Trazem cor e simetria para esse ambiente tão amplo e vazio.

— Imaginei que você fosse dizer isso. Designers...

Convidei Andy a sentar-se. Abri o vinho e então começamos e enumerar os pontos fortes e os negativos da decoração da minha sala de estar. Me sentei ao lado dele e ficamos à vontade.

— Você tem uma cozinha maravilhosa — ele apontou.

— Sim. É a parte que eu mais gosto.

— E você usa?

— Bem, eu tento cozinhar quase todas as noites, mas é chato lidar com sobras.

— Realmente triste. Deve ser péssimo não ter a quem impressionar.

Depois da Tempestade - DEGUSTAÇÃO Onde histórias criam vida. Descubra agora