Capítulo Especial
Abri a porta e entrei sem fazer barulho. Pus os sapatos no lugar de sempre. Fred saltou do sofá e correu até mim; ele ficava feliz toda vez que eu chegava, conhecia os meus horários e ficava na porta me esperando.
Me abaixei e fiz um carinho nele. Olhei em volta. Magali estava trabalhando no canto da sala. De tudo o que tínhamos planejado para aquele apartamento, ainda não tinha saído o escritório dela. Tomada de surpresa, ela procurou esconder o cigarro e correu para o banheiro. Voltou com cheiro de menta e erva-doce.
— Você voltou cedo. — Ela me abraçou. — Estou feliz por você estar aqui.
Não comentei. No caminho eu tinha deletado as conversas com Loth do meu celular. Não que alguém fosse conferir, ou que tivesse algo nelas que eu arrependesse de ter dito, mas sim porque me doía tê-las ao alcance da mão. Da mesma forma que doía ver Magali abatida, tentando esconder os problemas, se entupindo de porcarias que lhe faziam mal.
Talvez a gente não resistisse muito tempo mais. Ou talvez aquele período servisse de aprendizado e as coisas se ajeitassem. Eu não sabia o que ia ser de ali em diante. Eu estava destruído, mas para não piorar ainda mais, eu tinha que parecer positivo. Me sentei de frente para Magali, que fingiu estar ocupada com alguma coisa. Esperei que ela se virasse para mim.
— Ele não vai me ligar mais — falei. Não precisava dizer o nome ou maiores detalhes.
Ela ficou parada, olhando o vazio. Por fim, assentiu.
— Eu não sei o que dizer... Sei que você está triste.
— Não pense nisso. Todos vamos ficar bem. É só uma tempestade. Vai passar.
Magali começou a chorar. Nos abraçamos no sofá. Fred se juntou a nós, alheio aos nossos problemas. Ele tinha sete anos, a idade do nosso casamento.
Foram anos de muito companheirismo, amor e diversão, sem cobranças ou ciúmes. E sem preconceitos. Tínhamos sobrevivido a afastamentos provocados pelo meu trabalho, que acabei abandonando, pelos meus estudos, pelo trabalho dela, por uma doença. As adversidades tinham sido superadas e parecia que nada iria nos abalar.
Até que cessaram as viagens, os estudos, a falta de grana, e nós nos deparamos com problemas que até então não conhecíamos. O princípio foi quando decidimos nos mudar de um estúdio de menos de trinta metros quadrados para o apartamento dos sonhos. Que se tornou um pesadelo.
Se soubéssemos o que nos aguardava ao iniciar aquele projeto gigantesco, jamais teríamos começado. Eu, pelo menos, não teria começado. Ambos da mesma profissão, mas que nunca chegavam a um acordo. Gastos acima do planejado, crises e desconfianças. O projeto não foi nem finalizado. Desistimos antes que as brigas por motivos fúteis destruíssem nossos sonhos. Mas o estrago estava feito. Nós simplesmente não éramos capazes de ficar em casa juntos, trabalhando juntos, então decidimos nos separar. Não o casamento, mas a sociedade recém-iniciada. Comecei a trabalhar em outro lugar.
A relação estava por um fio, mas era um fio forte; ninguém queria que quebrasse. Por isso, decidimos voltar ao início, quando nós tínhamos plena liberdade de fazer tudo o que quiséssemos. Trabalhar separados, sair sozinhos, paquerar, transar com alguém, e então voltar para casa. Como nos melhores tempos. Magali gostava dessa abertura e insistia para que eu me aventurasse. Ela mesma parecia menos abatida e entediada. Até que eu estraguei tudo.
Eu estraguei tudo no dia em que Loth perguntou se eu era comprometido e eu neguei. Não incisivamente, mas neguei. Ou talvez tenha sido antes, na tarde de chuva na cafeteria, quando eu tive certeza de que aquele não era o melhor alvo e mesmo assim aceitei seu número de telefone. E quando confirmei, na mesma noite, que ele estava procurando seu primeiro amor de verdade, e eu me permiti ser esse amor.
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Depois da Tempestade - DEGUSTAÇÃO
RomanceATENÇÃO: ESSE LIVRO NÃO ESTÁ COMPLETO NO WATTPAD DEVIDO AO CONTRATO COM A AMAZON. AMOSTRA DE 16 CAPÍTULOS. Lothar é um homem solitário, que caminha com dificuldades, e que nunca se apaixonou de verdade. Seu único romance foi na adolescência, quan...