Megan está entretida, enquanto caminha pelas ruas com Kay, que está admirado.
- Como cresceu isto aqui!
- Você ainda não viu nada.
Argumenta Megan.
Kay à olha e pergunta:
- Eu me lembro do campo de terra que jogávamos futebol, ele ainda existe?
- Não mais. Construíram uma praça e um parque ao lado. Ano passado abriram uma quadra a céu aberto, onde ficava aquelas ruínas... Chasee sempre se reúne com os amigos dele lá para uma partida aos fim de tarde.
- Podemos ir até lá?
- Sim, vamos.
Eles passam pela praça e pela quadra, Megan observa as feições de Kay, elas mudam a cada instante.
- Ficou bom, muito bom.
Diz Kay enclausurado.
Megan sorri e eles continuam a andar.
Kay pergunta:
- E a minha casa, Megan, quero dizer, onde eu morava, ainda está de pé?
- Foi demolida.
- Demolida? Por quê?
- Se passaram anos, bom, eles precisavam de espaço para erguer uma escola de balé.
- Balé?! Não poderia ser tango, só para piorar mais?
Megan sorri e acrescenta:
- Eles estão expandido toda cidade. Então, onde não há, eles destroem.
Eles andam pelas ruas e calçadas, até chegarem ao Mcdonald's.
Kay olha para o estabelecimento e diz de braços erguidos:
- Um Mcdonald's, era disso que essa cidade precisava para deixar se ser apenas uma currutela!
- Estamos evoluindo.
- Está vendo? Toda essa "influência ambulante" está caindo sobre você.
Megan entra rindo na lanchonete.
A mulher detrás do balcão encara Kay, que à olha curiosamente.
- Não brinca! Tina?!
- Kay?! Meu Deus, é você mesmo?
- De carne osso e muito mais elegante!
Megan revira os olhos e balbucia:
- E muito modesto por sinal.
Kay e Tina dão um breve abraço e entram em uma conversa frenética.
Megan faz seu pedido ao outro garçom e se senta em uma das mesas ao canto, aguardando Kay se desocupar da atenção de Tina.
Alguns minutos depois e Kay se junta à Megan.
- Não faz ideia do quanto senti falta de tudo isso.
- Está feliz agora?
- Se feliz fosse a palavra certa.
Kay está sorrindo.
Megan o encara devorar um hambúrguer e pergunta:
- Vem cá, Kay, por onde você andou?
- Por aí, Megan. Achei que em Manhattan conseguiria algo, mas estava enganado. Então andei de fronteira à outra.
- Fez faculdade?
- Claro. Fiz cinco anos de administração em Ohio.
- Ohio. Sinceramente não é para muitos.
- Não achei grande coisa. Eu precisei me autoavaliar, precisei passar por uma limpeza cerebral e começar a agir feito um homem. Você sabe que meu pai sempre teve ambição em ter os filhos ao topo do mundo.
- Seu pai sempre foi muito rigoroso, pelo pouco que me lembro.
- Por conta disso e de outras coisas, precisei andar na linha, fiquei preso aos negócios da empresa do meu pai por anos.
- E a sua mãe?
- Em outras palavras, meu pai se tornou um cafetão dos mais destemidos de New Jersey. Minha mãe sempre foi muito submissa a ele, então vivem numa constante trocas e vendas de garotas de programa.
- Minha nossa!
- Eu tive escolha. Quer dizer, precisei tomar uma atitude se não quisesse me ver arruinado no meio deles. Então encontrei um refúgio em Santa Clarita. Depois em Manila, nas Filipinas.
- E o quê você fez por lá?
- Passei minha vida me escondendo do passado vergonhoso dos meus pais. Nas Filipinas comecei a trabalhar como garçom, em um restaurante no térreo de um hotel de luxo. Numa noite de festa como outra qualquer, vi uma linda jovem, ninguém nos quatro cantos da festa se comparava à ela. Você sabe que não resistimos quando vemos um par de pernas sob uma saia justa, não sabe?
- Nunca é diferente.
- Mas o que eu não sabia é que ela era filha de um ricaço, para piorar, o meu chefe, o sócio majoritário do hotel. Me meti em uma roubada. Na manhã seguinte, quando acordei, eu estava totalmente nu sobre o píer do iate do cara, em alto mar, ele e os capangas estavam ao meu redor...
- Você estava nu em alto mar?!
- Completamente!
- Isso não tem como piorar, ou tem?
- Você já vai saber. Eu não sabia o que fazer, comecei logo a gaguejar e procurar algo para cobrir o meu... O meu chefe se curvou sobre mim e urinou bem na minha cara, ele estava de pé diante de mim com aquela coisa para fora da calça e... Ele começou a jogar ofensas sobre mim: "É disso que você gosta?! É disso, seu canalha?! Você é um porco! Filho de cafetão não teria como ser diferente, não é?!"
- Ele conhecia seu pai?
- Se conhecia? Meu pai havia usado a filha dele como moeda de troca no mercado de prostituição.
- Que nojento!
- Eu parecia um filhinho de mamãe, sabe, quando você está entre a cruz e a espada é natural agir feito uma marica.
Megan está hipnotizada na história de Kay, que continua:
- Um dos seguranças dele veio e jogou roupas diante de mim, ele me olhou e disse: "É melhor ir se vestir e estar aqui em menos de cinco minutos, seu monte de lixo!" Eu corri para um banheiro, tomei uma ducha e me vesti. Quando apareci no convés, ele já estava sozinho, estava sentando com um charuto entre os dedos da mão e apoiando um copo de uísque na outra. Ele me mandou me sentar e me ofereceu um copo do que bebia. A filha dele já não estava mais por perto. Então eu vi uma maleta sobre um assento, ele perguntou: "Gosta do que vê?" Concordei com a cabeça e ele perguntou: "Sabe o que tem aí dentro?" Enquanto eu negava, ele pegou a maleta e abriu bem junto de mim...
- E aí?
Kay agora está impassível:
- "Aqui tem meio milhões em euros, rapaz. Sabe o quanto vale? Não? Tudo isso vale sua vida inteira e do monte de entulho que é sua família!"... Naquele mesmo momento soube que ele estava prestes a me comprar. Ele fechou a maleta e disse: "Sabe o que gerou o seu monte de merda?! Você tem filhos? Você sabe o que é ter um filho?! Sabe?! Você sabe o que é estar na ruína e ter que sonegar impostos para ter o que dar de comer a um filho?!" Tudo que eu conseguia fazer era negar com a cabeça. Ali eu caí na real, me toquei de que aquela grana não era para me comprar, mas sim para fazer com que a filha dele tivesse o filho bem longe. No momento eu pensei que ele faria ela abortar, mas ele não era tão perverso a ponto. Tudo que queria era que o neto tivesse um pai, mas não necessariamente que fosse eu.
- Espera aí, ela estava grávida?! Tem certeza que foi só uma noite?
- Pode-se dizer quê houve um "after".
- Meu Deus, Kay! Eu esperava bem mais de você.
- Eu também esperava, Megan. Tudo que consegui foi o rancor de uma mulher que eu nem sequer tive tempo de amar, ainda por cima eu estava prestes a ser pai de um filho indesejado... O cara, o pai dela disse o seguinte: "Você ainda tem muito que aprender, meu jovem. Você não passa de um moleque sem capacidade alguma para arcar com seus atos. Seria mesquinho de minha parte matar você e me desfazer do seu corpo em alto mar, eu estaria fazendo um tremendo mal aos seres aquáticos. Você vai conviver com o peso do que fez, os filhos sempre pagam pelos pecados dos pais. O meu neto não vai pagar, não vai porque ele nem sequer vai saber da sua existência, se chegar a saber, cuidarei para que deixe de saber no mesmo instante"... Os homens dele dirigiram comigo no carro por oito longas horas e me deixaram no meio do nada, então eu andei e andei por alguns quilômetros até chegar em um posto de gasolina e arranjar carona.
- Quanto tempo faz isso, Kay?
- Três anos.
- E você tem um filho ou filha perdido por aí?
- É uma menina. E eu não posso fazer nada. O melhor é ficar quieto onde estou.
- Você teve bastante sorte em continuar vivo.
- Não é sorte, nunca é. Prefiro acreditar que se trata de despeito, por querer sempre julgar mesmo sabendo que a carne é falha.
- Às vezes somos postos à prova.
- É o que eu sempre venho dizendo.
- Sinto muito, meu amigo, mas você vai para o inferno.
- Vamos juntos.
Megan e Kay dão risada e retornam para casa, o tanto de horas às quais fizeram uso para contarem histórias do passado são suficiente para encerrarem o dia.
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A ESCOLHA DO LÍDER
WerewolfUma vez que sofrido o ciclo, ele nunca mais é desfeito, mas a chance de conviver com ele é de uma em um milhão. Num vilarejo estará toda certeza de que ela não pertence mais à família, porque a partir de certa data ela irá pertencer ao líder, somen...