Capítulo 10

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Lídia voltou. Iria passar o fim de semana comigo, e eu prometi a mim mesmo que seria menos arrogante dessa vez. Sem Andy, é claro. Se ele resolvesse aparecer de surpresa e os dois se juntassem contra mim, eu não prometeria nada. Mas ele não faria essa proeza, então me comprometi a levar Lídia ao cinema e a outros lugares que ela queria conhecer. Uma mensagem às dez da manhã de sábado me deu ideias. Mara era uma ótima companhia. Convidei-a para se juntar a nós. Se eu me entediasse e resolvesse simplesmente desaparecer, ela me ajudaria. Mara era minha aliada. Fiz o convite e ela aceitou. Isso me deixou mais animado. Um pouquinho mais animado.

Enquanto a noite não chegava, eu aproveitava meu sábado para trabalhar e organizar minha agenda para os próximos dias. Comprei as passagens para a minha cidade natal. Era longe, por isso eu iria de avião. Um taxista conhecido faria o restante do trajeto. Eu era prevenido em relação ao transporte e muito independente. Ter crescido desacreditado, cercado de olhares de pena, tinha me incentivado a não depender dos outros. Isso incluía pequenos favores dos parentes. Quando eu chegasse lá, alguém diria que poderia ter me buscado no aeroporto se eu tivesse avisado, mas se eu tivesse pedido, esse mesmo alguém iria contra a vontade. Eu conhecia a hipocrisia deles.

Cada vez que um pensamento importunava minha mente, eu focava ainda mais nas planilhas, nos relatórios, nos cálculos. Era minha zona de conforto. Mas a presença do celular me distraía. Às vezes eu me pegava olhando para ele, esperando por algo. Uma notificação em especial. Cada vez que chegava outra e não "aquela", eu respirava fundo. Aquilo já estava ridículo.

Por que eu tinha tanto medo de falar com o Andy? Por que tanto receio em incomodar? E daí que era sábado? Se ele estivesse dormindo, estava na hora de acordar. Por que eu, depois daquela ligação interrompida, não tinha mandado uma mensagem perguntando se estava tudo bem, e assim passado uma noite melhor? Por que perdi tanto tempo em claro, olhando para o teto, quando poderia simplesmente perguntar?

Ouvi uma voz na sala. Era Lídia animadíssima ao telefone. Me lembrei de como ela e Andy se davam bem. Riam, brincavam, compartilhavam fofocas. Comigo, Andy era outro. Eu me sentia lisonjeado, mas encucado por isso. E se eu fosse tão chato a ponto de o obrigar a me tratar diferente das outras pessoas? E se ele estivesse se esforçando por isso?

Desviei meus olhos cansados da tela do computador. Respirei fundo e outra vez peguei o celular. Se era tão simples, por que eu relutava?

Digitei rapidamente:

"Bom dia, menino que desliga na cara dos outros!"

Enviei, e logo após achei que não deveria ter dito aquilo. Era sempre assim. Eu achava que não deveria ter dito o que tinha acabado de dizer. Em tentativas de relacionamentos, é claro. No trabalho, eu era implacável. Oxalá fosse assim sempre!

A resposta chegou rápida:

"Me desculpe. Foi sem querer"

"Eu fiquei preocupado"

"Por quê? Não foi nada. Me perdoe" — ele mandou coraçãozinho e carinhas fofas.

Mudei de assunto.

"Marquei minha viagem para a terça-feira à tarde"

"Tão logo? Então nos vemos na segunda. Eu posso sair mais cedo do trabalho. E você também."

"Quando você quiser. E puder" — me lembrei de acrescentar esse segundo verbo. Aquele "não posso" não saía da minha cabeça.

"Você está só?" — ele perguntou.

"Não. Lídia está aqui, mas está ocupada com as coisas dela. Estou aproveitando o tempo favorável para trabalhar".

"Então já voltou a ser o Loth de antes"

Depois da Tempestade - DEGUSTAÇÃO Onde histórias criam vida. Descubra agora